O Curtas produz, mas sem pressas

Em 2018, o festival de Vila do Conde mostra três novas produções próprias - as primeiras a “saírem fora” do “caderno de encargos” que o Curtas tinha estabelecido.

,
Fotogaleria
A River Through the Mountains de José Magro
Luz, escuridão, preto
Fotogaleria
Náufragos, trabalho de pesquisa e criação orientado pelo cineasta Pedro Neves
Cabelo facial
Fotogaleria
Circo do Amor de Miguel Clara Vasconcelos

Ao longo dos seus 26 anos de existência, o Curtas Vila do Conde tem produzido regularmente, mas geralmente sempre no âmbito de efemérides (como as comemorações dos 20 anos do certame), respondendo a temáticas relacionadas com a região de Vila do Conde, ou ao abrigo de projectos de formação emparelhando jovens estudantes de cinema com realizadores de nome feito. Thom Andersen, Sergei Loznitsa, Graça Castanheira, Manuel Mozos, João Pedro Rodrigues, João Canijo ou Sandro Aguilar foram alguns dos nomes que responderam a esses convites. Mas as três produções do Curtas em estreia no programa 2018 – numa sessão especial este domingo, às 20h, com repetição no dia 21 às 17h – “saltam fora” dessas circunstâncias. Duas delas, A River Through the Mountains, de José Magro, e Circo do Amor, de Miguel Clara Vasconcelos, nem sequer respeitam literalmente o “caderno de encargos” que o trabalho de produção do festival tinha até agora seguido.

Nuno Rodrigues, um dos directores do Curtas, reconhece que a situação é invulgar, mas explica que tem muito de puramente circunstancial. Até porque, para aquele que é um dos responsáveis do festival desde o início, a produção própria não é algo que o Curtas esteja interessado em assumir a tempo inteiro: “Ficámos de algum modo com o bichinho da produção, mas é algo que queremos desenvolver como actividade complementar, interligada com os nossos outros projectos. Temos a Agência da Curta-Metragem, a galeria Solar, o projecto Animar – actividades que não só são complementares umas às outras e ao Curtas, como ajudam e fortalecem todas as outras, e essa é também uma das formas de sobrevivermos e continuar a dar cartas fora de um grande centro urbano.”

O único filme que respeita a lógica de produção do certame é Náufragos, resultado de um workshop de formação com alunos “do final do ensino secundário e início do superior” no âmbito do serviço educativo do festival, Animar, que teve este ano como tema o documentário. Filme elegíaco e abstracto, espécie de mini-ensaio onde são as vozes dos entrevistados que transportam a narração, Náufragos nasce de um trabalho de pesquisa e criação orientado pelo cineasta Pedro Neves (Tarrafal, Hospedaria, Água Fria), documentarista que se tornou numa espécie de “historiador oficioso” do Porto e seus arredores, dando voz a sobreviventes e familiares da tripulação de um navio de pesca naufragado das Caxinas. “Convidar o Pedro para fazer uma espécie de residência artística surgiu a partir de uma ideia que tinha a ver com coisas que ele tem andado a fazer,” explica Nuno Rodrigues. “Ele ficou desde logo muito interessado, deu uma base e muita liberdade aos alunos.”

Circo do Amor, o segundo dos três filmes, é uma ficção concebida por um realizador “muito lá de casa” – Miguel Clara Vasconcelos (Encontro Silencioso, Documento Boxe), que, natural de Lisboa, cresceu em Vila do Conde e realizou para o festival a média experimental Vila do Conde Espraiada, prolongada para uma instalação/exposição chamada Onde o Coração se Esconde. “Circo do Amor é uma co-produção com França e é por isso um filme feito com outros meios, completamente diferente das [nossas] outras [produções]", explica Rodrigues. “O Miguel tinha imaginado uma história de ficção na urbanização do Mindelo onde acabou por rodar, e há uma situação precisa que está na base da inspiração do argumento e da preparação. Mas a ligação ao local é ao mesmo tempo uma coisa muito livre – a história podia decorrer aqui como noutro sítio.”

Para o fim ficou o objecto mais “fora” do baralho. A River Through the Mountains, encantadora evocação do amor adolescente com forte inspiração da nova vaga asiática dos anos 1990, foi rodado na cidade chinesa de Hancheng por José Magro, realizador que participou no programa de formação Campus (foi director de fotografia de Mahjong, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata). O projecto nasceu do desafio feito pelo festival chinês Hancheng Jinzheng a uma dúzia de certames irmãos por todo o mundo, entre os quais o Curtas: “cada festival escolheria uma equipa para fazer um filme em 72 horas na cidade, que seria uma ficção à volta do amor,” explica Rodrigues. “Quisemos enviar uma equipa que tivesse a ver com o trabalho realizado aqui no Estaleiro e no Campus, daí termos convidado o José Magro, o Miguel da Santa e o Tiago Carvalho, que participaram enquanto estudantes em alguns dos trabalhos.” O trabalho feito literalmente a três em Hancheng foi afinado a posteriori com mais tempo e é essa versão mais acabada que o Curtas vai estrear.

Que não se pense, contudo, que o Curtas se vá tornar numa entidade produtora a tempo inteiro. “Claro que vão continuar a surgir histórias como estas,” diz Nuno Rodrigues, que avança que há outros projectos em “estaleiro”. “Mas de uma forma calma, pausada, não como actividade que se sobreponha às outras de forma evidente. Não é esse o nosso objectivo.” 

Sugerir correcção
Comentar