Os bons comboios

Quando começaram a dar cabo da CP, envergonho-me de dizer que fui o primeiro rato a desembarcar. Bastaram duas viagens desconfortáveis.

Quando a CP trabalhava bem eu andava sempre de comboio. Era um luxo. Não há melhor maneira de viajar. Entrava carregado de jornais e revistas compradas na própria estação de embarque. Ir ao Porto, para além do prazer de estar no Porto, tinha o prazer de lá chegar.

Chamava-lhe o Glenfiddich Express por ser esse o whisky de malte que serviam em garrafinhas pequeninas. Dava-me ao luxo de ser sarcástico porque eu não gosto muito de Glenfiddich.

Os copos eram de vidro pesado e os gin-tónicos e bloody marys eram bem servidos. Chegava-se à Campanhã com uma telha agradável. Três horas a ler e a beber não passam num instante, graças a Deus. E, de volta a Lisboa, havia sempre mais três horas de luxo para amenizar o regresso à realidade.

Quando começaram a dar cabo da CP envergonho-me de dizer que fui o primeiro rato a desembarcar. Bastaram duas viagens desconfortáveis.

Nesta altura miserável é preciso lembrar que o pessoal da CP quando tem condições para trabalhar trabalha muito bem, com brio e amor à camisola, com dedicação e honestidade. Não é o caso de outras empresas públicas que nunca foram exímias. Sabemos do que é capaz a CP.

Sabemos o que acontece quando lhe são tiradas as condições para trabalhar. Bem servida, trabalha bem. Mal servida, trabalha mal. Não se trata dum problema complexo.

É pelos comboios que se julga o espírito de um país, a importância que dá aos transportes públicos, o que está disposto a fazer para ter passageiros contentes, confiantes e bem servidos. Como a CP já teve.

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