Brett Kavanaugh, um juiz criado pelos conservadores para chegar ao Supremo

A escolha do Presidente Trump para substituir o juiz Anthony Kennedy empurra o tribunal para uma maioria de direita. E tem um bónus: Kavanaugh é contra as investigações a Presidentes em exercício.

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O juiz Kavanaugh é contra as investigações a Presidentes em exercício Reuters/JIM BOURG
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O juiz escolhido por Trump é mais conservador do que o seu antecessor SHAWN THEW/EPA
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O juiz Neil Gorsuch, também conservador, entrou em funções em Abril do ano passado Carlos Barria/Reuters

Quando o juiz Anthony Kennedy anunciou que ia reformar-se do Supremo Tribunal norte-americano, há menos de um mês, o Presidente Donald Trump viu cair-lhe no colo uma oportunidade para oferecer aos conservadores o sonho de uma vida: aproveitar essa substituição forçada para virar o Supremo à direita de uma forma tão marcada como já não se via desde os anos 30.

O primeiro passo foi dado na noite de segunda-feira com a nomeação de Brett Kavanaugh, um juiz de 53 anos criado numa incubadora de juízes conservadores lançada nos finais da década de 1980, atirado para a ribalta durante o processo de impeachment do Presidente Bill Clinton e apoiado pelos defensores da posse de armas e da luta contra o aborto.

O segundo passo é mais complicado, porque não depende apenas da Casa Branca. Como a nomeação tem de ser confirmada pelo Senado, e como o Partido Republicano tem apenas 50 senadores para votar (devido à ausência de John McCain, por doença), contra 49 do Partido Democrata, o anúncio de Trump marcou também o início de uma corrida contra o tempo. Se os republicanos não se conseguirem organizar até Novembro, e se os democratas recuperarem a maioria no Senado nas eleições desse mês, o sonho dos conservadores pode vir a ser adiado.

Um conservador a sério

Na segunda-feira à noite, durante a apresentação do juiz Kavanaugh em directo para todo o país, a partir da maior sala da Casa Branca, Donald Trump recordou um dos poucos antecessores que costuma apontar como exemplo, dizendo que a sua escolha respeita "o legado do Presidente Reagan".

"Eu não faço perguntas sobre as opiniões pessoais de um nomeado. O que interessa não é a opinião política de um juiz, mas sim se ele consegue pôr de lado essa opinião para fazer o que a lei e a Constituição exigem. Tenho o prazer de dizer, sem qualquer dúvida, que encontrei uma pessoa dessas."

Quanto tomou a palavra, o juiz Brett Kavanugh elogiou o seu antecessor, Anthony Kennedy, e esforçou-se por se apresentar como um homem respeitador da diversidade. Lembrou que a mãe, Martha Kavanaugh, foi professora em duas escolas públicas "de maioria afro-americana" nas décadas de 1960 e 1970; disse que, como juiz, a maioria dos seus assistentes "têm sido mulheres"; e agradeceu à reitora que o contratou para dar aulas na Harvard Law School: Elena Kagan, uma juíza do Supremo nomeada pelo Presidente Barack Obama em 2010.

Mas o currículo de Kavanaugh dispensa apresentações, tanto para os seus defensores como para os seus críticos. Nas últimas duas décadas, este juiz nascido na capital dos EUA tem deixado atrás de si uma montanha de decisões que o definem como alguém muito mais conservador do que o homem que vai substituir. Anthony Kennedy foi nomeado por Reagan em 1987 como conservador, mas foi fugindo para o centro e acabou por assumir o papel de árbitro entre os quatro colegas mais conservadores e os outros quatro mais liberais.

Com a saída de Kennedy e a entrada de Kavanaugh (se o Senado confirmar a nomeação), o Supremo deixa de assentar no centrismo de Kennedy em questões como o aborto, o casamento gay, a pena de morte ou o que ainda resta das leis de discriminação positiva. Esse equilíbrio foi abalado pela nomeação do juiz Neil Gorsuch no ano passado, após a morte de Antonin Scalia, e pode mesmo desabar se Kavanaugh for confirmado – Gorsuch substitui um juiz igualmente conservador, o que manteve o equilíbrio, mas Kavanaugh vai substituir um juiz mais ao centro, o que desequilibra a balança para o lado dos conservadores.

Ainda que tenha sido nomeado por um Presidente conservador, Anthony Kennedy veio a ser decisivo para a manutenção do direito ao aborto como lei nacional, em 1992, e para a decisão de que o direito ao casamento se estende aos casais do mesmo sexo, em 2015. No mesmo ano, juntou-se mais uma vez aos seus colegas liberais numa crítica da prisão em regime de solitária, e em outras ocasiões ajudou a aprovar restrições à pena de morte.

As decisões do seu substituto, Brett Kavanaugh, sobre casos relacionados com o aborto, por exemplo, são vistas pelo Partido Democrata como sinais de que o juiz nomeado por Trump irá aliar-se aos seus quatro colegas conservadores para reverter – ou esvaziar – a legalização do aborto. No ano passado, Kavanaugh negou o pedido de uma imigrante adolescente para abortar, mas os argumentos que usou deixaram também os conservadores um pouco incomodados – ao contrário de outros colegas conservadores que participaram na mesma decisão, Kavanaugh não disse que a imigrante adolescente não tem o direito constitucional a interromper a gravidez.

Contas feitas, a saída de Kennedy e a possível entrada de Kavanaugh "vai alterar de forma fundamental o equilíbrio do tribunal e deixar em risco dezenas de precedentes", escreve o New York Times.

É difícil dizer se as grandes decisões sobre o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou outras questões que têm dividido conservadores e liberais vão regressar ao Supremo, mas é quase certo que os vários grupos de interesse vão lutar para que partes dessas leis sejam reavaliadas – deixando-as esvaziadas e, na prática, ineficazes.

Contra investigações na Casa Branca

E há outro aspecto que leva o Partido Democrata a querer barrar a nomeação de Kavanaugh com todas as suas forças. Apesar de ter sido um dos principais relatores do famoso relatório Starr, que levou ao impeachment do Presidente Bill Clinton em finais de 1998, Brett Kavanaugh disse em 2009 que os Presidentes deviam estar "isentos de acusações e investigações criminais enquanto em exercício, incluindo interrogatórios por procuradores criminais".

Uma opinião que será certamente debatida durante o processo de confirmação no Senado, numa altura em que o Presidente Trump é alvo de uma investigação conduzida pelo procurador especial Robert Mueller sobre suspeitas de obstrução da Justiça e conluio com o Governo russo.

"Acredito que os Presidentes devem ser dispensados de alguns dos fardos da cidadania comum enquanto estão em exercício. Não devemos sobrecarregar um Presidente em exercício com processos civis, investigações criminais ou acusações criminais", escreveu Brett Kavanaugh num artigo publicado em 2009 na publicação Minnesota Law Review.

A incubadora de conservadores

Se o Senado confirmar a nomeação de Kavanaugh, o Supremo passa a ser dominado por juízes conservadores de uma forma tão marcada como já não se via desde a década de 1930, disse ao New York Times Curt Levey, presidente do grupo conservador Comittee for Justice. Levey e outras figuras da direita norte-americana salientam os esforços que os conservadores desenvolveram desde a década de 1980 para que os EUA tenham agora uma geração de juízes garantidamente conservadores – antes disso, à imagem do que aconteceu com o juiz Anthony Kennedy, vários juízes nomeados por Presidentes republicanos acabavam por tomar muitas decisões alinhadas com os liberais.

"Eles têm lutado contra essa tendência nos últimos 30 anos, e o anúncio feito esta noite é um grade passo na direcção certa. É a primeira vez que podemos dizer que temos mesmo um tribunal conservador, pelo menos desde a década de 1930", disse Curt Levey.

E é provável que o Presidente Trump venha a ter pelo menos mais uma oportunidade para reforçar o grupo de conservadores no Supremo, uma hipótese que ganhará ainda mais força se for reeleito em 2020.

Com a saída do conservador Anthony Kennedy, de 81 anos, os dois juízes mais velhos são liberais – Ruth Ginsburg, de 85 anos, e Stephen Breyer, de 79. No grupo dos cinco conservadores, contando já com Brett Kavanaugh, o mais velho é Clarence Thomas, 70, e dois deles estão abaixo dos 53 anos.

Confirmação até Novembro 

Num ambiente tão polarizado como o que se vive no Congresso americano, seria de esperar que todos os senadores do Partido Republicano aprovassem a nomeação de Kavanaugh, e que todos os do Partido Democrata votassem contra. Mas as contas dos senadores dos dois lados não se resumem a fidelidades partidárias, nem todos têm doses iguais de conservadorismo – uma equação que se complica ainda mais em ano de eleições.

Desde o ano passado, por iniciativa do Partido Republicano, um juiz do Supremo pode ser confirmado com uma maioria simples de 51 – antes disso era preciso uma maioria de 60 em 100.

Este ano, os republicanos têm apenas 50 dos seus 51 senadores no activo porque John McCain continua afastado por doença. Isto deixa dois caminhos para a aprovação de Kavanaugh: ou o partido mantém unidos os seus 50 senadores, ou vai buscar ao Partido Democrata os votos de que precisa para anular possíveis dissidências.

Apesar das dificuldades esperadas, ambos os caminhos são viáveis.

No lado republicano há pelo menos três senadores em dúvida – Lisa Murkowski (Alasca) e Susan Collins (Maine) porque são apoiantes do direito ao aborto, e Rand Paul (Kentucky) e Jeff Flake (Arizona) que, por razões distintas, já se opuseram a nomeações do Presidente Trump. Mas no lado democrata também é provável que não haja unanimidade – Joe Manchin (Virgínia Ocidental), Joe Donnelly (Indiana) e Heidi Heitkamp (Dakota do Norte) aprovaram no ano passado a nomeação do juiz Neil Gorsuch e estão envolvidos este ano em lutas pela reeleição em estados onde Trump esmagou Clinton nas eleições presidenciais de 2016.

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