BE, PCP e PEV querem pôr fim à gestão privada de cantinas escolares

Esta quarta-feira discutem-se no Parlamento 14 projectos de lei sobre cantinas e alimentação nas escolas. PCP, PEV e BE querem regresso a gestão pública das cantinas. Proposta não é consensual, nem nas escolas nem nos partidos.

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No último trimestre do ano passado as cantinas estiveram no centro do debate público. O país discutiu a qualidade da alimentação que está a ser dada aos alunos de escolas públicas. Imagens de frango cru e de uma lagarta em alface circularam nas redes sociais. Questionou-se a concessão das cantinas a empresas privadas. Só nos primeiros meses deste ano, a ASAE (Autoridade da Segurança Alimentar e Económica) fechou duas cantinas.

Esta semana, a 18 de Julho, e em vésperas de ir para férias, o Parlamento discute 14 projectos de lei, essencialmente da esquerda, sobre cantinas e alimentação nas escolas. As propostas passam por medidas como a proibição de distribuir leite achocolatado às crianças ou o regresso à gestão pública dos refeitórios.

O PÚBLICO voltou à Escola Secundária de Fonseca Benevides, em Lisboa (Alcântara), oito meses depois de a ter visitado. Na altura, poucos alunos almoçavam a refeição fornecida pela cantina, muitos traziam marmitas de casa. Agora, em pleno período de férias, a cantina está encerrada: apenas o bar funciona com um par de visitantes.

João Santos, o director da Escola que fez da alimentação um dos grandes pilares do seu mandato, abre a porta do seu escritório e explica o que mudou: “Tivemos que tomar atitudes, formalizar queixas junto” da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE).

O director tinha criticado a qualidade das refeições fornecidas pela Uniself, a empresa que gere metade do número total das cantinas do Ministério da Educação – das 1148 do 2.º e 3.º ciclo e ensino secundário que estão sob responsabilidade do ME, a maioria (776) tem gestão adjudicada a empresas. Continua: “Parece-me que houve uma acção mais concertada da DGEstE. Esteve aqui na escola um responsável da Uniself e a DGEstE fez uma auditoria. A empresa trocou pessoal e corrigiu algumas das práticas que não estavam de acordo com o caderno de encargos. Isto resultou”, comenta.

Foi no final do segundo período. No terceiro, os alunos regressaram à cantina e a escola recuperou os que tinha perdido de um ano para o outro. Serviam 200 refeições por dia, tinham passado a servir 100 e recuperaram “entre 80 a 90%”. “Há miúdos que já não voltam”, lamenta.

O que mudou? O almoço começou “a ser bom”. Trocaram de cozinheira e o fornecimento de frescos mudou: “Traziam, imagine alface, uma vez por semana; passou a ser duas vezes, como define o caderno de encargos.”

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A mudança, porém, aconteceu com esforço, “quase tipo padeira de Aljubarrota, porque é preciso fazer barulho e alvitrar outro tipo de meios”, sublinha.  

As escolas geridas pelo Ministério da Educação têm uma ementa pré-definida para o ano lectivo inteiro. Elaborada pela DGEstE, com supervisão de nutricionistas, a ementa define combinações de ingredientes. Há oito meses João Santos dizia que era “preciso fazer de polícia todos os dias” e referia que os produtos servidos eram “de má qualidade”, “tentam não respeitar as quantidades”. “É suposto servir-se vitela e servem chambão, a parte pior”, queixava-se.

Comida também é educação

Um dos argumentos de quem defende o modelo público é o facto de a Educação não se cingir apenas às aulas, mas incluir a alimentação. Esse é um dos motivos que leva o PEV e o BE, por exemplo, a defender o regresso às cantinas públicas.

Heloísa Apolónia, do PEV, afirma ao PÚBLICO que “não aceita a procura de desresponsabilização dos directores de escola numa matéria como esta”.

A bloquista Joana Mortágua refere que o problema da qualidade da comida das cantinas, e a consequente concessão da sua gestão a empresas, está ligada ao “desinvestimento na escola pública como um todo" que tem vindo a ser feito.

“Isto ficou exposto com gravidade quando vieram as notícias sobre a pouca qualidade e quantidade da comida nas cantinas. As empresas competem pelos preços e por isso ganha o que tiver o preço de refeição mais baixo, mas à custa do que os miúdos comem”.

Heloísa Apolónia conta que, nas escolas onde vão, dizem-lhes que a “partir do momento em que as cantinas foram concessionadas a privados é unânime que a qualidade das refeições decresceu”. Uma das medidas que o PEV sugere é que as empresas que violem os cadernos de encargos não possam voltar a ter a concessão da cantina onde isso aconteceu.

Por outro lado, Joana Mortágua acredita que, quanto mais tempo passar, mais difícil será as escolas “recuperarem” os refeitórios – e que deveria ser possível contratar pessoal quando o refeitório é de gestão directa. “As escolas que conseguiram manter a gestão falam das vantagens porque têm controlo em relação àquilo que servem. Olham para as cantinas como parte da escola, a alimentação é gerida com orientação pedagógica. Ensinar a comer faz parte da educação”, afirma.

Heloísa Apolónia acredita, por outro lado, que “quando a refeição é preparada na escola, até por uma razão de proximidade, o cuidado é outro”. O PEV quer que o Governo prepare um plano “progressivo” para a gestão pública. “Continua a haver no país crianças para quem a única refeição decente é na escola”. 

"Não quero dirigir uma cozinha"

Mas a ideia não é consensual. Ao director da Benevides, João Santos, não agrada a hipótese de vir a gerir a cantina. “Não temos pessoal para isso. Não tenho o pessoal que deveria ter nesta circunstância, quanto mais. A escola é uma máquina de tal forma burocrática – de procedimentos, tabelas, revisões curriculares – que essa é mais uma de 500 mil coisas que caem para cima de nós, directores. Concordo que esteja uma empresa, que se faça a gestão e que as coisas funcionem bem: quando não funcionam, acciona-se o sistema. Eu não quero gerir uma cozinha, quero dirigir uma escola. Também não vou gerir ares condicionados”.

Opinião diferente tem Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). A sua cantina, de gestão directa, do agrupamento de Escolas de Cinfães, tem uma avaliação “altamente positiva” da parte dos alunos e professores. Consegue definir ementas ajustadas ao gosto dos alunos. Para este director, “a gestão da cantina também é um instrumento da gestão do agrupamento”. Concorda com as propostas dos partidos da esquerda: “Faz todo o sentido que as escolas tenham essa responsabilidade. A prova está que a grande parte das queixas vem de cantinas que estão concessionadas.” Gerir uma cantina “dá trabalho, mas é um trabalho que compensa”, conclui.

Entre os partidos que apresentam propostas sobre as cantinas, o PAN não definiu o seu sentido de voto nesta matéria: não vai votar contra, pode é abster-se, diz o deputado André Silva. Isto porque também tem recebido informação que há escolas que têm gestão directa de cantinas onde “a qualidade das refeições não é a melhor”. “O importante para nós é a fiscalização das refeições, a qualidade e quantidade. Em todos os serviços do Estado, se houver boa fiscalização temos serviços prestados de boa qualidade.”

Contactado a pronunciar-se sobre a possibilidade da gestão pública das cantinas, o Ministério da Educação não comenta. Lembra que este ano foi criado o Plano Integrado de Controlo da Qualidade e Quantidade das Refeições Servidas nos Estabelecimentos de Educação e Ensino Públicos, para assegurar a qualidade e a quantidade das refeições escolares, e foi também publicado o relatório de avaliação do funcionamento das cantinas e refeitórios concessionados a privados que deu nota de “bom” em todos os itens avaliados. Em mais de 25 milhões de refeições servidas nas cantinas e refeitórios das escolas públicas do país, registaram-se 854 reclamações.

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