E se os hospitais tivessem um serviço só para os mais velhos?

A proposta é de Carol Jagger, professora de epidemiologia do envelhecimento na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, e será apresentada nesta quinta-feira na conferência anual do Instituto de Ciências Sociais, em Lisboa.

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Daniel Rocha

O ponto de partida é este: as pessoas vão durar ainda mais tempo e a maior parte dos anos ganhos serão vividos com quatro ou mais doenças. Carol Jagger, professora de epidemiologia do envelhecimento na Universidade de Newcastle, no Reino Unido, acha que “não podem continuar a ser tratadas como uma série de órgãos”, que antes “devem ser tratadas como pessoas inteiras”. Para isso, há que criar um serviço multidisciplinar para acompanhar os mais velhos, como já existe para acompanhar os mais novos.

A investigadora participa nesta quinta-feira na conferência anual do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Desta vez, aquela instituição desafiou vários especialistas nacionais e internacionais a debater três questões que julga fundamentais no domínio do envelhecimento da população: “Até quando iremos continuar a envelhecer? Como é que podemos reduzir a dependência dos nossos seniores? Como poderemos aumentar a sua participação nos vários domínios da vida social e evitar a exclusão?”

No entender de Carol Jagger, as sociedades deviam estar mais focadas na esperança média de vida saudável do que na esperança média de vida pura e simples. E isso tem muito que ver com os estilos de vida de cada um (não fumar, não abusar de bebidas alcoólicas, vigiar o peso, ter uma alimentação saudável, fazer exercício físico regular, ter actividade social), mas também com o foco da investigação científica e a organização de serviços. 

 “Acho que temos sido muito bons a evitar a morte, a desenvolver tratamento para doenças que provocam a morte, como os acidentes vasculares cerebrais e as doenças coronárias”, começa por adiantar Carol Jagger, ainda antes de aterrar em Portugal, numa conversa com o PÚBLICO por Skype. “No que temos sido menos bons é a pensar nos efeitos incapacitantes destas doenças. Temos de pensar mais na redução da incapacidade. Muitas pessoas têm mais medo de ficar incapacitadas, dependentes, do que de morrer.”

As incertezas aumentam com a idade. A prevalência de doenças crónicas, como a hipertensão, as demências, as diabetes ou as artrites, tende a aumentar. Tem estado a trabalhar num estudo que envolve mais de mil pessoas com mais de 85 anos e verifica que o mais comum nestas idades avançadas é os homens terem quatro doenças crónicas e as mulheres cinco.

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A investigação científica está a fazer um caminho. Durante muito tempo, as pessoas mais velhas, em particular as muito velhas, nem apareciam nos ensaios clínicos precisamente por terem múltiplas doenças. Os medicamentos eram-lhes receitados sem que se conhecessem bem os efeitos. “Temos de ser melhores a encontrar o melhor tratamento para pessoas mais velhas, que têm múltiplas doenças”, diz.

Geriatria: em que idade é que se começa?

E há um caminho que, na sua opinião, os serviços nacionais de saúde terão de fazer. “Como é que se pode tratar quatro ou cinco doenças, muitas vezes associadas, numa consulta de sete minutos?”, questiona. Não é só o tempo previsto para as consultas. Multiplicam-se os médicos especialistas e os medicamentos. “Pessoas 'muito velhas', que têm múltiplas doenças, não podem ser tratadas como uma série de órgãos”, enfatiza. Uma resposta holística diminuiria o risco de os medicamentos entrarem numa espécie de disputa e aumentaria a possibilidade de se respeitar a vontade de cada um. No corre-corre, exemplifica, "pode ser que o profissional nem perceba que o mais importante para aquela pessoa é controlar a incontinência”.

Não lhe parece que os médicos de família, que estão na linha da frente, possam ter a profundidade necessária. Parece-lhe que melhor seria criar um serviço hospitalar, que combinasse diversas especialidades, que tivesse as várias doença em conta. “Acho que isso será mais proactivo do que ficar à espera que as pessoas tenham uma crise e entrem no hospital pelas urgências, como é costume”, diz.

Pode ser controverso. “Levantava-se a questão: em que idade é que começa? Com a pediatria é  fácil definir quando começa, embora a transferência para a área de adultos possa ser difusa. Seria difícil saber quando passar para a área de geriatria. E as pessoas podiam não gostar do termo.”

Já houve geriatria hospitalar e ainda há na saúde mental, mas foi desaparecendo. “Há uma questão social e por isso mudámos os idosos para a clínica geral”, lamenta. Na sua opinião, a eficiência obriga a ultrapassar este pudor ou estigma. “Os serviços ainda não estão a desenvolver respostas nesse sentido, mas começam a entender a necessidade disso.”

Educação e demência

O aumento de pessoas com 85 e mais anos tem implicações nas vidas dos restantes familiares. No grupo que segue, Carol Jagger vê que os cuidados prestados a pessoas "muito velhas" com algum grau de dependência tendem a ser providenciados pelos filhos, sobretudo pelas filhas, já na faixa dos 60 anos, que têm de trabalhar para completar as suas carreiras contributivas. E que estes que trabalham e cuidam têm duas ou três vezes mais hipóteses de ficar doentes. 

Há sinais positivos. “Nos últimos 20 anos, o tempo de comprometimento cognitivo diminuiu”, refere a investigadora. "Não há muitos países com estes dados, mas os que os têm revelam que já não vivemos tanto tempo com comprometimento cognitivo e que a maior razão é o aumento da educação.”

Quando maior o grau de educação, maior a reserva cognitiva. Quer isto dizer que as demências demoram mais a aparecer. Mais educação tende também a significar melhor emprego, melhor rendimento, mais competências para perceber o que é mais adequado, para alterar comportamentos, adaptar a casa. 

A geração dos chamados "muito velhos" estudou muito menos, mas mexia-se muito mais. As gerações seguintes foram prolongando os estudos. E consomem mais proteína, o que, associado ao exercício físico, ajuda a construir músculo. Só que usam muito o carro. O trabalho tornou-se mais seguro, mas também mais sedentário. E a alimentação muitas vezes não é amiga dos idosos. Importa, avisa, perceber que cada um pode fazer um esforço para envelhecer melhor.

 

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