Leis deverão passar a ter nota justificativa sobre riscos de corrupção

Sessão na Presidência do Conselho de Ministros abriu portas a uma avaliação sobre os alçapões legais para fraudes, conflitos de interesses e outros crimes conexos.

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O secretário de Estado da PCM aceitou os desafios do Conselho de Prevenção da Corrupção Nuno Ferreira Santos

O presidente do Tribunal de Contas, que por inerência preside também ao Conselho de Prevenção da Corrupção, levava um desafio muito concreto aos governantes e altos funcionários que se reuniram esta terça-feira na Presidência do Conselho de Ministros: criar uma “check list” para avaliar se cada diploma legislativo aprovado pelo Governo passava no teste da prevenção de crimes como conflitos de interesse, fraudes, corrupção e outras infracções conexas.

No seminário Qualificar o apoio ao Centro do Governo, promovido pela Presidência do Conselho de Ministros (PCM), Vítor Caldeira foi directo ao assunto e quis ali falar da última recomendação do CPC, precisamente sobre a permeabilidade da lei a riscos de fraude, corrupção e infracções conexas. “É importante que os órgãos legislativos se preocupem com os riscos legais que podem provocar incerteza na elaboração, interpretação e aplicação de cada diploma”, disse, perante uma plateia de cerca de meia centena de secretários-gerais de ministérios, directores gerais e altos funcionários da administração do Estado.

Para assegurar que as iniciativas legislativas, sobretudo das áreas financeiras, acautelam riscos de fraude, corrupção e conflitos de interesses, propôs que as notas justificativas de todos os diplomas legais assumam que essa ponderação foi feita e que se procurou minimizar aqueles riscos. Referiu-se em particular às “leis chave-na-mão”, produzidas muitas vezes em escritórios de advogados cujos outros clientes não se conhecem, aumentando os riscos de conflitos de interesses.

“Os serviços da PCM são peças-chave neste ciclo de ponderação da lei”, disse Vítor Caldeira, propondo um “teste de integridade” a cada diploma que responda a cinco questões essenciais: necessidade, simplicidade, imparcialidade, risco e transparência. A lei é necessária? É clara e não tem aqueles pilares que dificultam o percurso do cidadão? Os lobbies tentaram influenciar as soluções legais? Foi avaliado o impacto das soluções em termos de fraude e corrupção? Foi calculado o custo/benefício desses riscos e está garantido que se pode prestar contas sobre a lei? Em termos resumidos, um diploma que respondesse a estas cinco questões poderia então ser aprovado e estas explicações deviam constar da sua nota justificativa.

“Deixamos o desafio a este centro de poder: porque não aproveitar para lançar um projecto-piloto que faça este teste de integridade aos actos normativos do Governo”, disse o presidente do Tribunal de Contas. “É uma boa ideia”, respondeu mais tarde o secretário de Estado da PCM.

Tiago Antunes garantiu que a recomendação sobre a permeabilidade da lei já está a ser implementada no centro do Governo e, por outras palavras, falou também dos cinco riscos já identificados na actividade legislativa. Não exactamente pela mesma ordem, mas com idênticas preocupações: a “lei obscura, com zonas cinzentas, que não são facilmente perceptíveis pelos cidadãos”; a “lei platónica”, que não se aplica porque não é regulamentada; o risco da “selva legislativa”, onde é preciso evitar a profusão legislativa e o emaranhado de leis; o “laxismo” que conduz à ignorância dos efeitos da lei; e os riscos de conflitos de interesses na produção legislativa.

Para todos o Governo tem um programa ou medidas preventivas e para a última, em particular, Tiago Antunes adiantou que o Governo está a “limitar ao máximo a contratação externa”, recorrendo sempre que possível ao Centro de Competências Jurídicas criado na PCM.

Duas outras sugestões dadas por uma conselheira da CPC, que também é secretária-geral do Ministério da Economia, foram aceites, ao vivo e em directo, nesta inédita sessão. Na sua dupla função, Maria Ermelinda Carrachás confronta-se muitas vezes com “dilemas complicados” e, por isso, propôs que, por um lado, se acabasse com a proibição de um reformado dar pareceres ao Estado. E por outro que se criasse uma plataforma, um fórum, onde todos os secretários-gerais possam, “de forma articulada e livre, trocar ideias” que permitam, por exemplo, dar pareceres "estruturados" sobre as leis.

Outro membro do CPC, Amaral Tomás, tinha enaltecido os méritos da simplificação em matéria de prevenção de riscos – uma intervenção que foi música para os ouvidos da ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, autora dos programas Simplex em várias áreas da administração pública. “Simplificar é complicado e complicar é simples”, disse o conselheiro, dando um exemplo que pôs toda a gente a rir: “Foi quase tão difícil abolir o papel selado como abolir a escravatura, ambas duraram mais ou menos 300 anos”.

“Simplificar tira poder” a pequenos poderes, corroborou a ministra, sublinhando que o Governo tem feito muito nesta matéria, mas esbarra com uma dificuldade quase intransponível: a “importação de leis da UE”, na sua maioria muito complexas e difíceis de perceber.

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