BE convoca comissão política para decidir sucessão de Ricardo Robles

Eleito em 2017, representante do Bloco de Esquerda deixa a vereação após a polémica em torno dos investimentos imobiliários em Lisboa.

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O vereador estava sob críticas desde sexta-feira, data que os seus negócios imobiliários foram conhecidos Ricardo Lopes

Ricardo Robles vai deixar o cargo que ocupava na Câmara de Lisboa. A saída do vereador eleito pelo Bloco de Esquerda nas eleições autárquicas de 2017 foi anunciada pelo partido, num comunicado divulgado nesta segunda-feira. O agora ex-vereador explica a decisão com uma "opção privada" que foi "forçada por constrangimentos familiares (...)" e que se revelou "um problema político real", aludindo assim aos investimentos imobiliários em Lisboa. 

Afirmando que considerava estar limitado na intervenção como vereador, Robles comunicou no domingo ao partido que renunciaria ao cargo.

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Durante o fim-de-semana, o prédio de Ricardo Robles em Alfama foi vandalizado Daniel Rocha

Ricardo Robles estava sob pressão desde que na sexta-feira passada O Jornal Económico revelou que o vereador – crítico da especulação imobiliária e dos efeitos da pressão do alojamento local sobre os preços da habitação em Lisboa – tinha ele próprio investimentos imobiliários na capital. Como o PÚBLICO depois revelaria, o edifício em causa tinha sido publicitado pela imobiliária como um bom investimento para alojamento local.

O vereador, em conjunto com a irmã, comprou, em 2014, um velho edifício de três pisos em Alfama, por 347 mil euros. Investiu cerca de 650 mil nas obras de requalificação. No final do ano passado, o edifício foi colocado de novo à venda, agora através de uma imobiliária de luxo e com uma avaliação de 5,7 milhões de euros. Em Abril, o imóvel foi retirado do mercado. Ao Jornal Económico, Robles garantiu que a família mantinha a intenção de vender o prédio, mas na sexta-feira à tarde anunciou que ia, afinal, dividir o edifício em propriedade horizontal e não venderia as suas fracções.

Sendo uma das vozes mais críticas da especulação imobiliária que diz assolar Lisboa, a sua continuidade no executivo municipal, onde detém as pastas da Educação e dos Direitos Sociais, começou a ser questionada. O Bloco de Esquerda, pela voz da sua líder, Catarina Martins, reiterou-lhe o apoio e afirmou mesmo que Ricardo Robles estava a ser alvo de uma “campanha de difamação”. A coordenadora do Bloco de Esquerda defendeu o vereador e afirmou que “fez o que tinha de ser feito” e “nada fez de errado”. 

Na sexta-feira, o PSD Lisboa pediu a demissão do vereador bloquista "por manifesta falta de ética, de seriedade e de credibilidade política para permanecer no cargo de vereador na cidade", mas numa conferência de imprensa ao final dessa tarde, Robles garantiu que se manteria no cargo. Esta segunda-feira recuou na decisão.

O BE e a maioria de Medina

Depois das autárquicas de Outubro passado, Ricardo Robles assinou um acordo de governação com Fernando Medina, que permitiu ao socialista obter a maioria absoluta na câmara lisboeta, mediante um conjunto de condições. Uma das incógnitas sobre a demissão de Robles é se o acordo se mantém e quem será o novo vereador do Bloco. A segunda pessoa na lista do partido é Rita Silva, do colectivo Habita, mas o BE só deverá tomar uma decisão definitiva esta noite, depois de reunida a comissão política.

As críticas de Luís Fazenda

A renúncia de Ricardo Robles acontece no mesmo dia em que o fundador do Bloco de Esquerda Luís Fazenda afirmou que o partido “deve fazer uma reflexão” sobre o assunto, “uma avaliação” e “tirar conclusões”. Actividades imobiliárias como aquelas praticadas por Ricardo Robles “são circunstâncias que, no Bloco de Esquerda, nós condenamos e que levam à gentrificação”, afirmou o antigo líder parlamentar em declarações ao jornal i.

“As avaliações que faremos vão ter em conta as várias opiniões e a forma como este processo foi entendido”, afirmou Luís Fazenda ao jornal i. Para o ex-líder bloquista, o caso do vereador “tem aspectos que carecem de uma análise mais longa e cuidada”.

PSD: "Renúncia retira razão a Catarina Martins"

Em declarações à Lusa, o presidente da concelhia de Lisboa do PSD, Paulo Ribeiro, considerou que a renúncia de Robles retira razão à coordenadora do Bloco de Esquerda, que saiu em defesa do autarca. "A sua demissão vem naturalmente dar razão ao nosso pedido, por manifesta insustentabilidade política que era demonstrada para que o vereador Ricardo Robles pudesse continuar a exercer as funções de vereador na Câmara Municipal de Lisboa"

Paulo Ribeiro apontou também que "o PSD de Lisboa sempre colocou a questão no plano político" e acusou o até agora vereador do BE de "inconsistência e incoerência entre aquilo que foi o seu discurso e a sua intervenção política ao longo destes anos e aquilo que foi a sua acção enquanto cidadão".

Dada a existência de um acordo de governação da cidade firmado entre o PS e o BE, o presidente da concelhia do PSD considerou também que a questão que se coloca agora é "se Fernando Medina [presidente da Câmara de Lisboa] pretende manter o acordo". O acordo atribuiu a Ricardo Robles os pelouros da Educação e Direitos Sociais, e Paulo Ribeiro quer saber ainda se se manterá "a distribuição de pelouros a quem irá substituir o vereador".

"O dossiê não fica aqui fechado, porque ao longo dos últimos dias foram-se levantando também dúvidas e questões sobre o próprio processo de licenciamento do prédio", feito "numa altura em que o vereador era, à data, deputado municipal", sublinhou.

PAN não comenta Robles

André Silva, o deputado único do PAN, prefere não fazer nenhum comentário ao caso Ricardio Robles. Mas nesta segunda-feira à tarde, à saída da audiência com o Presidente da República, notou aos jornalistas que “há várias formas de sanar contradições graves, ou pelo menos que causam bastante incómodo social”. “O BE resolveu reagir desta forma [a renúncia do vereador], ao contrário do que outros partidos normalmente fazem”, sublinhou.

Heloísa Apolónia, dirigente d’Os Verdes, também não quis comentar o caso Robles e a renúncia do vereador da Câmara de Lisboa. “Isso é um problema do Bloco de Esquerda”, disse a deputada, deixando no entanto uma certeza: “Os Verdes continuarão empenhados no combate à especulação imobiliária”.

"Tranquilidade instrínseca" de Jerónimo 

O secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa não queria comentar o caso Robles, mas acabou por fazê-lo. Questionado pelos jornalistas em Belém sobre se casos destes não constituem um risco sistémico para o país, o líder do PCP acabou por comentar de forma indirecta: “Eu tenho esta tranquilidade intrínseca de continuar a fazer política da forma como aprendi, que é servir os interesses do país e não me servir a mim próprio. Tenho esta consciência perfeitamente tranquila”.

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