Não falam português, mas a nova casa é Pedrógão

Procuram a calma, a natureza, o clima ou, simplesmente, o sentimento de comunidade. Apesar de o território ainda não estar completamente recuperado do incêndio de 2017, há quem venha de fora e queira estabelecer-se na região.

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Jelle, Sietske e os três filhos. O casal esteve em Pedrógão dias antes dos incêndios Adriano Miranda

Jelle e Sietske vivem por estes dias no Parque de Campismo de Pedrógão Grande, enquanto esperam que o terreno que compraram não muito longe dali esteja pronto a instalar uma habitação provisória. O casal de holandeses mudou-se para Portugal acompanhado pelos três filhos, depois de na Primavera de 2017 ter por ali passado em férias. Com eles veio também Hugo, o buldogue francês com um olho e dez anos, que exerce com pouca convicção e demasiada amabilidade as funções de guarda à carrinha vermelha que os aloja.

Tal como esta família holandesa, há quem tenha decidido comprar casa e instalar-se nas zonas afectadas pelos incêndios do ano passado, sem que o ambiente negativo causado pelas notícias da tragédia os tivesse convencido do contrário. Embora também haja portugueses nesse universo, há um número significativo de estrangeiros a fazê-lo, explicam os agentes imobiliários da região contactados pelo P2.

Sentados à mesa de madeira instalada no exterior da carrinha, com a albufeira da Barragem do Cabril em pano de fundo, Jelle Schrooten começa por oferecer pastéis de nata para introduzir a conversa sobre o projecto que tem para o futuro no terreno que o casal comprou na aldeia da Graça, concelho de Pedrógão Grande. A ideia é fazer das ruínas (que já o eram antes do incêndio) uma casa e montar um pequeno complexo de quatro tendas para turistas.

Parte das encostas da margem do rio Zêzere lembra ainda a passagem do fogo, embora o tom inicial de antracite tenha dado lugar a manchas de castanho-esbatido. Mas a área que sobreviveu ao incêndio que deflagrou a 17 de Junho mostra também uma das razões que os levaram a mudar-se dos arredores de Roterdão para o centro de Portugal, destaca Sietske van den Oord: verde, montanhas e água. Acrescente-se o clima.

Ela, agora com 40 anos, tinha um restaurante, e ele, 41, era músico. Tinham também um estabelecimento de ocupação de tempos livres para crianças. Decidiram vender tudo no ano passado e viajar pela Europa, começando pela Bélgica, passando depois por França, Espanha, Portugal e Itália. “Se encontrássemos algo e se nos sentíssemos bem num sítio”, mudar de país era desde logo uma opção, diz Jelle.

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“Grande parte da decisão de vir para Portugal foram os portugueses", diz Jelle Adriano Miranda

A história de Anita e Andrew Crompton é diferente. Ainda não se mudaram definitivamente para Portugal e ainda não abriram mão de uma casa em Brackley, localidade britânica a meio caminho entre Londres e Birmingham. O processo de decisão também foi mais prolongado. “Tínhamos pensado comprar uma casa no estrangeiro há algum tempo e tomámos a decisão de comprar um imóvel na região centro em 2016”, conta Anita ao P2 por email. Desde aí, o casal britânico na casa dos 50 anos tinha andado a procurar o lugar ideal.

Encontraram-no numa moradia de quatro quartos com “um jardim adorável” em Pedrógão Grande, que “precisa de alguma modernização, mas é habitável”. A descrição é feita por Anita, uma agente imobiliária aposentada, que explica que, como o casal ainda tem negócios em Inglaterra, dividirão o tempo entre os dois países durante os próximos anos. A irmã e o cunhado já viviam em Alvares, no concelho de Góis, não muito longe de Pedrógão, quando o casal britânico visitou a região há quatro anos.

Mudança da paisagem

A notícia do incêndio devastador chegou à família holandesa pelas notícias. “Ficámos em choque”, recorda Jelle, até porque tinham deixado a região há poucos dias, prosseguindo a viagem em direcção ao Norte de Espanha.

Na hora de fazer opções, o incêndio teve peso na escolha de um lugar? “É um ponto a ter em atenção”, diz Jelle. Contudo, acaba por relativizar. Cada localização tem a sua circunstância: das proximidades a falhas tectónicas à cidade italiana de Nápoles, nas imediações do vulcão Vesúvio. A própria Holanda está abaixo do nível do mar. “Vivemos numa banheira. Se o dique rompe, metade do país já era. Estamos habituados a essa ideia e provavelmente as pessoas aqui também estão habituadas a incêndios.”

Anita Crompton diz que os incêndios não influenciaram a decisão. “De forma nenhuma. Já nos tínhamos comprometido a encontrar uma casa aqui.” Depois de Junho, a eventualidade da repetição do fenómeno não ficou a pairar. Na verdade, nem sequer se colocou, assegura. O processo de compra começou em Novembro de 2017 e terminou já no início deste ano. Tem a convicção de que “não se pode tomar decisões sobre a vida a pensar em todas as coisas terríveis que podem acontecer”.

Mas a diferença entre o antes e depois não passa ao lado de quem voltou à região. “Ainda há partes verdes, mas a paisagem mudou”, nota Sietske. No percurso pela estrada desde a fronteira com Espanha, no regresso a Portugal, descreve Jelle, começaram a ver os esqueletos das árvores calcinadas. “Estendia-se por horas e horas. Então começámos a aperceber-nos do quão grande foi o incêndio.”

Discutem e questionam o papel do eucalipto na combustão, a preocupação de que a floresta volte ao mesmo, as políticas de prevenção e as possibilidades de mudança. Com três filhos pequenos e um negócio direccionado para turismo, “é preciso ter um plano”, caso alguma coisa aconteça. Mas não deixaram que isso fosse um factor impeditivo.

“Forte sentimento de comunidade”

Paul Brownlie fala com o P2 ao telefone a partir de Kelso, uma pequena cidade escocesa na fronteira com Inglaterra. Esteve em Portugal pela primeira vez há dez anos, em trabalho, e já na altura viu “o potencial óbvio da zona”. Mas só em Outubro o escocês de 34 anos tomou a decisão de se mudar com a família – mulher e dois filhos, de seis e dois anos – para a aldeia de Aveleira, no concelho de Vila de Rei.

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Jelle e Sietske tinham estado em Pedrógão poucos dias antes dos incêndios Adriano Miranda

A “abordagem relaxada dos portugueses à vida”, o clima e o vinho foram factores que os levaram a escolher o país. Mas houve mais: “Penso que as zonas rurais de Portugal têm um forte sentimento de comunidade que se perdeu no Reino Unido. Desde as festas, as conversas no supermercado até à gentileza e bondade que encontrámos.”

Acabaram por comprar uma casa que fora destruída pelas chamas. Da moradia de rés-do-chão e 1.º andar só sobraram as paredes. “Não tem telhado, janelas, nem portas”, descreve, “mas algumas árvores da propriedade, como oliveiras e laranjeiras, sobreviveram”.

Os incêndios de Pedrógão não chegaram àquela zona do distrito de Castelo Branco, mas, em Agosto, um fogo que não causou vítimas mortais acabou por destruir algumas casas. Apesar de Paul Brownlie ter a intenção de se mudar para Portugal com a família, ainda não tem um calendário definido. “Pode demorar entre três e cinco anos”, afirma. Tudo depende do tempo que leve a reconstruir a casa, trabalho que ainda nem começou.

Jelle e Sietske já estão a viver em Pedrógão e por cá vão ficar com os três rapazes, de cinco meses, de três e de seis anos, até que o novo lar esteja pronto. É também nessa perspectiva de se integrarem na comunidade que escolheram o país. “Grande parte da decisão de vir para Portugal foram os portugueses. São extremamente amigáveis e hospitaleiros em relação às crianças e aos animais, muito diferente dos países em que estivemos”, avalia Jelle. E preferiram instalar-se numa zona do país cuja tendência é a de perder população jovem. A propósito, o filho mais velho entra este ano para a escola primária e o casal quer que ele comece a aprender português.

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