Rússia 2018: o futebol, como tudo na vida, é imprevisível

O futebol faz parte das nossas vidas, é um mundo dentro do mundo em que vivemos, faz parte da nossa memória colectiva e, para muitos de nós, das nossas memórias e experiências individuais, faz parte das nossas conversas e das nossas convivências

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Eduard Korniyenko/Reuters

O campeonato do mundo de futebol está à porta. É a competição de futebol que celebra o encontro das nações de todos os continentes para uma grande competição mundial. Em 1930, na primeira edição que se realizou no Uruguai, participaram apenas 12 nações, oito equipas americanas e quatro europeias que viajaram de barco até ao outro lado do Atlântico: Bélgica, França e Roménia embarcaram no Conte Verde e a Jugoslávia no MS Flórida. A Segunda Guerra Mundial contribuiu decisivamente para que os campeonatos do mundo de 1942 e 1946 não se realizassem. Em 1956, a Hungria, e em 1966, Portugal, quase deixaram os seus nomes entre os gigantes do futebol mundial. Em 1986 a “mão de Deus” de Maradona permitiu que a Argentina ultrapassasse a Inglaterra nos quartos-de-final da competição e mais tarde se sagrasse campeã. O Brasil (5), a Alemanha (4) e a Itália (4) são as selecções que mais vezes se sagraram campeãs, e as improváveis Polónia, Turquia, Áustria e Croácia têm no seu palmarés um terceiro lugar.

O futebol faz parte das nossas vidas, é um mundo dentro do mundo em que vivemos, faz parte da nossa memória colectiva e, para muitos de nós, das nossas memórias e experiências individuais, faz parte das nossas conversas e das nossas convivências. E quantos de nós já jogaram à bola na rua, num pelado ou num relvado? Quantos de nós fizeram uma bola de trapos? Quantos de nós falharam um golo de baliza aberta? Quantos de nós demoraram horas a explicar um fora de jogo? Quantos de nós fecharam os olhos num penalty decisivo? Quantos de nós insultaram a televisão? Quantos de nós abraçaram um desconhecido após um golo? Quantos de nós praguejaram contra o Éder para depois o elegermos herói nacional?

Mas não é consensual. O futebol é amado por uns e odiado por outros. Para uns, o futebol é um dos “ópios do povo”, o castrador das massas, a anestesia da consciência, às vezes parece carregar em si todos os problemas do mundo, parece ser o portador do eterno desprezo pelas gentes. Mas, para muitos, é, como refere Antonio Gramsci, o “reino da lealdade humana exercida ao ar livre” e, para Albert Camus, uma lição: “Aprendi que a bola nunca vem por onde nós esperámos que venha. Isso ajudou-me muito na vida, principalmente nas grandes cidades, onde as pessoas não costumam ser aquilo que nós achamos que são as pessoas correctas.” Seja como for, o Mundial de 2018 fará milhões de pessoas pararem e vibrarem.

E este campeonato do mundo tem algumas especificidades que quero realçar. Em primeiro lugar, pode ser o último campeonato do mundo das duas grandes estrelas da actualidade; Messi fará ainda este mês 31 anos e Ronaldo conta 33. Isto coloca sobre ambos a pressão de vencerem pelas respectivas selecções um título tão importante e que nunca alcançaram. Contudo, se por um lado a selecção argentina parte sistematicamente como favorita (apesar de desilusões constantes com que nos têm presenteado), Portugal avança para o Mundial de 2018 como campeão da europa e, portanto, tem sobre si muitas expectativas, não sendo na minha opinião favorito.

Em segundo lugar, para este campeonato do mundo, não identifico nenhuma selecção que se destaque como clara favorita. Ao contrário do que sucedeu nos campeonatos do mundo de 2010 e de 2014 com a Espanha e a Alemanha, neste momento existem várias selecções que considero estarem a um nível semelhante, que podem recuperar o estatuto de favoritas ou confirmarem as expectativas que têm vindo a acumular.

Em terceiro lugar, mantenho a curiosidade sobre a selecção brasileira que não perde desde 9 de Junho de 2017, que tem uma selecção equilibrada em todos os sectores e que conjuga experiência (Tiago Silva, Marcelo ou Willian) com irreverência, qualidade técnica e pragmatismo (Neymar, Gabriel Jesus ou Roberto Firmino).

Em quarto lugar, espero que a selecção belga se imponha finalmente. Tem sido frustrante ver uma selecção recheada de jogadores de elevada qualidade e como equipa manterem desempenhos sofríveis. É incompreensível que uma equipa que conta com Courtois, Vertonghen, De Bruyne, Hazard ou Lukaku não seja capaz de colocar em prática toda a capacidade e qualidade que unanimamente se lhe reconhece. Espero que esta geração belga não passe despercebida e rotulada de um “quase que”.

Em quinto lugar, mantenho algumas reservas sobre as selecções da Espanha e da Alemanha. A Espanha parece-me uma selecção que necessita ser renovada, enquanto a Alemanha integra muitos jogadores jovens que necessitam de se afirmar.

Em sexto lugar. Portugal é campeão da Europa, parte para este campeonato do mundo como uma surpresa e com expectativas sobre o seu desempenho. Uma selecção recheada de jogadores talentosos e capazes de fazerem a diferença, desde os mais velhos como Cristiano Ronaldo ou Ricardo Quaresma, aos mais novos como Gelson Martins, Gonçalo Guedes ou Bernardo Silva. Terá nos corredores, tanto laterais como extremos, capazes de fazerem a diferença tanto nos processos defensivos como ofensivos. Contudo, a zona central da defesa apresenta debilidades atendendo à idade avançada de Pepe, Bruno Alves ou José Fonte (não menosprezando a qualidade destes jogadores), e Ruben Dias é ainda um jogador jovem e inexperiente. E esta questão levará a um ajuste no meio campo, sacrificando médios com características mais ofensivas em detrimento de médios mais defensivos ou de transição. Contudo, Fernando Santos tem ao seu dispor jogadores de elevada qualidade e capazes de fazerem a diferença.

Bem, é já dia 14 de Junho, quinta-feira, às 16 horas, que a anfitriã Rússia defrontará a Arábia Saudita e a partir daí o futebol, como tudo na vida, é imprevisível. Que haja espectáculo e que nos possamos divertir acima de tudo.

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