Alan Friedlander: “As áreas marinhas protegidas beneficiam as pescas”

É o cientista-chefe dos Mares Prístinos da National Geographic, programa que avalia e ajuda a proteger os últimos lugares ainda intocados dos oceanos.

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O norte-americano Alan Friedlander, o cientista-chefe programa Mares Prístinos da National Geographic, na ilha do Corvo, Açores, em Junho de 2018 Dr
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O norte-americano Alan Friedlander, o cientista-chefe programa Mares Prístinos da National Geographic, na ilha do Faial, Açores, em Junho de 2018 DR

Para o norte-americano Alan Friedlander, esta aventura começou com um convite do espanhol Enric Sala, director dos Mares Prístinos e agora explorador-residente da National Geographic Society. Estava a convidá-lo para uma expedição no Pacífico ainda antes do início deste programa, que seria lançado em 2008.

Desde então houve 25 expedições dos Mares Prístinos – número alcançado numa expedição aos Açores em Junho, em parceria pela (portuguesa) Fundação Oceano Azul. As atenções recaíram nas ilhas das Flores, do Corvo e Pico e em montes submarinos como o Princesa Alice e o Gigante, onde veio a descobrir-se, neste último caso, um campo hidrotermal durante esta campanha. É já a segunda vinda dos Mares Prístinos a Portugal; a estreia foi em Setembro de 2015 às ilhas Selvagens, na Madeira.

Os interesses científicos de Alan Friedlander incidem na conservação marinha e nas áreas marinhas protegidas, na ecologia dos recifes de corais e nas pescas e a sua gestão. Começou aliás a sua carreira a trabalhar na sustentabilidade da pesca em pequena escala no Reino de Tonga, em 1981. Até há cinco anos, este ecólogo marinho de 59 anos era professor na Universidade do Havai. Agora dedica-se a tempo inteiro aos Mares Prístinos.

Esta conversa foi a bordo do Santa Maria Manuela (da Fundação Oceano Azul), um dos navios na expedição aos Açores que juntou 23 cientistas – vários portugueses, incluindo dos Açores – e uma equipa mediática para fazer um documentário com o selo da National Geographic. Alan Friedlander explica por que é que as áreas marinhas protegidas são benéficas para as pescas, diz-nos que os Açores são um lugar icónico e que tinham encontrado “as Selvagens incrivelmente em bom estado”. “Tentamos salvar os últimos locais selvagens dos oceanos.” Ao largo da ilha do Pico, a entrevista, já quase no fim da expedição, teve como banda sonora os risos e as conversas de quem estava no salão de refeições do navio, mais o tilintar de talheres e pratos.

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O navio Santa Maria Manuela Nuno Sá/Fundação Oceano Azul

O que se pretende com um programa como o dos Mares Prístinos da National Geographic?

Estou ligado aos Mares Prístinos ainda antes do seu início. Nessa altura, Enric Sala, o director executivo dos Mares Prístinos, era professor no Instituto Scripps da Universidade da Califórnia em San Diego. Estava interessado em fazer uma expedição às Ilhas da Linha, no Pacífico, que fazem parte de Kiribati, e perguntou-me se eu podia ajudar. No final dos anos 90, início de 2000, eu já tinha feito trabalho no Havai em que comparava as ilhas havaianas habitadas com as ilhas havaianas do Sotavento, onde não há pessoas.

Esse artigo científico foi bastante influente e mostrou quão dramáticos são os efeitos quando há pessoas versus quanto não há pessoas. Ninguém tinha olhado para isto antes. Descobrimos que os locais onde não há pessoas têm quase mais predadores do que presas. Tubarões, lírios, enxaréus, meros e outros grandes predadores são a biomassa dominante em ecossistemas onde não se pesca nem há pessoas. Foi um artigo científico seminal, publicado em 2002 na revista Marine Ecology Progress Series por mim e [Edward] DeMartini.

A expedição às Ilhas da Linha foi de cinco semanas. Fomos a cinco ilhas de Kiribati e a ilhas dos Estados Unidos – ao atol Palmira e ao Recife Kingman. Encontrámos a mesma tendência: onde havia pessoas, a biomassa e a produtividade de peixes eram muito baixas. Onde não havia pessoas – no Recife Kingman e no atol Palmira –, havia tubarões e outros grandes predadores. Isto confirmava o que tínhamos encontrado no Havai.

Pouco tempo depois disso, Enric saiu do Instituto Scripps e tornou-se explorador da National Geographic e, em 2008, começou os Mares Prístinos. E eu ajudei-o com a ciência das expedições. Já fizemos 25, desde o Árctico russo até cabo Horn e todos os oceanos – Atlântico, Pacífico, Índico, Antárctico. Estive em todas as expedições, excepto uma, a que foi às ilhas Tristão da Cunha, no Atlântico Sul, porque estava no cabo Horn. Foi a primeira vez que fizemos duas expedições ao mesmo tempo.

E a tendência é a mesma que tinha sido observada no Havai?

Sim, a tendência é exactamente a mesma. Os locais onde não há pessoas são dominados por grandes predadores – sejam tubarões, lírios e enxaréus nos trópicos ou ursos polares no Árctico. Uma característica dos ecossistemas prístinos é terem uma grande biomassa de grandes predadores. A outra é a presença de “espécies arquitectónicas” – espécies que criam estrutura –, quer seja uma floresta de kelp no Atlântico Sul ao largo da América do Sul, um recife de coral ou até uma comunidade diversa de macroalgas nas ilhas Selvagens, onde trabalhámos [em 2015]. Todas criam uma estrutura tridimensional, que é importante para a biodiversidade.

Embora o Atlântico tenha sido explorado em excesso ao longo dos tempos, encontrámos as Selvagens incrivelmente em bom estado. Publicámos um artigo científico no ano passado na revista PLOS One, com Emanuel [Gonçalves, biólogo do ISPA-Instituto Universitário e membro do conselho de administração da Fundação Oceano Azul], comparando as Selvagens com a ilha da Madeira e os resultados são dramáticos. Os meros eram muito abundantes nas Selvagens e o único local onde os encontrámos na Madeira foi numa área protegida, onde são grandes e valiosos para o turismo, porque as pessoas querem vê-los. Mas era só nesse único sítio. O contraste foi muito claro nas Selvagens, onde vimos grandes lírios, enxaréus, meros… Foi impressionante.

Ainda podemos dizer que as Selvagens são prístinas?

Já não há locais prístinos. A palavra “prístino” é incorrecta. Mesmo em locais remotos do Pacífico Sul, onde não há pessoas, vemos por vezes tubarões com anzóis na boca ou sabemos que houve um passado de pesca. A pegada humana das pescas está por todo o lado. Mas estes locais são relativamente prístinos ou os impactos são relativos. Não devemos iludir-nos de que nenhum local está inalterado pelos humanos, mesmo o mar profundo. No passado, já se pescou nas Selvagens, mas estão incrivelmente em bom estado, especialmente para o Atlântico, e incrivelmente em bom estado em comparação com a Madeira.

Acha que o bom estado das Selvagens é por estarem protegidas numa reserva natural?

Sim, e há guardas da natureza lá. Na Selvagem Grande há pessoas o tempo todo, na Selvagem Pequena é sazonal. O facto de as aves marinhas terem ajudado a proteger aquele local [as cagarras estiveram na origem da criação da reserva natural, em 1971] é uma grande história. Foi uma surpresa.

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Ao fim de 25 expedições programa Mares Prístinos, que balanço faz?

O projecto tem sido fantástico porque potencia muitos recursos diferentes – é sobre ciência e exploração, mas os produtos de media que a National Geographic produz também são incríveis. As imagens são espectaculares. Além disso, temos pessoas para trabalhar as questões políticas. A National Geographic abre muitas portas. Não é como muitas outras ONG centradas numa questão. Somos vistos como neutros, não temos agendas específicas. Tentamos salvar os últimos locais selvagens dos oceanos – através da ciência, media e política, os três pilares. Com os produtos mediáticos conquistamos o coração e, depois, a mente.

Esta combinação entre ciência, media e política tem sido tão eficaz porque reconhecemos que nenhuma é mais importante do que a outra. Fazemos com que as pessoas fiquem inspiradas e depois segue-se a cabeça. Os políticos tomam decisões baseadas na inspiração, mas gostam de ter a fundamentá-las boa ciência. A ciência ajuda a confirmar e a apoiar o processo de decisão. Ajudamos a apoiar políticas, mas não temos um papel directo nas políticas. Não fazemos nós próprios as políticas.

Tentamos publicar artigos científicos na maioria das nossas expedições e fazemo-lo na PLOS One, porque é de acesso livre. Queremos fazer uma edição digital juntando-os todos.

Embora não façam as políticas sobre os oceanos, têm uma visão política. O vosso objectivo político é a criação de mais áreas marinhas protegidas?

Há grandes esforços para a criação de áreas protegidas a nível estadual, regional e nacional por todo o mundo. O que tentamos fazer nos Mares Prístinos é procurar, compreender e ajudar a proteger os últimos locais selvagens nos oceanos. Tipicamente tendem a ser remotos. Mas estamos a ficar sem locais remotos. Por isso, diversificámos o nosso portfólio um pouco. Há alguns anos fomos ao Gabão, que não é realmente prístino. Mas tem alguma da última costa selvagem no leste de África, se é que pode chamar-se “selvagem”. Há elefantes na praia, hipopótamos a deslizar o corpo nas ondas, vemos búfalos na praia e há alguns dos últimos mangais intactos na África ocidental. O Gabão tem petróleo e uma pequena população, mas foi muito activo e reservou 15% da sua terra em áreas protegidas.

Um tipo chamado Mike Fay fez a MegaTransect [expedição iniciada em 1999]: andou a pé durante 18 meses ao longo de partes de África com um grupo de pigmeus e ajudou a documentar toda a vida selvagem. É um explorador da National Geographic e já esteve em várias das nossas expedições. Já tinha ajudado a criar vários parques nacionais em terra no Gabão e perguntou-nos se não queríamos ir lá ajudar a ver se havia potencial para parques marinhos.

Mergulhámos em muitas das plataformas petrolíferas, que são pequenos oásis, têm muitas espécies. São importantes para agregarem peixes. Nas próprias plataformas há esponjas, ostras e cracas. É um recife artificial. Fornecem uma estrutura no meio de um ambiente descaracterizado. As plataformas petrolíferas são interessantes pelo facto se serem alpondras [de vida]. As ilhas de São Tomé e Príncipe têm comunidades de peixes interessantes e são como alpondras entre o Atlântico ocidental e as Caraíbas. Mas essas espécies não aparecem na costa ocidental de África, porque há muitos sedimentos vindos do rio Congo e de uma série de outros grandes rios que desaguam na África ocidental.

Na realidade, ajudámos a criar uma rede de áreas protegidas no Gabão que inclui algumas plataformas petrolíferas e alguns dos parques naturais terrestres existentes chegaram até à linha de água. As empresas petrolíferas querem segurança à sua volta e as pessoas querem lá pescar, porque sabem que há peixe. Novamente, não é prístino, mas ajudamos os esforços que estavam a ser feitos aí. E é um pouco do que estamos a fazer nos Açores.

E o que vieram então fazer numa expedição aos Açores?

Já tínhamos trabalhado nas Selvagens e na ilha da Madeira com Emanuel [em 2015]. E ele e a Fundação Waitt também fizeram uma expedição em 2016 [aos Açores] e tiveram uma óptima experiência. Os Açores são este sítio icónico de que muitas pessoas já ouviram falar. São muito especiais, já o sabíamos antes desta expedição. Há um grupo sólido de cientistas que já trabalhava aqui antes e continuará a trabalhar. Por isso, sabemos que a investigação e a monitorização vão continuar, muitos sítios não têm essa vantagem. Na ausência de informação, não se tomam decisões ou tomam-se más decisões. Na perspectiva dos Mares Prístinos, o que trouxemos foi apoio a esse trabalho. Com os filmes e a nossa cobertura podemos ajudar.

Os Açores não são prístinos, não são remotos e não estão por estudar. Tem sido feito aqui um trabalho fantástico há bastante tempo. Vamos apoiar isso de várias maneiras: trazemos a metodologia científica que usamos, para ajudar a comparar este local com outros locais à volta do mundo. É uma técnica padronizada. Estamos a partilhar ideias e vamos partilhar dados depois desta viagem [ao mar do Corvo, Flores e Pico].

Este grupo de cientistas [dos Açores] também tem trabalhado muito no Faial e em São Jorge. E, com a expedição de 2016 às ilhas de Santa Maria, São Miguel e aos ilhéus das Formigas, o grupo oriental, teremos todo o arquipélago numa fotografia instantânea. As ilhas ocidentais são diferentes, estão numa placa tectónica diferente. Vemos diferenças nas comunidades de algas. Algumas das espécies mais comuns de algas e algas castanhas, típicas da Macaronésia – Açores, Madeira e Canárias – encontram-se por todo os Açores, excepto nas Flores e no Corvo.

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Alan Friedlander na ilha do Corvo, Açores, em Junho de 2018 DR

E isso é intrigante?

Sim, é. Pensamos que é uma das descobertas desta viagem. As algas não se dispersam muito longe. Os esporos das algas ficam na água apenas entre alguns dias a uma semana, enquanto as larvas dos peixes ficam na água entre semanas a meses, para irem à deriva para outros locais.

Qual é a hipótese para a diferença nas algas das Flores e do Corvo?

Estão numa placa tectónica diferente. Mas provavelmente é menos a placa e mais as correntes e porque é um pouco mais frio. Estas são as ilhas mais ocidentais, são ligeiramente diferentes. É uma descoberta interessante. Não é que estes sistemas tenham diferenças fundamentais. Mas há distinção suficiente a que vale a pena dar atenção, especialmente se pensarmos em como gerir o arquipélago. Provavelmente há diferentes influências físicas, biológicas e oceanográficas que afectam o grupo de ilhas ocidental versus os grupos central e oriental. Podemos querer pensar em fazer abordagens mais regionais de gestão. Se são ligeiramente diferentes, quando falamos em redes de áreas marinhas protegidas e pescas, a representação é importante. Se quiséssemos proteger 20% dos Açores, não queríamos que fosse só numa ilha ou num local, queríamos ter a certeza de que havia representantes de vários grupos de ilhas, para termos uma melhor protecção dos ecossistemas.

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Mero nos Açores Manu San Félix/Mares Prístinos da National Geographic

Que outras descobertas fizeram na expedição aos Açores?

Os meros eram muito, muito raros no Pico. Quase nem os vimos. Vimo-los mais nas Flores e na maioria dos nossos mergulhos no Corvo. É pequena, mas o Corvo tem uma área marinha protegida voluntária, que parece estar a proteger a população de meros. É um sinal positivo. Não é uma nova descoberta, primeiro porque as pessoas no Corvo já o sabiam e os colegas açorianos também já o sabiam. Mas pôr isto em contexto com as outras duas ilhas [Flores e Pico] permite-nos olhar para isto e, em vez de dizermos que temos muitos meros no Corvo, dizermos que há uma quantidade razoável de meros mas provavelmente não tantos quanto deviam. Os meros são interessantes, porque vivem muito tempo, 50 anos ou mais, e mudam de sexo quando são grandes. Os grandes são machos.

Outra descoberta é que há uma pressão significativa da pesca pelas ilhas, o que tem sido prejudicial para as populações de peixe. É muito evidente no Pico, vimos muitos aparelhos de pesca.

Em locais à volta das Flores vimos mais peixes e peixes maiores. Em particular, aqueles que são alvo dos pescadores tendem a encontrar áreas da costa mais profundas, um pouco menos acessíveis e que são um refúgio. E vimos alguns sinais de que a protecção é eficaz, como na área protegida do Corvo para os meros.

Baseando-nos em todas as nossas expedições, podemos dizer: agora é a altura de agir! É um período crítico para os Açores, porque as coisas podem correr mal muito depressa, mesmo sem nos apercebermos, especialmente para ilhas pequenas e isoladas. São tão fantásticas mas também frágeis. Quando nos apercebermos pode ser tarde de mais. É muito mais eficaz conservar as coisas do que tentar recuperá-las depois de as danificarmos.

No banco Princesa Alice, onde também mergulharam, observaram destruição?

É difícil de dizer, porque só estivemos lá agora. Mais uma vez, é um instantâneo. Mas está explorado pela pesca, sabemos que não é prístino. Há pressão da pesca ali. A questão é o que se vai fazer em relação a isso. Se a pesca estivesse totalmente fora de questão, isso seria muito impopular. A certa altura terão de se tomar decisões difíceis sobre o que deve ser protegido e onde. A curto prazo será doloroso para algumas pessoas. Mas é crucial que seja feito de forma correcta e que os pescadores e outros utilizadores sejam trazidos para esse processo logo no início. As pessoas não gostam que lhes imponham regras e geralmente ignoram-nas.

Para si, quais são então hoje os grandes perigos e desafios para o oceano?

A pesca em excesso é o que tem a maior pegada global actualmente, seguida da poluição e destruição de habitats, que andam de mãos dadas. A degradação da qualidade da água geralmente está associada a habitats degradados. Depois, há outras coisas mais pequenas, como espécies introduzidas e doenças. O maior problema no futuro vão ser as alterações climáticas. Vão acontecer, independentemente do que fizermos. Mesmo que a população humana parasse de crescer amanhã e parássemos de usar combustíveis fósseis, o clima continuaria a mudar nos próximos 100 anos. Temos de ser capazes de planear isso, mas não temos muito controlo. A melhor maneira de nos prepararmos é minimizar as outras ameaças sobre as quais temos controlo. E o que temos controlo e conseguimos planear a curto prazo são as pescas, o desenvolvimento costeiro, a poluição e a degradação dos habitats.

O que podemos fazer para lidar com essas ameaças?

Todos estes problemas estão associados ao facto de haver pessoas a mais no planeta. O controlo da população é algo de que não gostamos de falar, mas é essencial que o façamos porque os problemas mundiais estão associados a demasiadas pessoas em locais que estão a ser postos sob pressão. Quanto ao controlo da pesca, as áreas marinhas protegidas são provavelmente uma das ferramentas mais eficazes. Mas é também uma ferramenta que polariza. Porque os pescadores vêem-na como uma ferramenta que lhes tira oportunidades de pescar.

Dito isto, as áreas marinhas protegidas beneficiam as pescas. Se forem bem concebidas e aplicadas, dentro das áreas marinhas protegidas teremos mais peixes e maiores. Ao ter peixes grandes nas áreas protegidas, há um benefício duplo não só de proteger a população como de aumentar a quantidade de reprodução que vai para fora das áreas protegidas. Desta maneira também podem beneficiar-se áreas fora das áreas marinhas protegidas. Chama-se o “efeito de derrame”. Os peixes adultos deixam as áreas marinhas protegidas, porque a sua densidade é muito alta, e os pescadores apanham-nos. Muitas vezes vemo-los aglomerados junto às áreas marinhas protegidas a apanhar peixe, porque sabem que estas áreas são eficazes e alguns dos animais são móveis. Mas, na verdade, o maior benefício das áreas marinhas protegidas é a exportação de larvas, a exportação de ovos e de juvenis.

Pode dar exemplos de áreas marinhas protegidas onde os pescadores compreendam isso?

Impedir as pessoas de pescar numa área é uma das medidas mais eficazes, mas também é uma das mais menos aceites pela comunidade. Há outros métodos válidos para gerir as pescas além das áreas marinhas protegidas, como restrições nos aparelhos de pesca, impedindo o uso de diferentes tipos de aparelhos destrutivos. Por exemplo, nos Açores as redes de arrasto são proibidas, o que é muito bom. Não só apanham peixes de forma muito eficiente como destroem os habitats e, uma vez destruídos, os peixes não voltam.

Os pescadores não são adversos às restrições nos aparelhos de pesca, porque lhes permite ao menos pescar. Os pescadores gostam de pescar e escolheram essa profissão por diversas razões – é histórica na sua família e dá-lhes liberdade, para outras pessoas é a única oportunidade que têm devido às condições económicas pobres no país onde vivem. Algumas pessoas nascem pescadores e querem pescar. Há muitos outros tipos de regulações, como tamanhos mínimos [do peixe] e limites do número de licenças atribuídas. A pesca é assunto muito amplo, há de tudo, desde a pesca industrial em larga escala – como navios-fábrica de arrastão – até a um tipo no Pacífico Sul a pescar à linha.

Quais são os planos futuros para o programa Mares Prístinos?

Temos mais uns dois anos e tal de expedições. Estamos em transição, não sabemos bem como vai ser no futuro. No próximo ano, temos várias expedições planeadas. Vamos voltar ao Árctico russo. Talvez voltemos às ilhas Marshall, no Pacífico Sul. E vamos voltar dez anos depois às Ilhas da Linha, ao grupo sul, onde foi a primeira expedição dos Mares Prístinos em 2009. Será a primeira vez que regressamos a um local e será interessante porque houve uma série de fenómenos globais de branqueamento de corais.

Uma das hipóteses é que estes locais remotos, longe das pessoas, são mais resilientes porque não têm os factores de pressão locais, como a pesca e a poluição costeira. Que estes recifes poderão recuperar melhor quando ocorrem esses eventos naturais, que se vão tornar mais frequentes. Os ecossistemas marítimos vão mudar de uma forma fundamental. E haverá vencedores e perdedores. No Árctico russo, que esteve coberto de gelo na maior parte do tempo, as pescas vão começar aí. Devemos aprender com os nossos erros e desenvolver políticas activas de conservação.

O branqueamento de corais deve-se sobretudo à água do mar mais quente por causa das alterações climáticas. Por que resistiram melhor os corais em Kiribati?

Kiribati tem três arquipélagos: as ilhas Gilbert, as ilhas Phoenix e as Ilhas da Linha. E há uma grande questão. A grande diversidade de corais – no chamado “triângulo de corais” – fica na Indonésia, nas Filipinas e Nova Guiné. À medida que nos deslocamos para o Pacífico centro vemos que a diversidade de corais e de peixes é mais baixa. Mas estes locais poderão ser mais resilientes e resistentes e uma hipótese é que podem ter tido estes fenómenos de branqueamento no passado e, por isso, estar mais adaptados. Mas, na realidade, não sabemos.

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Alan Friedlander em Moçambique DR

Mergulhou mais de dez mil horas em 24 expedições dos Mares Prístinos. O que tem de inspirador para nos dizer?

Sim, passei grande parte da minha vida adulta debaixo de água. Na perspectiva dos Mares Prístinos, estes últimos lugares selvagens são inspiradores e tiram-nos o fôlego. Entramos na água e vemos estes animais grandes, vemos estas magníficas florestas de kelp, ursos polares na água e é fantástico. Estamos fora do nosso elemento e parece mesmo que andamos para trás no tempo. Os oceanos eram assim antes de haver as pessoas. Nunca mais voltaremos a isso. Mas precisamos de reconhecer onde estamos em relação aos valores de referência para os gerirmos de forma mais responsável.

A outra mensagem que tiro de todo o meu trabalho no Pacífico nos últimos 35 anos é que os oceanos são muito importantes para as pessoas, mesmo para aquelas que não vivem perto do oceano. O oceano fornece muita biodiversidade que desconhecemos. O mar profundo é literalmente desconhecido. Como estivemos em 20 e tal locais com câmaras de profundidade, estamos a começar a desenvolver uma biblioteca do mar profundo, mas vai demorar décadas. A inspiração é que os oceanos são incrivelmente importantes para as pessoas, para umas numa base quotidiana, para outras menos. Mas, ainda assim, como estão os oceanos é como está o estado do planeta. Temos de ser muito cuidadosos, é o único que temos. Se o estragarmos, vai ser muito difícil repará-lo.

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