Centralização das despesas e restrições de tesouraria prejudicam inovação, acusam administradores

Relatório Primavera 2018 vinca ainda a necessidade de gestores hospitalares profissionais e sujeitos a avaliação, enfatiza o presidente da Associação Nacional dos Administradores Hospitalares.

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Recurso a prestações de serviços prejudica a qualidade dos actos de saúde, dizem administradores hospitalares Rui Gaudêncio

Os administradores hospitalares consideram que o Relatório Primavera 2018, que é esta terça-feira divulgado, expressa o sentimento do sector quanto às restrições de tesouraria nos hospitais e à necessidade de gestores profissionais.

De acordo com o relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), os hospitais públicos estão endividados e "à beira de um ataque de nervos", mostrando que a crise económica continua no sector hospitalar.

Acresce, segundo os autores do relatório, que a escolha das administrações dos hospitais mantém-se demasiado presa à confiança política. E por isso recomendam que a avaliação dos conselhos de administração devia já ter avançado.

Contactado pela Lusa, o presidente da Associação Nacional dos Administradores Hospitalares (ANAH), Alexandre Lourenço, defende que o grau de centralização das despesas actualmente existente, além das dificuldades provocadas pelas restrições de tesouraria, prejudica a inovação nos hospitais.

"O relatório veio de certa forma expressar o sentimento do sector, sobretudo no que se relaciona com a restrição de tesouraria nos hospitais e com o adiamento administrativo da despesa, dada a política de gestão administrativa do Ministério das Finanças", afirmou Alexandre Lourenço.

O documento do OPSS diz que o quotidiano dos hospitais é marcado pela ameaça de necessidade de injecção de dinheiro e que há nas unidades do Serviço Nacional de Saúde falta de liquidez e um aumento do "stock" da dívida a fornecedores, o que tem "conduzido à prática de entregas de verbas a título extraordinário aos hospitais".

Alexandre Lourenço considerou que a centralização da despesa condiciona também o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, que se faz "de forma descentralizada e pela inovação realizada pelos profissionais de saúde em cada ponto da rede" e que, depois, as boas práticas são "disseminadas pelas organizações".

Só assim se consegue "uma mudança estrutural no sistema", defendeu o presidente da APAH, dando o exemplo do que aconteceu com a cirurgia de ambulatório. "Quando temos uma centralização demasiado elevada, dificilmente o sector consegue desenvolver-se e criamos um mau estar generalizado entre os profissionais e isto leva a uma deterioração da qualidade de serviço", acrescentou.

Alexandre Lourenço apontou ainda outro ponto destacado no relatório, como a questão das 35 horas, frisando que o relatório "destaca claramente que esta matéria não ficou resolvida com a contratação de pessoas".

"Hoje, nos hospitais, temos menos recursos do que teríamos em 2016 em termos de disponibilidade de profissionais. Além disso, grande parte das contratações realizadas na área médica são feitas a prestações de serviços, algo que também é contrário à própria lei do Serviço nacional de Saúde e que não leva a uma prestação de actos de saúde com elevada qualidade", explicou.

Outra matéria sublinhada pelo presidente da APAH, que é igualmente destacada no relatório, é a dependência política nas nomeações dos gestores hospitalares e a falta de profissionalização e avaliação destes gestores.

"Existe uma grande dependência política dos conselhos de administração. É algo para que temos vindo a alertar. O sistema de saúde só se desenvolve quando tiver gestores capacitados e com competência e gestores que também sejam avaliados de forma transparente" afirmou o responsável, sublinhando que a APAH tem vindo a insistir na necessidade de "mecanismos de avaliação da gestão".

"Isto não está actualmente garantido. Há uma elevada dependência de confiança política e nós precisamos de gestores profissionais que criem condições para os profissionais de saúde melhorarem a prestação de cuidados", concluiu. 

Os autores do relatório, recorde-se, qualificam a avaliação de desempenho das administrações dos hospitais como um "imperativo fundamental" que tem sido "sistematicamente descurado".

"A avaliação do desempenho dos membros do conselho de administração, apesar da intenção política, parece não ter avançado. A avaliação é fundamental para consolidar e aprofundar a fiabilidade do sistema de selecção dos membros do conselho de administração, a garantia da eficiência das políticas públicas e a prossecução dos objetivos traçados, e a prestação de contas/responsabilização pelos resultados dos gestores públicos", refere o relatório.

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