Trump diz que se expressou mal e que Rússia pode ter manipulado eleições

Presidente norte-americano obrigado a um recuo espectacular face à gigantesca onda de rejeição provocada pelas suas declarações em que pôs em causa agências de informação, FBI e justiça dos EUA

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Trump diz que se expressou mal Leah Millis/REUTERS

Face à vaga gigante de contestação da sua prestação na cimeira com Vladimir Putin, Donald Trump deu verdadeiro salto mortal à retaguarda verbal. Disse que se enganou a falar, quando foi interrogado sobre se achava que a Rússia tinha interferido nas eleições de 2016. “Numa frase fundamental nas minhas declarações, disse a palavra devia em vez não devia. A frase devia ser ‘não vejo motivos para que NÃO tenha sido a Rússia. Uma espécie de dupla negativa. Acho que isto clarifica as coisas”, disse em declarações aos jornalistas, e no Twitter, antes de se reunir com membros do Congresso, para dar explicações sobre o conteúdo da sua reunião — a sós — com o Presidente russo.

É uma explicação que soa a desespero, depois de um dia em que se multiplicaram comentários a descrever o Presidente dos EUA a rastejar”, “suplicar” ou tendo-se “humilhado” e “rebaixado” perante o Presidente russo na conferência de imprensa que se seguiu à cimeira, na qual o governante norte-americano defendeu que Moscovo não tinha interesse em interferir nas eleições que o levaram à presidência dos EUA. A sua prestação, disse o New York Times, trouxe uma nova palavra para o léxico dos críticos do Presidente, e até mesmo alguns dos seus aliados: “traição”.

“Trump projectou fraqueza”, que se tornou “uma vergonha pessoal e nacional”, editorializou o Wall Street Journal, a pérola da imprensa de Rupert Murdoch, um empresário com interesses alinhados com os de Trump.

O Presidente, no entanto, parecia surpreendido pela reacção que suscitou. “Tive uma óptima reunião na NATO, consegui imenso dinheiro, e tive uma reunião ainda melhor com Vladimir Putin. Infelizmente, não está a ser noticiado assim. As fake news estão numa loucura!”, tweetou Trump a meio da manhã, hora de Washington. Até o ex-speaker conservador da Câmara dos Representantes Newt Gingrich, que fez parte da equipa de transição do poder de Trump, comentou que a prestação de Trump “foi o erro mais grave da sua presidência”.

As figuras mais destacadas do Partido Republicano esforçaram-se por se distanciarem de Trump. Mitch McConnell, o líder da maioria no Senado, sugeriu que podem ser decididas novas sanções contra a Rússia, que os EUA valorizam a NATO e os aliados europeus. “Os russos têm de perceber que muitos de nós compreendem o que aconteceu em 2016 e que é melhor que não aconteça outra vez em 2018 [nas eleições intercalares de Novembro].”

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Manifestação junto à Casa Branca Yuri Gripas/REUTERS

Alertas de Obama

O único claro defensor de Donald Trump foi o senador Rand Paul, um libertário que se levanta contra o excessivo poder do Estado — e das agências de informação e de espionagem, das quais o próprio Presidente dá claros sinais de desconfiar. Trump agradeceu-lhe com um tweet.

Mas a gravidade da situação terá começado a firmar-se no espírito do Presidente — de forma a levá-lo a fazer esta grande pirueta de auto-justificação, quando os democratas gritavam “traição”, um mote retomado pelo tablóide New York Daily News, e por Stephen Colbert e Jimmy Fallon nos seus programas na noite de segunda-feira.

Barack Obama, que discursou na África do Sul, numa cerimónia que assinalava o centenário do nascimento do Presidente Nelson Mandela, evocou indirectamente o assunto. Criticou a tendência “para os homens fortes na política” actual. “As eleições e uma certa aparência de democracia mantêm-se, mas os que estão no poder sabotam todas as instituições ou normas que dão significado à democracia”, alertou o anterior Presidente norte-americano.

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