Decisão de tribunal europeu abre porta a genéricos para VIH e a grande poupança

O medicamento que maiores encargos representa para o Estado, 48 milhões de euros por ano, pode baixar substancialmente de preço em breve, graças a uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.

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Sebastiao Almeida

O preço do medicamento para o tratamento de pessoas infectadas com VIH/sida que representa mais encargos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode vir a descer substancialmente em breve, representando uma poupança significativa para os cofres do Estado. A multinacional farmacêutica Gilead Science, que comercializa o Truvada (nome comercial), um anti-retroviral que é um dos mais usados no mundo no tratamento e também na profilaxia pré-exposição da infecção VIH/sida, pode perder o exclusivo da venda, na sequência de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) conhecida esta semana.

A decisão não terá efeitos imediatos em Portugal. O que o TJUE clarificou foi a "validade do chamado certificado complementar de protecção" (que alarga o período de exclusividade) deste fármaco", que é uma combinação de dois princípios activos distintos (emtricitabina e tenofovir disoproxil), explicou o Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde). Segundo este tribunal, a patente de base que existe abrange apenas o tenofovir disoproxil e, portanto, não cobre a combinação das duas substâncias. Ou seja, a emtricitabina não está abrangida na invenção coberta por patente, especificou o Infarmed.

Este parecer foi apresentado ao tribunal no âmbito de um litígio sobre a validade do certificado (patente) que opõe várias empresas de genéricos à Gilead Science. As empresas em causa são a Teva UK, a Accord Healthcare, a Lupin, a Lupin Europe e a Generics UK, agindo sob o nome comercial Mylan. Caberá agora ao tribunal inglês confirmar esta decisão.

Mas o Infarmed também admite que esta decisão do TJUE pode agora ser utilizada e contribuir para a tomada de decisão em Portugal, onde está em curso uma acção judicial com objectivos similares. Esta decisão, enfatiza, será sempre tomada a nível nacional. O certo é que, a confirmar-se, pode ajudar a poupar muito dinheiro aos vários países que comparticipam na totalidade este medicamento.

Em Portugal, ainda segundo o Infarmed, esta é a substância activa que representa a maior factura nos hospitais no tratamento de doentes com VIH/sida. Em 2017 representou "um encargo de 48,2 milhões de euros, apesar de a despesa ter caído 13,6% face ao ano anterior". Caso a Gilead perca a exclusividade, o potencial de poupança é muito elevado, mas o Infarmed não especifica montantes.

A Gilead contrapôs, em resposta ao PÚBLICO, que a decisão do TJUE sobre a validade dos SPC (supplementary protection certificates) "não é específica" destes certificados do Truvada e que acredita, assim, que estes "são são válidos em todos os Estados membros nos quais foram concedidos". Devem ser os tribunais nacionais onde estes SPC’s foram concedidos "a pronunciar-se sobre a validade dos mesmos", defende ainda, sublinhando que "respeitará, como sempre, as decisões dos tribunais nacionais".

Associações de doentes aplaudem decisão

Quando a notícia foi conhecida, várias associações de doentes no Reino Unido aplaudiram a decisão, que pode abrir a porta à permissão da venda de genéricos do Truvada. As autoridades francesas já tinham chegado a uma conclusão idêntica em Setembro passado, rejeitando a pretensão da Gilead que quis impedir a comercialização de genérico desenvolvido pelo laboratório Mylan. Actualmente, há cinco genéricos disponíveis em França, o que permitiu uma queda acentuada do preço – de 400 euros para cerca de 160 euros. 

O Truvada é usado nos EUA desde 2004 e foi aprovado na Europa em 2005. Além do tratamento de pessoas infectadas com VIH, também começou recentemente a ser usado como medicação preventiva para quem sabe que vai ter relações sexuais de risco – a prevenção pré-exposição.

Há países que já fabricam versões genéricas há algum tempo, como os EUA, o Brasil, o México e a Índia e em Portugal há pacientes que os mandam vir desses países. Cada embalagem, suficiente para um mês se a toma for feita em regime diário, custa cerca de 44 euros, segundo o site All Day Chemist  uma farmácia online a que os utilizadores de PrEP recorrem.

Em Portugal, segundo o Diário de Notícias, desde há dois meses que se comercializa um genérico para o tratamento do VIH, que é 35% mais barato do que original e que, de acordo com a farmacêutica Zentiva, tem já 29% da quota de mercado. A directora-geral da Zentiva Portugal, Ana Falé Lopes, mostrou-se satisfeita com a decisão do tribunal europeu. "É uma grande notícia para todos os doentes que lidam diariamente com este problema uma vez que o preço mais baixo pode alargar a população abrangida pelos tratamentos de VIH."

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