Merkel cede na imigração e aceita construir "centros de trânsito" na fronteira

Acordo com o ministro do Interior mantém intacta a coligação no governo. Áustria ameaça aplicar a mesma medida nas fronteiras com Itália e Eslovénia.

Angela Merkel diz que foi alcançado um "bom compromisso"
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Angela Merkel diz que foi alcançado um "bom compromisso" FILIP SINGER/EPA
Horst Seehofer diz que todas as suas exigências foram satisfeitas
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Horst Seehofer diz que todas as suas exigências foram satisfeitas CLEMENS BILAN/EPA

A Alemanha evitou uma crise governativa à última hora, na noite de segunda para terça-feira, depois de a chanceler Angela Merkel ter assinado um acordo para uma política de imigração mais restritiva com o seu ministro do Interior, Horst Seehofer. Mas os analistas aconselham cautela na hora de se escolher vencedores e vencidos: se é verdade que Merkel cedeu na sua política de "portas abertas", que permitiu a entrada no país a mais de um milhão de migrantes e refugiados desde 2015, também é verdade que o acordo assinado nas últimas horas enfrenta muitas dificuldades para sair do papel.

Em causa estava a ameaça de uma cisão histórica na coligação de sete décadas entre a CDU de Angela Merkel e o seu partido-irmão, a CSU, que opera apenas no estado federal da Baviera, no sul da Alemanha, na fronteira com a Áustria.

O líder da CSU e ministro do Interior do governo liderado por Angela Merkel, Horst Seehofer, ameaçava fechar a fronteira alemã na Baviera a requerentes de asilo que entraram na Europa através de outros países da União Europeia. De acordo com as leis internacionais, os refugiados devem permanecer nos países onde os pedidos de asilo são feitos, mas muitos cruzam as fronteiras do Espaço Schengen para se juntarem às suas famílias.

A CSU afastou-se ainda mais da CDU em termos de políticas de imigração no Verão de 2015, quando centenas de milhares de pessoas chegaram à Alemanha, muitas delas em fuga das guerras na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Apesar de o número de pedidos de asilo ter vindo a cair de forma drástica, esse período estimulou o crescimento da extrema-direita anti-imigração, com a AfD a chegar ao Parlamento alemão nas eleições do ano passado, e logo como terceira maior força política – este ano, em Outubro, a AfD pode roubar muitos eleitores à CSU nas eleições regionais na Baviera, o que também contribui para o endurecimento da posição de Horst Seehofer, líder da CSU.

Em Berlim, a chanceler Angela Merkel foi resistindo às exigências do seu ministro do Interior, dizendo que o fecho de fronteiras a requerentes de asilo de forma unilateral teria uma consequência dramática para as fundações da União Europeia: sem um acordo entre os vários países-membros, cada um desses países poderia sentir-se legitimado a seguir o exemplo da Alemanha, o que poria em causa a ideia do Espaço Schengen.

Foi com este pano de fundo que se desenrolou o duelo entre Merkel e Seehofer, que teve um desfecho inesperado na madrugada de segunda para terça-feira. Num acordo visto por Seehofer como uma vitória em toda a linha e por Merkel como um "bom compromisso", a chanceler aceitou a construção daquilo a que chamou "centros de trânsito" na fronteira entre a Alemanha e a Áustria, para identificar as pessoas que pediram asilo noutros países da União Europeia.

Segundo a revista Der Spiegel, este acordo permite que Horst Seehofer e a CSU digam aos seus eleitores na Baviera que conseguiram pôr ordem na fronteira, mas também permite que Angela Merkel não vire as costas aos outros países da União Europeia – à chegada aos "centros de trânsito", as pessoas que pediram asilo na Grécia, por exemplo, serão enviadas de volta para a Grécia; e as pessoas que pediram asilo em países que não querem receber mais refugiados, como a Hungria, serão reencaminhadas de volta para a Áustria.

O problema é que a chanceler terá agora de celebrar vários acordos bilaterais, distintos do que foram assinados na cimeira europeia da semana passada. E se isso é possível no caso de países como a Grécia ou Espanha, será mais difícil no caso da Áustria, que já veio admitir um reforço das suas fronteiras com Itália e Eslovénia se o governo alemão for em frente com o acordo assinado nas últimas horas – e podendo dar início ao efeito dominó que era temido por Angela Merkel.

Para além da questão dos acordos bilaterais, há também dúvidas sobre a construção dos "centros de trânsito", que poderão ficar em áreas geograficamente localizadas na Alemanha, mas com um estatuto semelhante aos das áreas de trânsito nos aeroportos, para que os requerentes de asilo possam ser separados e reencaminhados para outros países sem que se levantem questões legais.

O acordo assinado entre a CDU e a CSU depende também da concordância do outro parceiro de coligação no governo, o SPD. Os sociais-democratas recusaram em 2015 um acordo semelhante ao que foi assinado esta semana, mas os analistas acreditam que desta vez a resposta será diferente – um bloqueio deste acordo poderia trazer de volta a ameaça de uma crise governativa, e as sondagens indicam que o SPD só teria a perder num cenário de novas eleições.

Mesmo que todas estas questões sejam ultrapassadas, há quem questione a contribuição do acordo exigido por Horst Seehofer para a redução da entrada de refugiados na Alemanha. Gerald Knaus, director do grupo independente European Stability Initiative, diz mesmo que pode acontecer o contrário – por exemplo, se a Grécia aproveitar um eventual acordo bilateral para reencaminhar refugiados que tenham família na Alemanha.

"Seehofer está a prometer aos seus eleitores na Baviera que a mesma Convenção de Dublin [para os pedidos de asilo] que não funciona há 20 anos irá, de um momento para o outro, decorrer sem problemas por causa de novos centros de trânsito na Baviera. Porquê, ninguém sabe", cita o jornal The Guardian.

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