Presidente da Assembleia Municipal acusado de tentar coarctar liberdade de expressão

Munícipe Tatiana Moutinho acabou por conseguir intervir na reunião desta noite, mas foi interrompida quando acusou deputado de racismo.

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Miguel Pereira Leite esteve debaixo de fogo da oposição, na assembleia municipal do Porto Manuel Roberto

Vários representantes da oposição na Assembleia Municipal do Porto reagiram com incómodo, e críticas, à forma como o presidente deste órgão, eleito pelo grupo de Rui Moreira, tentou condicionar a intervenção de uma munícipe, no período dedicado ao público. Por causa da discussão gerada por este caso, a reunião que decorreu esta segunda-feira à noite prolongou-se, por mais 40 minutos, já para a madrugada de terça-feira, num debate aceso sobre racismo e sobre liberdade de expressão.

Rui Moreira já não estava na sala quando o episódio se começou a adivinhar. Terminado o período da ordem do dia de uma sessão relativamente calma, e que até começara com um voto de pesar, unânime, pela morte do antigo líder do BE João Semedo, elogiado por todos pela forma recta, frontal e leal com que conduziu o seu percurso político, Miguel Pereira Leite abriu o período do público e chamou a munícipe em causa. Mas, sabendo, de antemão, que Tatiana Moutinho pretendia fazer declarações sobre um deputado da maioria, acusado de racismo por causa de um post do Facebook, tentou impor-lhe condições e balizar a intervenção, em modos que a levaram, inicialmente, a desistir de falar.

Aproveitando o facto de a munícipe se ter identificado como candidata nas listas do Bloco a esta assembleia, num e-mail que esta lhe enviara com questões sobre o caso envolvendo o deputado municipal António Santos Ribeiro, Miguel Pereira Leite chegou a tratá-la, mais do que uma vez, como “sr.ª candidata”. Argumentou, a dado momento, que a cidadã em causa poderia intervir “sobre assuntos de interesse para o município”, mas convidou-a a assumir o lugar de um dos camaradas, numa sessão, para poder fazer uma intervenção “política” sobre a Assembleia Municipal em defesa da qual garantia, como presidente, estar a agir, ao impedir alguém de “insultar qualquer um" dos membros.

Ainda antes de o centrista Raul Almeida, do grupo de Rui Moreira, lhe agradecer o facto de “preservar o estatuto da assembleia”, o líder deste órgão foi interpelado pelo socialista Gustavo Pimenta, que “preocupado, perturbado”, com o que acabara de assistir, o acusou de “exorbitar os seus poderes”, ao tentar condicionar a priori, o teor da intervenção da munícipe. “Não creio que possa ser coarctada a liberdade de se pronunciar”, insistiu, usando uma expressão que viria a ser repetida, minutos depois, pela deputada bloquista Susana Constante Pereira. Que via no episódio “uma preocupante concepção de democracia”.

“O facto de a senhora ter sido candidata não lhe retira direitos. O sr. presidente não esteve bem”, atirou de seguida o comunista Artur Ribeiro, num momento em que Miguel Pereira Leite, depois de insistir na posição inicial, já dizia que a munícipe poderia falar, desde que, insistia, respeitasse a assembleia. Esta voltou a pegar no microfone, mas acabou por ser interrompida e impedida de continuar depois de acusar o deputado António dos Santos Ribeiro – ou David Ribeiro, no Facebook – de racismo e incitamento ao ódio num post sobre romenos, acampados perto de sua casa, que mereceu uma queixa da SOS Racismo.

Espectador atento de tudo isto, em sua própria defesa, o deputado em causa tentou fintar a polémica com uma curta declaração. "Se eu, que até sou adepto do Boavista, disser que um jogador mexicano do FC Porto não joga nada é considerado racismo?" A pergunta não obteve resposta, mas o caso fez o deputado Pedro Baptista levantar-se do “banco” para a intervenção mais exaltada da noite, na qual defendeu o amigo e “grande democrata” e acusou os críticos de preferirem expor o “folclore de preconceitos ideológicos” em vez de se preocuparem com a lixeira que o deputado denunciara e apelarem aos serviços públicos para resolverem o problema.

“Vocês não passam de demagogos e oportunistas”, acusou, inflamado pelo debate, o antigo parlamentar socialista que foi eleito pelo grupo de Rui Moreira e para quem não há problema nenhum em associar a situação em causa a quem a provoca, porque David Ribeiro o faria naturalmente se estivessem em causa “dinamarqueses ou lisboetas”, em vez de romenos, garantiu. A intervenção haveria de merecer, mais tarde, reparos do comunista Artur Ribeiro, que a considerou “absolutamente lamentável” e digna, essa sim, notou, de interrupção por parte de Miguel Pereira Leite.

Perante um estreante deputado substituto do PAN, Ernesto Morais, impressionado com o que ia testemunhando – “a resposta da assembleia não foi digna”, sentenciou – ainda houve tempo para mais algumas trocas azedas de palavras. O deputado bloquista Pedro Lourenço disse-se "envergonhado com a actuação" do líder deste órgão, que tomou a crítica, vinda de quem vinha, "como um elogio". Os apartes entre bancadas ainda continuaram, durante uma outra intervenção de Carla Leitão em defesa de David Ribeiro, e contra quem o acusava, “injustamente”. A sessão acabaria já pelas 00h35 com Miguel Leite Pereira a regozijar-se pelo início das férias. “Em Setembro voltaremos mais tranquilos”, suspirou.

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