A Europa diz que não sai. A Daimler-Benz anuncia a saída

O Médio Oriente continua a ser um barril de pólvora, que os EUA podem dispensar (apesar de Israel) porque já não precisam do seu petróleo, mas do qual a Europa ainda depende. Faltam-lhe os meios para pesar no xadrez.

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1. Os restantes subscritores do acordo nuclear com o Irão, assinado em 2015 depois de anos de negociações, sabiam que, mais tarde ou mais cedo, a saída dos Estados Unidos acabaria por feri-lo de morte. Donald Trump anunciou que abandonava o acordo em Maio deste ano. A sua estratégia para lidar com os “inimigos” da América, que são cada vez mais, é oposta à que levou Obama a negociar o acordo. Declarou-o o “pior acordo jamais negociado pelos EUA”. Quer negociar outro mas nos seus termos: considerando “a totalidade da ameaça iraniana”.

A saída dos EUA condenava inevitavelmente o acordo por duas razões. A primeira, que está hoje diante dos nossos olhos, diz respeito à economia. A reposição parcial das sanções à economia iraniana, que entraram em vigor às zero horas de terça-feira (petróleo e gás chegam em Novembro), são um golpe muito duro na economia iraniana, não tanto porque haja muito investimento americano no Irão, mas porque serão penalizadas as empresas europeias que investiram no Irão desde o acordo.

Trump deu-lhes à escolha: ou saem do Irão ou não farão negócios nos Estados Unidos. A resposta é óbvia, por mais que a Europa tenha anunciado que vai recorrer legalmente contra esta decisão e que vai tentar proteger as suas empresas. Ontem, a Comissão anunciou que não autorizava as empresas europeias a retirar do Irão, sob pena de levá-las à justiça. A resposta não se fez esperar. Exactamente à mesma hora, a Daimler-Benz anunciava que iria sair do Irão.

No fundo, os europeus já sabiam que seria muito difícil. Quando os EUA saíram do acordo, o Presidente francês, Macron, recebeu as multinacionais francesas com grandes investimentos no Irão (entre as quais a Airbus, Total, PSA e Renault), que lhe comunicaram que a sua estratégia era a de saída. As empresas funcionam a longo prazo, disse o Presidente na altura. Apesar de todas as transformações económicas mundiais, a economia americana continua a ser um colosso cujo comportamento afecta o mundo inteiro.

2. A segunda razão é política. Os europeus estavam a tentar negociar um acordo nuclear com o regime de Teerão há quase uma década sem qualquer sucesso. Por razões óbvias. Ninguém, a não ser os EUA, estava em condições de dar a Teerão as garantias políticas que levassem o regime a aceitar correr esse risco. A política de Washington, antes de Obama, era a do “quanto pior melhor”, visando abertamente o derrube do regime. Apenas a garantia firme dos EUA de no regime change abriria a possibilidade de uma negociação. Foi o que Obama fez.

O conselheiro nacional de segurança de Trump, John Bolton, veio dizer que a Administração não quer “mudar o regime”. O regime não acredita. Trump conta ainda com uma situação económica interna no Irão que lhe é favorável. A economia iraniana, mesmo que tivesse começado a recuperar com o fim das sanções, continua em muito mau estado. Agora será pior. Como se viu nas grandes manifestações contra o regime de 2009, há uma classe média educada, que conhece o mundo e que não está disposta a viver eternamente mal.

3. Resta o contexto regional, explosivo, que Trump também está a alterar radicalmente. Quando chegou à Casa Branca, a sua primeira visita ao estrangeiro foi a Riad, para dizer à monarquia saudita que os EUA voltavam a ser um aliado para todas as ocasiões. Quebrou o equilíbrio estratégico que Obama tinha tentado criar entre os países que representam a grande fractura religiosa entre xiitas e sunitas, que lutam pela hegemonia regional: Irão e Arábia Saudita.

Com a guerra na Síria e a intervenção da Rússia, Teerão ganhou força, graças também ao seu ponta-de-lança para a desestabilização regional – o Hezbollah. Riad perdeu em toda a linha. Trump acusa o Irão (aliás, com razão) de financiar o terrorismo. O Médio Oriente continua a ser um barril de pólvora, que os EUA podem dispensar (apesar de Israel) porque já não precisam do seu petróleo, mas do qual a Europa ainda depende. Faltam-lhe os meios para pesar no xadrez.

Fica ainda por saber se as sanções americanas vão acabar por levar o regime a sentar-se de novo à mesa das negociações. Se isso acontecer, o Presidente americano dirá que a sua estratégia do “fogo e fúria”, já testada na Coreia do Norte, está a funcionar. O que acontecer no médio prazo é outra questão.

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