É bom ter um furo

Ter um furo passou a ser uma trivialidade, como sacudir areia dos pés – mas mais rápido, mais completo e infinitamente mais satisfatório.

Há coisas que melhoram tanto que merecem ser festejadas. As mais impressionantes são as que nós desconhecíamos.

Há um pneu que está a perder pressão. Levo o carro ao Michelangelo dos pneus: Miguel Angelo Dinis, na estrada que vai da Praia Grande para Almoçageme. Sabem tudo o que há a saber sobre pneus e quase sempre resolvem tudo enquanto se espera: uma maravilha.

Dizem-me logo: é um furo. Nem sequer tenho tempo de pensar se tenho pneu sobressalente ou de praguejar um ror de palavrões. O mecânico arranca o prego, enfia uma chave no furo para alargar a borracha e num nano-ápice enfia lá para dentro umas farripas de borracha que selam completamente o pneu.

Passaram-se quando muito dois minutos – e o carro está pronto para andar. Não é um remendo. O selo é reforçado pela dilatação que acontece naturalmente com o aquecimento dos pneus. Ou seja: é andando mais com o carro que o pneu fica tão bom como novo.

Fico sem palavras. O mecânico está habituado a esta reacção e diz operaticamente: “É a melhor invenção de sempre!” E é. A memória de macacos, de porcas, de máquinas diabólicas e câmaras de ar debaixo de água para detectar os furinhos deve agora ser preservada para que os museus do futuro possam recordar os tempos selvagens em que um furo atrasava a vida e saía caro.

Seguimos caminho em silêncio, o pneu a aperfeiçoar-se sozinho, enquanto rolávamos. Ter um furo passou a ser uma trivialidade, como sacudir areia dos pés – mas mais rápido, mais completo e infinitamente mais satisfatório.

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