Vesguinho seja eu ou o prédio Coutinho

Quando soube que a demolição do prédio foi sendo legalmente impedida durante 18 anos fiquei estupefacto. O projecto Pólis Viana, responsável pela tentativa de demolição, se calhar, entretanto, já caducou

Paulo Pimenta
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Fernando Maia Pinto é arquitecto reformado do Ministério da Cultura
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Fernando Maia Pinto é arquitecto reformado do Ministério da Cultura

A histórica novela em torno da demolição do edifício Jardim, vulgo Prédio Coutinho, gira em torno de muitas vertentes. Uma delas é a questão estética. As sucessivas tentativas de destruição do prédio de Viana do Castelo chegam de muitas direcções, com diferentes bandeiras e argumentos. Pensei em dar um contributo em favor do bom senso, tantas vezes apelado pelas mais altas instâncias. Não é que o bom senso, em muitos casos, seja obrigatório. Nos golpes de asa, na geometria variável, na criação artística, o bom senso, às vezes, atrapalha.

Lembrei-me que o pedido de classificação como imóvel de interesse público poderia, pelo menos, caso não fosse classificado (que espero sinceramente que o seja), agitar as águas. Contudo, há uma vertente irónica e satírica que senti que poderia ter algum efeito. Grandes questões foram resolvidas utilizando o humor, a sátira, a ironia. Aqui escrevo:

- D.Sebastião atacou milhares de muçulmanos “à ceguinho seja eu”, e lixou-se, morreu!

- Trump ataca tudo e todos “à idiota seja eu”, e vai-se lixar!

Há imensas alternativas para “… seja eu”. Ricardo Salgado, por exemplo, usou a táctica “à malandro seja eu”. Parvo, ladrão, facínora, “esperto”, servem para preencher os pontos conforme as personagens escolhidas.

Eu ataco “à vesguinho seja eu”. Explico: o vesgo divergente tem um ângulo de visão muito mais alargado, vê para os lados, abarca muita mais informação: holística dizem os filósofos, vesguice digo eu.

Mas o que se passa no edifício Jardim é um caso de miopia, miopia cívica.

Então não é que um país muito pobre como o nosso (nunca assumido por ninguém) vai malbaratar largas dezenas de milhões de euros para deitar abaixo cento e tal óptimas habitações para reconstruir agora um mercado que existiu no local, há 40 e tantos anos. Na altura da demolição do mercado e construção do prédio estava tudo legalizado e aprovado.

Quando soube que a demolição do prédio foi sendo legalmente impedida durante 18 anos fiquei estupefacto. O projecto Pólis Viana, responsável pela tentativa de demolição, se calhar, entretanto, já caducou.

E como cidadão achei que deveria atacar “à vesguinho seja eu” (é felizmente o meu caso).

Aduzi meia dúzia de argumentos arquitectónicos, urbanísticos, económicos e sobretudo éticos e morais para evitar o desastre da demolição, propondo a classificação do edifício Jardim como imóvel de interesse público.

Exótico, talvez, mas caso seja confirmada esta pretensão, poderá ser um elemento de inibição de um crime.

Haja coragem no Ministério da Cultura para classificar esta exótica atitude (confesso); sim, porque demolir é um acto cultural quase sempre irreversível e, como é o caso, implica muitas vezes a vida e a morte de pessoas.

Calcanhoto, quando diz “Detesto bom gosto!”, com aquele belíssimo sotaque, refere-se com certeza absoluta ao edifício Jardim, em que os arautos do bom gosto impõem o modelo cultural não democrático e, à pala do bom gosto, vão vivendo a vidinha.

Vejam-se os tecidos e o corte dos fatos do Sócrates, refinados de bom gosto. E os sapatos? É preciso ver tudo.

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