Marcelo promete vigiar descentralização e ameaça com Constitucional

Presidente envia nota ao parlamento dando conta dos seus reparos à lei-quadro da descentralização e da Lei das Finanças Locais e avisando que vai estar atento aos diplomas que a concretizarem, podendo vir a tomar posição diferente da que tomou agora.

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LUSA/ANDRÉ KOSTERS

O Presidente da República promulgou nesta quinta-feira, com avisos, a lei-quadro da descentralização e a Lei das Finanças Locais (LFL), deixando claro que considera que a primeira é demasiado geral e abstracta, pelo que vai analisar com cuidado os diplomas que no futuro a vão concretizar, admitindo tomar sobre eles uma posição diferente da que agora tomou.

“Só o exame cuidadoso, caso a caso, dos diplomas que venham a completar os actuais permitirá avaliar do verdadeiro alcance global do que acaba de ser aprovado. Que o mesmo é dizer, o Presidente da República aguarda, com redobrado empenho, esses outros diplomas e a decisão de hoje não determina, necessariamente, as decisões que sobre eles venham a ser tomadas”, lê-se na longa nota sobre esta lei enviada ao Parlamento em separado.

Marcelo Rebelo de Sousa alerta sobretudo para “a sustentabilidade financeira concreta da transferência para as autarquias locais de atribuições até este momento da Administração Central”, um dos aspectos mais criticados pelos autarcas, e que já motivaram ameaças de pedir a intervenção do Tribunal Constitucional quanto à LFL. O chefe de Estado considera que há mesmo um “inerente risco de essa transferência poder ser lida como mero alijar de responsabilidades do Estado”.

A “preocupação com o não agravamento das desigualdades entre autarquias locais; a exequibilidade do aprovado sem riscos de indefinição, com incidência mediata no rigor das finanças públicas; o não afastamento excessivo e irreversível do Estado de áreas específicas em que seja essencial o seu papel, sobretudo olhando à escala exigida para o sucesso de intervenções públicas” são outros dos pontos a que o chefe de Estado promete estar atento daqui em diante.

O chefe de Estado começa por dizer que os dois diplomas “pretendem dar passos no sentido da descentralização” para os municípios e para as freguesias, “o que é inequivocamente positivo”. E salienta que foram aprovados com “os votos correspondentes a quase dois terços do Parlamento, e, sobretudo, a mais de dois terços da representação autárquica, o que parece traduzir um entendimento muito amplo de regime”. PSD e PS votaram lado a lado, o CDS absteve-se, enquanto BE, PCP, PEV e PAN votaram contra. Tendo em conta o consenso que se estabeleceu entre o PSD e o Governo sobre descentralização que motivou até acordos escritos, mesmo com a contestação de muitos autarcas e até entre os sociais-democratas, as opções de Marcelo Rebelo de Sousa eram muito escassas.

Mesmo assim, Marcelo justifica a sua promulgação pelo facto de a lei “remeter para diplomas complementares facetas importantes da sua efectivação”, o que tornou “muito difícil questionar a sua constitucionalidade”. Fica, portanto, o aviso de que o Tribunal Constitucional pode ser o destino de outros diplomas que venham a concretizar a transferência de competências. Estas serão identificadas e quantificadas financeiramente pela comissão independente cuja criação, proposta também pelo Bloco Central, o Presidente promulgou na quarta-feira.

"Soluções pontuais questionáveis" no alojamento local

Também a lei sobre o alojamento local merece reparos presidenciais. A lei foi promulgada "apesar de soluções pontuais questionáveis e de difícil conjugação de alguns preceitos legais, fruto de equilíbrios complexos", mas também "atendendo ao papel reconhecido às autarquias locais para, mais de perto, lidarem com matéria", e, sobretudo, "ao objectivo urgente de travar excessos susceptíveis de atingir gravemente a vida própria de zonas históricas ou centros urbanos".

No pacote sobre alojamento local que chegou a Belém, Marcelo promulgou duas das três leis e vetou uma, impedindo que se lhe faça qualquer crítica veemente no sentido de que ataca ou defende apenas uma das partes – inquilinos ou senhorios. Por um lado, promulgou no início do mês, por "razões sociais", o diploma que suspende temporariamente (até Março de 2019) os despejos de inquilinos idosos a partir de 65 anos e cidadãos com elevado grau de deficiência. Por outro, vetou na quarta-feira o diploma que alargava o direito de preferência aos inquilinos perante a venda de imóveis em bloco, dando um balão de oxigénio aos proprietários.

A promulgação da lei que permite aos condóminos ter uma palavra a dizer na ocupação de imóveis para alojamento local acaba por proteger sobretudo os proprietários, pois são estes que têm poder de decisão nas assembleias de condomínio.

Mais médicos para o SNS mais depressa

O Presidente da República promulgou ainda outros sete diplomas que lhe chegaram nesta mesma quinta-feira vindos do Parlamento. Uma lei importante para o reforço do Serviço Nacional de Saúde é a que passa a obrigar o Governo a abrir concurso para recrutamento dos médicos internos que concluíram a formação de especialista com aproveitamento no espaço de um mês da homologação dos resultados do internato médico. O projecto do PCP, que pretende evitar os hiatos de quase um ano entre o fim da formação e a abertura de concurso e a consequente fuga de médicos para o estrangeiro ou para o privado, tinha tido o voto contra inicial do PS, mas acabou por ser aprovada por unanimidade no dia 18 de Julho.

À revelia do PS e agora com a promulgação do Presidente, será criado o observatório técnico independente para análise, acompanhamento e avaliação dos incêndios florestais e rurais. A proposta original era do PSD e conseguiu passar com a ajuda da abstenção do BE, PCP e PEV, além do voto a favor do CDS e PAN.

Voto dos emigrantes facilitado

Sublinhando a “importância” do alargamento da possibilidade de voto antecipado para permitir o “maior exercício deste direito pelos cidadãos”, Marcelo promulgou as novas regras das leis eleitorais e do recenseamento dedicadas sobretudo aos emigrantes. 

Os portugueses residentes no estrangeiro passam a poder optar pelo voto presencial ou por correspondência nas eleições legislativas e presidenciais. O seu recenseamento passa ser automático mas é acompanhado da possibilidade de recusa de constar do registo, de forma a respeitar o princípio da voluntariedade. Com esta medida, dos actuais 280 mil recenseados deverá passar-se para 1,375 milhões, de acordo com o “mapeamento” dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro realizado pelas autoridades portuguesas.

O Presidente promulgou também o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação que estavam previstos no Código Civil já desde 1966; o regime das instalações de gases combustíveis nos edifícios, uma proposta do PCP depois de ter pedido a apreciação parlamentar do decreto do Governo sobre o assunto; e a autorização da Assembleia para que o Governo regule o acesso à actividade das instituições de pagamento e instituições de moeda electrónica.

Talvez só no Verão do próximo ano, em vésperas de eleições, o Presidente da República tenha de levar para as férias um número de decretos do Parlamento para analisar que "quase encham um bom jipe", como dizia Cavaco Silva, o anterior inquilino de Belém. Este ano Marcelo Rebelo de Sousa já despachou tudo.

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