O que fica deste Mundial da Rússia

Um mês depois do início do 21.º Campeonato do Mundo de futebol termina uma das competições mais mediáticas do planeta.

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A França venceu o Mundial na Rússia Reuters/MICHAEL DALDER

O campeão do mundo anterior caiu ainda na fase de grupos (Alemanha), o campeão da Europa ficou-se pelos oitavos-de-final (Portugal), o continente africano não conseguiu apurar nenhuma selecção para a fase a eliminar e a final foi um duelo inédito com um dos marcadores mais expressivos da história da competição (4-2). Um Mundial tão “estranho” deixou marcas e apontamos dez.

Um dos melhores de sempre?

O entusiasmo do momento é propício a declarações exageradas. Ninguém poderá em consciência estabelecer uma hierarquia dos Campeonatos do Mundo, que desde a estreia, há 88 anos, até esta 21.ª edição, realizada na Rússia, já nos brindou com momentos inolvidáveis. Ainda assim, e mesmo antes de jogar-se a final de Moscovo, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, não hesitou: “Durante alguns anos eu dizia que este seria o melhor Mundial de sempre, agora posso dizê-lo com ainda mais convicção”. “A Rússia mudou, tornou-se um verdadeiro país futebolístico. Tivemos 98% de ocupação dos estádios, um milhão de adeptos estrangeiros veio até cá”, acrescentou Infantino. É verdade que os estádios estiveram cheios, o ambiente foi positivo e os receios de violência não se confirmaram. O entusiasmo da FIFA promete não esmorecer, e na agenda já está a discussão do alargamento para 48 equipas e a eventual aplicação dessa medida já no Qatar 2022.

Glória à França

Passados 20 anos sobre o Mundial que organizou e venceu em casa, a França recuperou o trono graças ao talento de uma geração notável. Mbappé confirmou que é um fora-de-série e deixou toda a gente com vontade de ver mais dele no futuro – assim como de muitos dos seus companheiros, que ainda estarão bem dentro do “prazo” em 2022. Esta é uma selecção com grandes probabilidades de manter-se junta daqui a quatro anos: de entre as primeiras opções, talvez só Giroud (faz 32 anos em Setembro) não jogue o próximo Mundial. Griezmann está com 27 anos, tal como N'Golo Kanté. Pogba e Varane somam 25 anos. E mesmo Lloris, que completará 32 anos em Dezembro mostrou-se em absoluto estado de graça na Rússia e não pode ser riscado das hipóteses para daqui a quatro anos.

Uma finalista inédita

Por todos os motivos menos um, este foi um Mundial para a Croácia recordar e acarinhar. Estreou-se numa final e só faltou erguer o troféu, embora a equipa de Zlatko Dalic não tenha conseguido contrariar a França. Mas, naquela que poderá ter sido a despedida de Mundiais para Subasic (33 anos), Modric (32) e Mandzukic (32), os croatas obtiveram a melhor classificação de sempre, superando o terceiro lugar de 1998. Mas não é só a medalha de finalista vencida que a selecção da Croácia leva da Rússia: também pode envergar na lapela a fase de grupos 100% vitoriosa – e que incluiu um brilhante triunfo sobre a Argentina – e a forma como superou, nos penáltis, a anfitriã Rússia (nos quartos-de-final), e, no prolongamento, a Inglaterra (nas meias-finais).

Videoárbitro atento

O Mundial 2018 ficou marcado pela estreia do videoárbitro, que, embora não tenha ficado isento de erros, deu um contributo importante para impedir enganos clamorosos. Não evitou que a Espanha marcasse contra Portugal num lance em que Diego Costa derrubou Pepe, ou que tivesse ficado por marcar um penálti a favor do Brasil na partida dos quartos-de-final contra a Bélgica, por exemplo. Mas ajudou a corrigir muitas outras decisões e, segundo o presidente da FIFA, Gianni Infantino, também foi decisivo para reduzir o jogo perigoso e o número de cartões vermelhos. “Todos sabem que, faças o que fizeres, uma das 30 e tal câmaras vão detectar e serás expulso. O videoárbitro não está a mudar o futebol, está a limpar o futebol. Já é difícil conceber o Mundial sem videoárbitro, tornou-se uma competição mais justa”, sublinhou. E até na final fez o seu aparecimento, sendo decisivo para que o árbitro assinalasse um penálti favorável à França.

O peso das bolas paradas

Os recordes anteriores foram pulverizados: na Rússia houve mais golos na sequência de lances de bola parada do que em qualquer edição anterior do Campeonato do Mundo. O melhor registo datava do França 1998, quando se marcaram 62 golos dessa forma, mas no Mundial 2018 foram 71. “Fáceis de treinar, difíceis de defender”, assim resumia a FIFA, com Andy Roxburgh do grupo de estudos técnicos, a estabelecer uma comparação elucidativa: “Na Liga dos Campeões da última época 45 pontapés de canto resultaram em golo. Aqui no Mundial foram 30. Isto mostra eficácia”. E o facto de o videoárbitro estar atento ao que se passa na área também ajuda, com um recorde de 29 penáltis assinalados (dos quais 22 foram cobrados com sucesso).

As revelações

Tudo bem que Kylian Mbappé marcou presença na final do Mundial – e sagrou-se campeão – ainda adolescente, mas honestamente alguém ficou surpreendido com o talento do prodígio francês? As revelações foram aqueles jogadores menos óbvios, de quem pouco se esperava e que não atraíam os holofotes. Benjamin Pavard, por exemplo: o lateral direito do Estugarda, com 22 anos, foi uma das surpresas na convocatória francesa mas retribuiu a confiança de Didier Deschamps com belas exibições e um golo portentoso frente à Argentina. Outro nome que entrou no radar internacional foi Jordan Pickford, que chegou à Rússia com apenas três internacionalizações no currículo, mas venceu os cépticos e destacou-se na caminhada da Inglaterra até às meias-finais. A baliza inglesa tem guarda-redes para muitos anos.

Os eclipsados

Pelo contrário, havia aqueles jogadores para quem toda a gente olhava mas que pouco brilho tiveram no Mundial. Neymar, por exemplo, foi duramente criticado pelo tempo que passou no chão: “Fez [a camisola da selecção brasileira] rolar no ponto mais baixo, no chão, na grama, na lama do anedotário mundial”, escreveu Juca Kfouri, colunista da Folha de S. Paulo. Numa Argentina que arriscou ficar pelo caminho logo na fase de grupos, Messi andou longe de deslumbrar. E, excepção feita à portentosa exibição no jogo de estreia na Rússia, com hat-trick frente à Espanha, Cristiano Ronaldo também esteve relativamente discreto. Quem mais podia ter feito melhor na Rússia? David De Gea, por exemplo – o guarda-redes espanhol teve um torneio para esquecer. Tal como Robert Lewandowski, que regressou a casa no fim da fase de grupos e sem qualquer golo marcado.

Os “quartos” da Europa

No dia 6 de Julho o Mundial 2018 passou a ser o Euro 2018: concluídos os dois primeiros jogos dos quartos-de-final, as duas únicas selecções de fora do continente europeu estavam eliminadas. Uruguai e Brasil caíram perante França e Bélgica, respectivamente, sendo que nas restantes eliminatórias havia duelos entre selecções europeias. A hegemonia da Europa este Mundial permitiu que, pela terceira vez nas últimas quatro edições do Campeonato do Mundo, a final fosse disputada entre duas selecções do continente (tal como em 2006 e 2010). Em sentido inverso, a confederação sul-americana não teve um representante no jogo do título pela terceira vez em quatro Mundiais – a excepção foi 2014, e mesmo assim a Argentina perdeu.

Pouco Portugal

Campeã europeia em título, a selecção portuguesa teve na Rússia uma fase de grupos assim-assim. O futebol que chegou para o Euro 2016 não foi suficiente para o Mundial 2018 e, nos oitavos-de-final, a equipa de Fernando Santos caiu perante o Uruguai (apesar de ter feito nesse dia a melhor exibição na prova). Portugal terminou este Campeonato do Mundo no 13.º lugar, melhor do que a de 2014 (18.º) mas pior do que a de 2010 (11.º). O adeus à Rússia terá significado, também, a despedida para alguns dos internacionais portugueses – Bruno Alves completa 37 anos em Novembro, Beto está com 36, Pepe com 35, a mesma idade que Ricardo Quaresma fará em Setembro e José Fonte em Dezembro. A necessária renovação não pode continuar adiada.

Ainda menos Alemanha

“São 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha”... excepto quando não ganha. Campeã mundial em título, a selecção alemã desiludiu na Rússia e viveu uma humilhante eliminação logo na fase de grupos, saindo em último lugar do grupo. Vai seguir-se uma travessia no deserto e a correspondente reconstrução de uma equipa que era a imagem da fiabilidade. Uma coisa é certa: Joachim Löw vai continuar ao leme da Mannschaft, com confiança reafirmada pela federação alemã de futebol. Conseguirá aproveitar esta segunda vida e reinventar a selecção?

O caminho até casa

Os adeptos empolgados já usavam como hino o refrão de “Three Lions”, a música lançada a propósito da participação de Inglaterra no Euro 1996, organizado pela própria: “It’s coming home, it’s coming home, it’s coming, football’s coming home”, em alusão ao regresso do troféu à pátria que reclama para si os louros pela invenção do futebol. No Mundial 2018 a Inglaterra voltou a sonhar, livrou-se do espectro da desilusão e até conseguiu contrariar a história e obter o feito de vencer um desempate por grandes penalidades (nos oitavos-de-final, contra a Colômbia). Gareth Southgate parece ser o homem certo no lugar certo, e tem à sua disposição qualidade e juventude a rodos. É uma história a acompanhar com atenção nos próximos anos.

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