Erdogan, poderoso como nunca, promete uma nova era para a Turquia

Presidente turco nomeia genro para cargo de ministro das Finanças, fazendo cair o valor da lira.

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Erdogan manteve o semblante sério durante a tomada de posse EPA

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, assumiu-se como o chefe de uma Turquia que irá entrar numa nova era – ao tomar posse como Presidente após uma alteração constitucional que lhe deu enormes poderes desde nomear e afastar altos responsáveis, desde ministros a alguns juízes, até governar por decreto.

A justificação de Erdogan, que está no poder desde 2003, é que a Turquia precisava desta mudança para responder a tempos incertos. “Estamos a deixar para trás o sistema pelo qual o nosso país pagou no passado um preço pesado e levou ao caos económico”, disse no seu discurso Erdogan, sério, durante a tomada de posse, na segunda-feira, em Ancara. “Pela primeira vez na história desde os tempos otomanos, a Turquia fez uma escolha numa altura decisiva sem ser por força de um golpe militar, mas pela vontade da nossa nação”, declarou ainda. O referendo para a alteração constitucional para mais poderes do Presidente venceu com 51,4% de votos "sim" e foi marcado por acusações de irregularidades.

Analistas procuraram os primeiros sinais do que seria esta nova era da Turquia, e temem agora que seja não só autoritária mas também nepotista.

Poucas horas depois de assumir o cargo, o Presidente nomeou os novos ministros, sobressaindo entre eles o responsável das Finanças, Berat Albayrak, que é casado com a filha mais velha de Erdogan. Não demorou muito até a lira começar a desvalorizar; esta terça-feira, a moeda turca caiu mais de 3% face ao dólar, o que foi uma das maiores quedas de moedas de mercados emergentes do ano, segundo a Bloomberg.

“Albayrak ocupar o ministério das Finanças não é bom sinal especialmente pela sua proximidade com o Presidente Erdogan”, comentou Guillaume Tresca, responsável do banco Credit Agricole, à Reuters. “É um sinal de que Erdogan vai controlar ainda mais a política económica. A independência do Banco Central pode ser destruída.”

Num dos três decretos publicados esta terça-feira pelo órgão oficial do Governo foi anunciado que o Presidente nomeará o governador do Banco Central, os seus vices e membros do comité de política monetária.

Erdogan tem insistido em manter os juros baixos para promover o crescimento económico, mas economistas têm alertado para o risco de “sobreaquecimento” artificial da economia e do efeito sobre a inflação. Albayrak foi ministro da Energia e na campanha de Junho disse que a descida da lira era resultado de uma “operação” com “origem no estrangeiro” para derrubar o Governo. O novo ministro prometeu agora manter baixa a inflação, mas isso não foi suficiente para muitos investidores.

“O sinal é claro: [o novo ministro das Finanças] não é favorável aos mercados, é favorável a Erdogan”, disse Nora Neuteboom ao diário Financial Times.  

Mesmo antes da tomada de posse, foram afastados mais 18 mil funcionários públicos, numa purga de dimensão surpreendente (desde o golpe falhado de 2016 as autoridades afastaram 130 mil funcionários públicos, prenderam mais de cem mil pessoas, incluindo jornalistas – a Turquia tornou-se mesmo o país com mais jornalistas detidos do mundo).

“Esta última purga é uma nova confirmação de que não vai haver qualquer normalização da política turca num futuro próximo”, comentou à emissora especializada em assuntos económicos Bloomberg Wolfgango Piccoli, co-presidente do grupo Teneo Intelligence, com sede em Londres, especialista em avaliação de riscos políticos na Europa.

O Governo inclui ainda ministros com ligações ao sector privado: na pasta do Turismo está Mehmet Ersoy, fundador de uma empresa de turismo, dono de uma cadeia de hotéis de luxo e um dos donos de uma companhia aérea, a ministra do Comércio, Ruhsan Pekcan , é a directora-executiva de uma empresa com interesses em infra-estrutura, construção e energia, e o ministro da Saúde é Fahrettin Koca, dono de um grupo de hospitais privados – e médico da família de Erdogan.

Num sinal do alinhamento internacional da Turquia, estiveram na tomada de posse vários líderes estrangeiros, mas apenas um europeu, da Bulgária (e dois antigos chefes de Governo, o italiano Silvio Berlusconi e o alemão Gerhard Schröder), entre as figuras de mais relevado estavam o primeiro-ministro russo Dmitri Medvedev, o Presidente venezuelano Nicolas Maduro, e o emir do Qatar, Tamim bin Hamad al-Thani.

Antes de tomar posse, Erdogan foi visitar o mausoléu de Kemal Atatürk, o fundador da Turquia moderna e secular, para aplacar o medo de que vá seguir uma via mais religiosa. “Estimado Atatürk, prometo seguir a engrandecer a unidade e fraternidade da nossa nação, engrandecer o nosso país, glorificar o nosso estado”.

Mas Erdogan tem seguido o caminho contrário a Atatürk, trazendo de volta a religião como um valor central no país, e distanciando-se do Ocidente. É ao mesmo tempo o líder mais popular mas também o mais polarizador da Turquia, nota a BBC. Os seus apoiantes idolatram-no e os seus críticos acusam-no de estar a construir um sistema de poder de uma só pessoa, ele próprio.

O Governo tentou dar outro sinal de abertura, anunciando o fim próximo do actual estado de emergência, em vigor desde a tentativa falhada de golpe de 2016. Este foi visto pela maioria dos analistas como um pormenor, pois Erdogan passa a ter poder suficiente para decidir, sozinho, medidas iguais às do estado de emergência.

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