Falha na lei impulsiona vendas de cannabis light

Mais fraca do que a planta habitualmente consumida para fins recreativos, a cannabis light chegou às prateleiras das ervanárias italianas por ter caído numa "terra de ninguém" jurídica.

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ALESSANDRO BIANCHI

Não é um cenário de legalização total (como aconteceu recentemente em vários estados norte-americanos), nem de despenalização (como acontece em Portugal). Em Itália, um negócio de milhões em torno da cannabis floresceu à boleia de um buraco na lei e, desde 2017, a planta encontra-se à venda em ervanárias, estando acessível a qualquer consumidor e não apenas para fins medicinais (o que já era permitido no país).

No ano passado, a aprovação de um diploma que legalizava e regulamentava o cultivo de cânhamo para fins industriais (para a utilização em cosméticos, produtos alimentares, vestuário, biocombustíveis ou materiais de construção) deixou num vazio legal a produção e venda da flor da cannabis. Não está expressamente autorizada, mas também não está proibida — desde que tenha uma concentração do composto psicotrópico THC inferior a 0,6%, valor a partir do qual a lei italiana considera que se trata de um estupefaciente. 

Com concentrações de THC muito longe dos 15% a 25% detectados na cannabis habitualmente consumida para fins recreativos, esta chamada cannabis light não produz efeitos psicotrópicos, mas os consumidores indicam sensações de relaxamento. Já os níveis de canabidiol (ou CBD), um composto com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, não estão sujeitos a qualquer regulamentação.

Legalmente, a flor da cannabis light só pode ser vendida para "fins técnicos". Não pode ser comercializada para ser fumada ou ingerida. Mas nada impede o consumidor de lhe destinar outro uso em casa.

À boleia dessa omissão, nasceram empresas como a Easyjoint, que fez quase meio milhão de euros nos primeiros 45 dias, de acordo com o jornal La Stampa. “Demo-nos conta que a lei abria um flanco para um projecto comercial, mas também de sensibilização. Não podemos ignorar que a parte mais rentável do nosso negócio são precisamente as flores”, explicou Luca Marola, fundador da Easyjoint e activista pela legalização da marijuana, ao ElPaís

Esta empresa foi a primeira a entrar no negócio da revenda de um produto rotulado como “cannabis light”. No primeiro ano de actividade, e através de 500 pontos de venda, venderam 17 toneladas de flores, segundo indicou ao New York Times. Mas não é a única empresa a disputar este mercado. Diversas ervanárias e lojas especializadas começaram a vender a chamada “cannabis light” sob marcas sugestivas como K8, Chill Haus, Cannabbismile ou Marley CBD. Estima-se que o sector da venda da florsementes e óleos de cannabis tenha gerado 40 milhões de euros desde 2007.

O cultivo de cânhamo para fins não recreativos tem uma longa tradição em Itália: em 1940, recorda o New York Times, o país era o segundo maior produtor do mundo, a seguir à União Soviética. E é esta tradição que se quis recuperar 2017.

No entanto, as autoridades reconhecem os efeitos imprevistos e indesejados da nova lei. A anterior ministra da Saúde, Beatrice Lorenzin, afirmou que o diploma “deixa muito a desejar” ao não ter antecipado a venda e consumo da flor. Em Maio, o Ministério da Agricultura também questionava a segurança destes produtos e pedia regulamentação específica para a cannabis light. Mas até agora, nada mudou.

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