O Ministro da Educação ideal é um herói romântico

Os ritmos divergentes dos 20 a 30 alunos em sala de aula impedem, muitas vezes, os professores de explorar determinados conceitos, vendo-se estes forçados a abordar conteúdos superficialmente para não “confundir ainda mais” os alunos com maiores dificuldades

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Celia Ortega/Unsplash Celia Ortega/Unsplash

Coloquemos de lado Orfeu e Mr. Darcy ou Jane Eyre e Anna Karenina, personagens literárias que convergem na sua postura enquanto heróis e heroínas românticas, respectivamente, e falemos de políticas educativas.

Ultimamente, caro leitor, tenho constatado que alguns traços do herói romântico, atemporal na literatura, se assemelham às características de um profissional educativo exímio, entre os quais se destaca o cargo de Ministro da Educação, cuja acção assume maior relevo na sociedade civil. De facto, o objectivo último de um Ministro da Educação é (ou deveria ser) garantir uma educação de qualidade a qualquer aluno, capaz de o preparar para as tarefas que desempenhará enquanto trabalhador e, principalmente, formar indivíduos cultos e de espírito crítico, imunes a movimentos populistas, fake news e demagogias com os quais se deparará, inevitavelmente, no decorrer da sua vida. Assim sendo, procurarei transpor para o cargo político em análise, a crença e a luta em valores elevados e a consequente não-identificação com o panorama social em voga do herói romântico.

Em primeiro lugar, o herói romântico cultiva um individualismo, aparentemente pretensioso, porém fundamental à tarefa de entrega àqueles que nele confiam e admiram: trata-se de um individualismo partilhado, expressão aparentemente paradoxal, que passarei a explicar: o denominado culto do “eu” constitui a chave da reflexão e da idealização relativas a medidas, decisões e impasses. Questões como “O que está a falhar no sistema de ensino?”, “Como podem ser os alunos beneficiados?”, “Será que as medidas que aprovo se adaptam à realidade nacional?”, ou mesmo “Até que ponto correspondem estas medidas às expectativas daqueles que sirvo — os mais jovens?”. É exactamente por tentar responder a tais questões que o Ministro da Educação ideal entra, à semelhança do herói romântico, em ruptura com o meio em que se insere: as suas preocupações colidem com as dos seus pares, cujas prioridades, como temos assistido em Portugal, tendem a afastar-se do bem estar e sucesso dos alunos.

Como o leitor facilmente poderá atestar, a nível do ensino secundário (mas não só), a educação e o “espaço escola” em Portugal são compostos de contrastes e não devem nem podem, de todo, ser aprovadas alterações nos planos curriculares desajustadas da realidade, sendo crucial o investimento em alternativas de acesso ao ensino superior, para além dos louváveis cursos técnico-profissionais. Na mesma linha de raciocínio, é importante que os planos curriculares se ajustem ao distrito, cidade, freguesia e, quiçá, a cada escola ou agrupamento. Será excessivamente idealista pensar a nível individual?

De facto, os ritmos divergentes dos 20 a 30 alunos em sala de aula impedem, muitas vezes, os professores de explorar determinados conceitos, vendo-se estes forçados a abordar conteúdos superficialmente para não “confundir ainda mais” os alunos com maiores dificuldades. Os indivíduos de maior facilidade a nível da aprendizagem deparam-se, então, com a impossibilidade de aprofundar o seu conhecimento na matéria, “prejudicados” pelos colegas. É de notar que, tal como os alunos de maiores dificuldades necessitam de apoio extra da parte dos docentes, também aqueles interessados em “investigar” um pouco mais gozam do direito de ver a sua necessidade satisfeita sem quaisquer constrangimentos ou impedimentos. Se, por acaso, os professores leccionam de forma mais detalhada, afastando-se dos aspectos que constam nas “metas”, as dificuldades de certos alunos agravam-se. Esta realidade deve ser alvo de reflexão urgente por todos aqueles responsáveis pelos programas e metas curriculares, que devem ser dotados de maior flexibilidade e prever uma maior autonomia da parte das escolas na delineação destes mesmos planos de estudos.

A meu ver, toda esta problemática deriva do pressuposto da homogeneidade dos alunos, o que torna o sistema de ensino infrutífero, pois os alunos portugueses não são todos iguais. O triunfo e resultados positivos do sistema de ensino “igual para todos”, que se verifica em Portugal, são gravemente prejudicados por esta assunção, sendo que o tão defendido princípio da equidade colide com esta mentalidade, ao basear-se na disponibilização de ferramentas diferentes no sentido de responder às variadas necessidades dos indivíduos. Cabe ao Estado garantir a satisfação e necessidades dos seus alunos, com os quais o Ministro da Educação se compromete.

Os “valores elevados” referidos não constituem utopias e idealismos, mas sim componentes do plano de trabalho do Ministro da Educação ideal, determinado a deixar um legado: um sistema de educação inclusivo e equalitário.

Quero realçar que não defendo, de todo, uma política de facilitismo, apenas a garantia de oportunidades iguais para todos os alunos, a quem, sendo indivíduos diferentes, têm de ser apresentados caminhos distintos (não desiguais) para um mesmo objectivo — que neste caso, será o ingresso no ensino superior. Metaforicamente, de acordo com os ingredientes disponíveis na despensa, podemos cozinhar vários bolos: chocolate, iogurte ou banana. No entanto, apesar das variações, o resultado será sempre um bolo, existindo ingredientes base, transversais a todas as receitas, como os ovos e a farinha. Na proposta que apresento em relação ao maior ajustamento das “metas” aos alunos, verificar-se-ão sempre disciplinas/módulos essenciais ao desenvolvimento de capacidades de raciocínio, de pensamento crítico e de criatividade.

A ideia que deixo poderá constituir o ponto de partida para uma reflexão mais abrangente e pormenorizada sobre o ensino secundário em Portugal e as suas lacunas, clarificando a postura a ser adoptada pelo Ministro da Educação que, para muitos, é o rosto do Estado e de quem depende o futuro de 391.538 alunos matriculados no ensino secundário em 2016 (Pordata).

Até à aplicação prática de algumas medidas, deixo, assim, a sugestão da leitura de clássicos do Romantismo, com o intuito da eventual aquisição de alguns conselhos úteis a nível de políticas educativas.

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