Calçado e têxtil de Portugal tentam aproveitar proteccionismo de Trump

Alguns sectores da indústria tradicional portuguesa estão em Nova Iorque a fazer uma acção de promoção aos produtos portugueses liderada pela APPICAPS, em plena guerra comercial global.

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Reuters/CARLOS BARRIA

A guerra comercial que está a ser protagonizada pela Administração norte-americana pode vir a ser usada em benefício das indústrias portuguesas de vestuário e calçado. Pelo menos, os representantes destes sectores estão apostados nisso, apesar de reconhecerem a imprevisibilidade do presidente dos Estados Unidos. “Está a ser uma guerra cirúrgica. A administração Trump elege os sectores vitais que poderão trazer maiores implicações em cada país, para aumentar as taxas. E a retaliação é igualmente cirúrgica”, começa por analisar Manuel Teixeira, presidente do Cenit - Centro de Inteligência Têxtil.

No caso do sector do calçado praticamente não há indústria para proteger, porque os Estados Unidos importam mais de 95% do calçado que consome anualmente, cerca de 2,5 mil milhões de pares de sapatos - o que dá uma média de 7,5 pares por cada cidadão norte-americano, como contabiliza Matt Priest, presidente da associação de retalhistas de calçado dos Estados Unidos, a FDRA- Footwear Distributors & Retailers of America. A produção dentro de fronteiras fica reduzida praticamente ao calçado militar e muito por questões de patentes.

“Mas Portugal está a fazer um óptimo trabalho de divulgação, prevejo um futuro brilhante. Não acho muito difícil que possa conseguir uma quota de 1% do mercado dos Estados Unidos. Parece pouco, mas imaginem o que isso seria em termos de impacto para a indústria portuguesa”, vaticina.

A produção do calçado vendido nos EUA é praticamente toda feita no Oriente, sobretudo na China. “A produção doméstica nos Estados Unidos não pesa mais do que um terço de toda a produção portuguesa”, ajuda a perceber João Maia, director geral da APPICAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos).

O facto de a administração Trump ter decidido agravar as taxas aos produtos importados da China não tem grande impacto para os portugueses. Mas tem algum: os produtos de marcas portuguesas que são fabricados na China e exportados para os Estados Unidos é que vão passar a sofrer um aumento de taxas de mais 10%, assim que entrar em vigor o segundo pacote de medidas fiscais que foi criado pela administração Trump.

É o caso da Fly London, que tem a particularidade de ser a única marca de calçado portuguesa com uma loja aberta nos Estados Unidos, mais concretamente no bairro do Soho, em Nova Iorque. O agravamento das taxas vai afectar algumas carteiras sintéticas que a marca portuguesa manda fabricar na China. “De resto, todo o calçado e todas as carteiras em pele são fabricadas em Portugal e não vão sofrer com este aumento de impostos”, confirma Amílcar Monteiro, da Fly London.

Porém, mais do que uma ameaça, este aumento de taxas à China pode trazer uma oportunidade à indústria portuguesa, sobretudo nesse segmento do private label (marcas de terceiros) e da subcontratação. Em termos de marcas de terceiros, o posicionamento da indústria lusa tem sido apostar em produtos de maior valor e que não concorrem directamente com aqueles que são tipicamente produzidos na China.

Esta terça-feira, e numa sala alugada dentro do edifício da Bolsa de Nova Iorque, em Wall Street, o director geral da APPICAPS dirigiu-se a 140 comerciantes e retalhistas dos Estados Unidos, convidados pela FDRA, para lhes explicar as características e as qualidades do sector do calçado em Portugal. Trata-se de uma oportunidade para sublinhar “que Portugal é um país viável, que tem muita competência instalada para acomodar a flexibilidade de prazos que é precisa, para além que produz e incorpora as tendências de moda da Europa e que são muito valorizadas pelo mercado norte-americano”, sintetiza.

São características que o mercado reconhece, concede Delemar Rodrigues, um importador de origem brasileira que trabalha com algumas das principais marcas de vestuário de reputação internacional, como a Banana Republic ou Tom Ford, em Nova Iorque há mais de 20 anos. Vai muitas vezes a Portugal, comprar tecidos e subcontratar a confecção de produtos acabados, e sabe o que os clientes procuram. “Se é muito importante para os nossos consumidores encontrar uma etiqueta ‘made in Italy’ é igualmente importante uma a dizer ‘made in Portugal’. E não é apenas porque é um país da Europa. É porque é um país onde há tradição, e sobretudo muita qualidade e preço muito acessível”, afirma.

Kristina Stuckenbrock, representante da marca norte-americana Robert Talbott (vestuário masculino de gama muito elevada) também sublinha “o valor e a qualidade do produto” como as razões que levam a sua marca a gostar de trabalhar com empresas portuguesas. “Como empresa que vende produtos de luxo, e que produz mais em qualidade do que em quantidade, apreciamos o facto de Portugal ser muito flexível nas encomendas mínimas que exige, executa os trabalhos com grande qualidade e a preços muito acessíveis. Isso torna o nosso produto no mercado muito mais competitivo”, argumenta. Kristina diz não ter dúvidas em classificar Portugal como o país onde há melhor indústria para encomendar confecção. “Já trabalhei com o Oriente, já trabalhei com a Itália. A relação qualidade-preço e a flexibilidade em arranjar resposta para as nossas solicitações torna Portugal o melhor mercado, sem dúvida.”

Manuel Teixeira, do Cenit, diz que a posição do mercado norte-americano na tabela das exportações nacionais ainda se escreve com dois dígitos, pelo que está longe dos lugares cimeiros. Mas recorda que os Estados Unidos são o primeiro mercado não europeu e que a aposta é para continuar. Os sectores nacionais do vestuário e calçado exportam cerca de seis mil milhões de euros por ano. Nos primeiros cinco meses de 2018, as exportações têxteis para os Estados Unidos caíram 4% para 114 milhões de euros. No sector do calçado, cujas quebras no mercado norte-americano se registam há dois anos consecutivos, as exportações portuguesas atingiram 70 milhões de euros em 2017. Mas Luís Onofre, presidente da APICCAPS acredita que elas poderão ser “duplicadas nos próximos anos”.

a jornalista viajou a convite da APICCAPS

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