Em Portugal "não somos racistas, mas como todos os outros temos preconceitos”

Casos de racismo em Portugal são "pontuais", diz Pedro Calado, acrescentando que a recente agressão a uma jovem colombiana “não pode ter qualquer complacência de ninguém”.

Em Portugal “não somos racistas, mas, como todos os outros, temos preconceitos” Público/Renascença

A agressão contra uma jovem colombiana por um fiscal de uma empresa de segurança, na noite de São João no Porto, "não pode ter qualquer complacência de ninguém", defende o Alto-Comissário para as Migrações em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, que pode ouvir hoje às 12h. 

Portugal é assim tão pacífico no acolhimento do outro ou temos só tido muita sorte de não termos a pressão dos números que outros países enfrentam?
Não há nenhum país do mundo que possa dizer que atingiu uma espécie de 'Nirvana da integração'. Todos têm dificuldades e todos estão em grande transformação. Há aspectos que dão a Portugal uma dimensão favorável neste processo. Primeiro: por cada estrangeiro que temos em Portugal, temos 10 portugueses lá fora e isto deve dar-nos sempre um sentido de reciprocidade. O segundo aspecto é o forte consenso que este tema continua a ter em Portugal: não temos no nosso Parlamento qualquer partido que tenha um discurso contra a imigração. E este é um valor incalculável.

Apesar disso, temos tido episódios graves. O mais recente, o da colombiana Nicol Quinayas no Porto que foi agredida por um fiscal dos transportes de uma empresa de segurança e ainda o caso dos polícias [da esquadra de Alfragide] que estão acusados de agressões a jovens negros na Cova da Moura. Não encontra aqui uma reacção ao migrante que esteja a crescer?
Os portugueses não são genericamente racistas. Mas, como todos os outros, temos preconceitos. Acho, ainda assim, que os casos que temos em Portugal são pontuais. Não temos no dia-a-dia, nas nossas ruas, nas nossas escolas, nas nossas cidades, fenómenos de tensão permanente e esse é um sinal que é importante sublinhar. Temos depois uma intenção clara de erradicar estes fenómenos, como o da agressão a  Nicol [Quinayas] no Porto. Está tudo feito? Não. Vamos um dia conseguir erradicar esta chaga social que é o racismo e a xenofobia? Não. Mas há um forte compromisso em minimizar este tipo de danos que são absolutamente repudiáveis. Aquilo que aconteceu no Porto não pode ter qualquer complacência de ninguém. 

Cerca de metade dos 1700 refugiados que vieram para Portugal acabou por sair. O que vai acontecer àqueles que serão agora forçados a regressar [no âmbito de um acordo entre o Governo português e países como a Alemanha]. 
Os únicos países que não tiveram movimentos secundários foram os que não acolheram ninguém. Fizemos tudo para salvar estas pessoas, para salvar vidas. Portugal recebeu 1700 pessoas de cerca de 30 mil acolhidos em países europeus. Uma das lições que tiramos deste processo é que a integração também depende da vontade das pessoas e quando as pessoas têm outro objectivo migratório acabam por procurá-lo mais tarde ou mais cedo.

Agora, alguns vão ser 'reforçados' a vir para Portugal?
Já estão a chegar. Já tivemos cerca de 142 pessoas que foram alvo das chamadas retomas a cargo. Vieram, a maioria, da Alemanha. Na maioria, aceitam retomar o seu percurso em Portugal, porque percebem que há regras, que há consequências se não o fizerem.

Além dessas pessoas que já vinham com um projecto migratório definido, também há outras que aqui encontraram entraves e por isso quiseram sair. 
Houve ao longo deste percurso algumas falhas. Lembro-me por exemplo, no início, a dificuldade que foi a dimensão da língua. Houve uma série de variáveis que nós não controlávamos e que fizeram com que o processo fosse feito à medida que ia acontecendo. Os únicos países que não tiveram estes problemas foram os que não acolheram e creio que essa é a mensagem fundamental, nestes tempos que vivemos.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ajudou no processo de integração? A lei prevê que o título provisório de seis meses garante todos os direitos mas na realidade tudo fica parado enquanto o requerente de asilo não receber o estatuto e o título de residência por três ou cinco anos que nalguns casos demora dois anos a obter. 
Sei que há algumas dificuldades com a documentação mas também vejo muita vontade nomeadamente do MAI [Ministério da Administração Interna] e da nova direcção-nacional do SEF em melhorar e simplificar os procedimentos [para a atribuição de documentos]. 

Notícia corrigida às 10h55 de 5 de Julho. Nicol Quinayas é colombiana ainda a tentar obter a nacionalidade portuguesa  

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