Importações de carvão subiram para valor mais alto em 11 anos

A seca em 2017 levou os produtores de electricidade a aumentar as compras de carvão em 16%. Factura disparou 71% com subida de preços.

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Hulha é usada a nível mundial para produzir electricidade Reuters
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Até 2030 deixará de haver produção de electricidade a carvão em Portugal, de acordo com o Governo Daniel Rocha

Há 11 anos que Portugal não comprava tanto carvão como em 2017. Naquele que foi o segundo ano mais quente e o terceiro mais seco desde 1931, e em que a produção hidroeléctrica caiu drasticamente, as importações portuguesas de carvão subiram 16%, para 5,9 milhões de toneladas. É preciso recuar até 2006 para encontrar um valor desta dimensão – aproximadamente seis milhões de toneladas.

Mas o ano de 2017 não ficou marcado apenas pelo maior recurso de Portugal ao carvão, que é utilizado quase exclusivamente para a produção de electricidade: a factura do país com esta matéria-prima disparou 71% face a 2016, atingindo os 444 milhões de euros.

Na factura energética portuguesa de 2017 a análise feita pela Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG) sobre as importações já assinalava “o aumento do peso do carvão” na estrutura global de custos, ao passar de 4,1% para 5,5% do total (o terceiro maior após os produtos petrolíferos e o gás natural). 

A subida da factura explica-se com o aumento das importações, mas essencialmente com o preço desta matéria-prima, já que, no ano passado, o valor médio anual foi de 76 euros por tonelada, mais 52% face a 2016.

O valor de 444 milhões em compras de carvão foi o mais alto desde 2004, o último ano para o qual foi possível conseguir dados. Já em termos de quantidade, as compras foram as mais elevadas dos últimos 11 anos: em 2006, importaram-se 6229 toneladas, acima da quantidade agora registada, mas num contexto de preços mais baixos.

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Crescimento até Março

No primeiro trimestre deste ano verifica-se ainda uma subida de 2,5% das importações de carvão em termos homólogos, embora o mês de Março já tenha representado uma descida de 1% face ao mesmo mês de 2017. Isto devido à “diminuição da utilização nas centrais termoeléctricas”, de acordo com os dados das estatísticas rápidas da DGEG.

“No nosso caso, tratou-se da reposição de stocks, além de que esta é a altura do ano em que se contratam os barcos [que trazem o carvão para Portugal]”, respondeu ao PÚBLICO o presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, sobre o motivo pelo qual Portugal comprou mais carvão no primeiro trimestre de 2018, ainda que o ano esteja a ser mais chuvoso. A Endesa divide com a Trustenergy o capital de uma das duas centrais a carvão em Portugal: a termoeléctrica do Pego, em Abrantes, com 628 megawatts (MW) de potência instalada. A outra, de Sines, é explorada pela EDP, tem 1200 MW, e é o maior centro electroprodutor do país.

Nuno Ribeiro da Silva sublinhou que neste começo de ano “o recurso às térmicas continua a ser intenso”, não só porque houve um aumento da procura”, mas também porque, “apesar das semanas de muita chuva em Abril, em Maio a precipitação esteve muito abaixo dos valores médios dos últimos 30 anos”.

Além disso, o gás natural, cujo preço está indexado ao petróleo, está mais caro e, logo, “menos competitivo face ao carvão”, notou o gestor. Como o sistema eléctrico está organizado em função daquilo a que se chama a ordem de mérito das ofertas, quando a oferta de produção renovável não é suficiente para a procura existente, é colocada a energia que tem o custo de produção mais baixo, que é o carvão.

Fim marcado

As centrais de Sines e do Pego têm data de exploração prevista até 2025 e 2021, respectivamente, não sendo certo se vão continuar a funcionar depois dessa data. Em Novembro passado, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, garantiu que até 2030 deixará de haver produção de electricidade a carvão em Portugal, mas, para já, são estas centrais que são chamadas a preencher a procura que não é assegurada pelas barragens e parques eólicos.

Pelo facto de terem estado em laboração intensiva em 2017, o ano que passou também ficou para a história como um dos mais poluentes. No ano passado, do total de energia eléctrica produzida em Portugal, só 42% proveio de fontes renováveis e os restantes 58% de combustíveis fósseis: 24,2% do carvão e 24,3% do gás natural (que é menos poluente, mas mais caro). Consequentemente, as emissões de dióxido de carbono aumentaram em quatro milhões de toneladas (ou mais 25%) face a 2016, para um total de 19,4 milhões.

“Com os efeitos da seca na produção de electricidade e com grandes áreas ardidas, o ano de 2017 é o ano com maiores emissões de gases com efeito de estufa em Portugal desde o início da década”, revelaram a associação ambientalista ZERO e a associação dos produtores de energias renováveis, a APREN, num comunicado conjunto, divulgado em Janeiro. Os dados mais recentes da APREN revelam que entre Janeiro e Maio a produção renovável atingiu 64,2% e a fóssil representou 35,7%, dos quais 15% relativos ao carvão.

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Colômbia é o principal fornecedor

A hulha (carvão mineral rico em carbono) é toda importada, uma vez que já não há minas de carvão em Portugal. O principal abastecedor de Portugal é Colômbia, com um peso de 79% do total de carvão importado. Este país é, aliás, um dos grandes fornecedores da Europa (com destaque para a Holanda e para a Alemanha).

Em termos europeus, e de acordo com os dados do Eurostat referentes a 2016, a Colômbia foi o segundo maior exportador de carvão para a UE, sendo responsável por 23% do total, cabendo à Rússia a primazia do abastecimento, com um peso de 32%. No que toca a Portugal, a Rússia é o terceiro maior, com 5% (tornou-se no ano passado o principal fornecedor de petróleo do mercado nacional, superando Angola), logo depois dos EUA, que aumentaram o seu peso de 2% para 13% do total entre 2016 e 2017.

António Costa Silva, presidente da petrolífera da Gulbenkian, já afirmara no início deste ano, em entrevista ao PÚBLICO, que “o carvão barato que sobra dos Estados Unidos está a ser exportado para a Europa”, que se apresenta como a “campeã da redução das emissões de CO2”. “Toda a gente fala do petróleo e gás, há uma espécie de demonização, e ninguém fala do grande elefante que está na sala, o carvão”, afirmou então o gestor. Juntos, a Colômbia, os EUA e a Rússia são responsáveis por 97% das importações de hulha de Portugal.

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