Número de detidos ligados a gangs de motociclistas subiu para 58

Investiga-se luta pelo controlo de negócios de tráfico de droga e armas, bem como de negócios ligados à segurança privada.

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REUTERS/Michael Kooren / Arquivo

A guerra entre os grupos de motociclistas Hells Angels e Los Bandidos, este último ligado ao ex-líder de extrema-direita Mário Machado, está na origem da operação que a Polícia Judiciária tem em curso nesta quarta-feira de manhã. Segundo o PÚBLICO apurou junto de fonte da PJ, o número de detidos subiu para 58. 

Cinco são estrangeiros que vivem em Portugal: três alemães, um inglês e um finlandês. E há elementos de corpos de segurança privada entre eles. Foram ainda emitidos dois mandados de captura internacional para dois estrangeiros que vivem em Portugal, mas não estão neste momento no país.

A rivalidade entre os dois gangs já deu origem a mais de uma tentativa de homicídio e radica na luta pelo controlo de negócios de tráfico de droga e armas, bem como de negócios ligados à segurança privada, nomeadamente de festas de motards, apurou o PÚBLICO. 

Tanto os Hells Angels como Los Bandidos são grupos internacionais rivais. Recentemente este último instalou em Portugal uma filial – este tipo de ramos da organização principal assumem o nome de charters – chamada Red & Gold, à frente da qual ficou Mário Machado, que entretanto se tornou candidato à liderança da Juve Leo.

A disputa pelo controlo de alguns sectores da criminalidade organizada teve já um episódio conhecido em Março passado, quando uma rixa num restaurante do Prior Velho, em Loures, fez seis feridos, três dos quais graves. Munidos de armas brancas, mas também de tacos de basebol, os Hells Angels espancaram membros dos Red & Gold. No final, Mário Machado – que já cumpriu dez anos de cadeia por roubo, sequestro e outros crimes graves – ameaçava retaliar: “Ninguém me demoverá dos meus objectivos. Isto foi uma festa, agora vamos para intervalo." 

Para a coordenadora de investigação criminal da Unidade de Contra Terrorismo da Judiciária, Manuela Santos, este episódio marcou um ponto de viragem: "foi a primeira vez" que um grupo criminoso com cerca de uma centena de indivíduos se juntou para "eliminar a concorrência", explicou, numa conferência de imprensa realizada esta tarde. "Há aqui o envolvimento de outros Hells  Angels espalhados pela Europa”, detalhou. 

Na altura a PSP deteve quatro elementos conotados com o grupo Hells Angels e apreendeu diversas armas ilegais. Nessa acção policial foram feitas buscas domiciliárias e apreendidas uma pistola-metralhadora de calibre 9 mm (fabrico americano), uma pistola 7,65 mm, um revólver 38 mm e uma pistola 6,35 mm, bem como soqueiras, facas, machados e centenas de munições.

Nascidos na Califórnia há 70 anos, os Hells Angels desde cedo se fizeram notar pelas suas actividades à margem da lei, tendo sido proibidos nos últimos anos em vários estados da Alemanha. Segundo o próprio site dos Hells Angels, o grupo diz estar presente nos cinco continentes, mais concretamente em 56 países, onde existem 463 filiais. Em Portugal há cinco charters, o mais antigo dos quais localizado em Lisboa, desde 2002. Há ainda filiais no Algarve, na Margem Sul, no Porto e um segundo na Grande Lisboa. 

No âmbito de um mestrado na Universidade de Lisboa, o capitão da GNR, Edgar Palma, fez um trabalho sobre os Hells Angels onde diz que este grupo tem uma estrutura bem definida e hierarquizada, que praticamente só admite homens caucasianos com motas Harley Davidson. O lugar que cada um ocupa nas colunas quando se deslocam é rígido e representativo da sua posição na hierarquia do grupo. O principal símbolo é uma caveira voadora, cuja patente se encontra registada. E é de tal forma importante que quando um membro o tatua no corpo e depois é expulso do grupo, o símbolo tem que ser removido. "Usualmente [as tatuagens] são retiradas pela força, quer através de uma faca, quer através de um ferro em brasa", escreve Edgar Palma, no trabalho datado de Novembro de 2015. 

A Europol, refere Edgar Palma, considera a mera abertura de filiais em territórios de outros clubes de motociclistas como um acto de provocação, em que o resultado mais provável será o confronto entre grupos ou as retaliações. 

400 inspectores na rua

A operação da Judiciária está nesta quarta-feira a decorrer de Norte a Sul do país, envolvendo oito dezenas de mandados de busca e "dezenas de mandados de detenção", disse à Lusa fonte ligada à investigação. Além das tentativas de homicídio, que não ocorreram exclusivamente entre os membros dos dois grupos, estão em causa suspeitas de associação criminosa, roubo, ofensa à integridade física, lenocínio e extorsão.

Em comunicado, esta polícia anunciou que a mega-operação está a ser levada a cabo pela Unidade Nacional Contra-Terrorismo e que o inquérito decorre sob orientação do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, "na sequência de uma complexa investigação". A execução destas dezenas de mandados de busca enquadra-se em "vários inquéritos" que visam "investigar actividades ilícitas desenvolvidas pela organização Hells Angels Motorcycle Club" em território português, acrescenta a mesma nota informativa, que fala numa "estrutura criminosa, constituída por indivíduos extremamente perigosos, com vastos antecedentes criminais e larga experiência na área da criminalidade violenta e organizada."

Segundo a Procuradoria-Geral da República, foram mobilizados cerca de 400 elementos da Polícia Judiciária. Os detidos serão levados a tribunal apenas na quinta-feira, para primeiro interrogatório judicial.

Manuela Santos disse não ter a pretensão de esta operação ter desmantelado por completo a organização criminosa em causa. "Mas foi uma machadada no grupo", observou. A Judiciária contou com a colaboração dos serviços secretos de informações, bem como da PSP e da GNR. Entre os detidos, cujas idades variam entre os 30 e quase os 60 anos, estão os principais cabecilhas do grupo. "Acreditamos que muitos ficarão em prisão preventiva", referiu Manuela Santos, segundo a qual o ramo português do gang não tem quaisquer motivações político-ideológicas, movendo-se por propósitos meramente criminosos. 

Foram apreendidas algumas armas de fogo, uma delas de maiores dimensões, e algum produto estupefaciente. Também foram emitidos mandados de detenção europeus. A data da operação policial não foi escolhida ao acaso: era preciso evitar que o encontro anual de motards que se realiza em Faro todos os Verões, e que este ano começa no próximo dia 19, servisse de palco a novos ajustes de contas. 

A acontecer, não seria de resto a primeira vez: em 2013, elementos de várias forças de segurança que, nas suas folgas, participavam no evento foram agredidos por membros dos Hells Angels, alegadamente por usarem símbolos que estes não aprovavam.

No retrato que Edgar Palma faz sobre a ameaça do grupo em Portugal, o militar da GNR faz um balanço dos episódios de violência dos Hells Angels relatados na comunicação social. O mais grave ocorreu em Julho de 2005, quando pelo menos seis elementos do grupo espancaram um ex-membro, sequestrando-o de seguida com a sua companheira. Em 2010, o tribunal de Sintra condenou seis dos sete arguidos a uma pena de prisão de cinco anos suspensa. Apesar de terem sido considerados co-autores de crimes de ofensa à integridade física, sequestro, coacção, roubo agravado e tentativa de extorsão, ilícitos considerados graves pelo colectivo de juízes, os magistrados decidiram dar uma segunda oportunidade aos arguidos, tendo em conta a sua inserção social e familiar. 

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