Portugal de Lés-a-Lés fez vinte anos e está aí para as curvas

Mais, mais e mais. A vigésima edição do maior evento de mototurismo da Europa, que este ano ligou Faro a Felgueiras, passando por Montalegre, voltou a bater recordes: foi a que teve mais gente, a mais internacional, a mais longa e talvez a mais espectacular de sempre. Agora, mais só para o ano.

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Delfina Brochado

Um é operário de construção civil, o outro também e o terceiro é pintor, na construção civil. Chamam-se, respectivamente, Carlos Manuel, Carlos Manuel e Carlos Manuel. Têm motos de alta cilindrada de matrícula helvética e mais coisas em comum, como a opinião de que este 20.º Portugal Lés-a-Lés (LaL), que de 30 de Maio a 2 de Junho ligou Faro a Felgueiras, após subir a Montalegre, “valeu por toda a saison na Suíça”. Que é como quem diz que estes quatro dias de passeio em Portugal dão tanto gozo a quem gosta de andar de moto como os meses todos em que se reactiva o seguro e o registo da moto que, na Suíça, os rigores do Inverno obrigam a suspender e depositar. Agora, num breve repouso na esplanada do bucólico parque do Torrão da Veiga, na aldeia raiana de Salto, em Montalegre, estes homens entre os 42 e os 48 anos repetem uma ideia que se ouve a toda a hora aos elementos da caravana que vivem no estrangeiro: nos seus países não há nada de comparável.

Carlos Manuel, Carlos Manuel e Carlos Manuel elogiam as paisagens suíças, os cols [estradas panorâmicas de montanha] da Suíça e países vizinhos que partilham os Alpes, mas asseguram que as autoridades helvéticas jamais permitiriam que se juntasse uma caravana com mais de 1900 motos como a LaL deste ano — mais de 2100 pessoas, um recorde —, que fosse ao tipo de sítios a que esta vai e em que os participantes andassem com esta descontracção, assim tão à vontade…

Nascido em 1999, na ideia de elementos de motoclubes que se lembraram de ligar, em 24 horas, um extremo de Portugal a outro — nessa 1.ª edição, Rio de Onor e Sagres —, o Portugal de Lés-a-Lés é hoje organizado pela secção de mototurismo da Federação de Motociclismo de Portugal (FMP). Alguns dos cerca de cem pioneiros de 1999 nunca falharam uma edição e até há pelo menos um que continua a participar com a mesma moto. A duração do evento também tem vindo a aumentar, as duas últimas edições tiveram quatro dias: além dos três dias de etapas regulares, há um primeiro dia dedicado às verificações técnicas, à entrega dos road-books (cheios de informações culturais, curiosidades e humor) e àquilo a que, Ernesto Brochado, da FPM — um pioneiro, organizador e speaker do LaL, — insiste que é preciso chamar “passeio de abertura”. Rejeita-se o termo “prólogo”, pelas conotações desportivas que se pretende afastar.

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De facto, o LaL existe para quem gosta muito de andar de moto, sem medo das distâncias, mas também de apreciar a paisagem, de descobrir coisas novas do país. E não raro ouvem-se exclamações do género “mas como é que eu não sabia que isto existia em Portugal”.

O LaL parte sempre no local onde acabou no ano anterior. A 19.ª edição acabou em Faro, por isso foi neste distrito que decorreu o passeio de abertura da 20.ª edição. São poucos quilómetros, para que possam ser feitos por quem chega do outro extremo do país a meio do próprio dia, se necessário. E o mais que se vê são abraços de reencontros, que o LaL também é o tipo de evento onde é muito fácil fazer novos amigos.

Parque do Ludo, junto à ribeira de São Lourenço, salinas e ilha de Faro foram alguns dos pontos por onde a caravana andou no primeiro dia. Seguiu-se a visita ao Palácio de Estoi, agora propriedade da Câmara de Faro, presidida por Rogério Bacalhau, apenas um dos vários autarcas-motards que fazem questão de participar no LaL. Por uma estrada estreita, de mau piso, com muitas motos nos dois sentidos, mas com uma vista fantástica sobre Faro, a ria Formosa, as praias e sobre tudo, chegou-se a um dos pontos altos do dia, sem trocadilhos: o Cerro de São Miguel, com o seu marco geodésico a 411 metros de altitude — o Fóia, em Monchique, está 902 metros acima do mar, mas o Cerro de São Miguel está mesmo aqui e é um miradouro sobre as praias. A visita ao moinho de marés do Centro de Educação Ambiental de Marim, no Parque Natural da Ria Formosa, e romagem obrigatória à impressionante sede do Moto Clube de Faro, a “catedral”, já deram direito ao jantar e festa no jardim Manuel Bívar, no centro de Faro — o local onde a 17 de Junho do ano passado muitos festejaram a conclusão do 19.ª edição, sem desconfiar das notícias terríveis das vítimas mortais dos incêndios que haviam de sobressaltar o país por essa noite adentro. Uma memória, aliás, muito presente na edição deste ano, pelo percurso escolhido.

Foram apenas 65 quilómetros à volta de Faro, mas chegaram para deixar já encantados um russo que, com a sua companheira ucraniana, confraterniza com um amigo americano e outro alemão. Roman Iglin é o presidente da federação de mototurismo da região russa de Belgorod e faz parte de um grupo de convidados da FMP. Em 2015 participou numa viagem intercontinental a comemorar a vitória russa na II Guerra Mundial e a promover a paz. “Na Rússia temos concentrações, mas nenhum evento do género do LaL. Fazem-se viagens até ao lago Baical, por exemplo, mas são distâncias de 2200 quilómetros, são viagens de Iron Butt [“Rabo de ferro”, resistência], e não de turismo.

A primeira etapa, entre Faro e Portalegre, levou a caravana por estradas belíssimas, como a EN124, e era para incluir uma passagem a vau que não se concretizou por falta de colaboração da Ribeira de Carreira, que tratou os motards com uma secura extrema. Cumpriu-se, sim, um pacífico assalto a Mértola pela íngreme calçada que lhe serve de varanda sobre o Guadiana. Foi aqui, à beira-rio, que se comeram os queijos e enchidos servidos pelos elementos do Moto Clube Os Falcões das Muralhas. São os chamados “oásis”. A inscrição dá direito a ir comendo nestes pontos onde há petiscos e vários tipos de bebidas, que a organização, os motoclubes, as autarquias e os patrocinadores vão oferecendo.

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Inscrição de 175 euros

Nos últimos anos, com a dimensão da comitiva, deixou de ser possível pôr toda a gente a almoçar, a horas de almoço, num mesmo sítio. Assim, hoje vai-se comendo, ao longo do dia. Há, sim, jantar oferecido em mercados ou pavilhões dos municípios onde acabam as etapas. De qualquer modo, o LaL não é um festa pantagruélica. Este ano, quem não gostasse de rancho e embarcasse em três dias de declinações do conceito ao jantar estava mal. A verdade é que são muitas as pessoas que esgotam restaurantes por onde passa o LaL — e essa também é uma contribuição importante do evento para a economia dos concelhos que atravessa. E a organização também disponibiliza espaços onde pode estender um colchão e um saco-cama a quem já não conseguiu marcar hotel a uma distância aceitável ou pura e simplesmente não quis. É que a inscrição aumentou 25 euros, este ano, está agora nos 175 euros, e será sempre preciso somar-lhes o custo do combustível, dos restaurantes se for caso disso, e da viagem de ida ou de regresso. Puxado? “Temos que ter uma organização cada vez maior, damos de comer às pessoas e a verdade é que ainda cobramos menos do que outros eventos do género”, contrapõe Ernesto Brochado. As agências de viagens já fazem pacotes para o LaL, com preços que variam muito, como varia também a categoria dos hotéis. O percurso da próxima edição do LaL torna-se assim uma espécie de segredo de Estado, com significado económico. Costuma ser apresentado em Fevereiro e gera uma corrida compreensível que inflaciona o custo dos serviços hoteleiros.

Ao longo de todo o LaL os motoclubes continuam a ser actores decisivos. Às vezes são literalmente actores, recriando cenários que ora são mais fiéis à história, ora são mais fiéis à borga, por vezes com trajes a rigor e personagens muito bem interpretadas. Também são muitas vezes os elementos dos motoclubes que “picam”, em pontos não revelados do percurso, as tarjetas que os participantes recebem no início do LaL, para trazerem ao pescoço. As tarjetas têm campos nos quais os controladores fazem um furo, com alicates de validação, a certificar que o participante passou efectivamente por ali, cumprindo o percurso prescrito. Há quem tenha muito gosto em chegar ao fim com a tarjeta com os furos todos e quem não leve isso muito a sério. Mas é frequente, nos locais de paragem, ouvir-se os motociclistas perguntarem “pica-se aqui”, “onde é que se pica?”

À tarde o percurso incluía como opção a visita até ao Pulo do Lobo. Não foi nada que a organização acabasse por incentivar — afinal, era um total de 35 quilómetros a mais, numa estrada estreita e lenta, com a parte final em terra e pedra – mas cerca de metade foi mesmo ao Pulo do lobo, quis aproveitar a oportunidade de chegar com as motos bem perto da queda de água, na garganta que estrangula o Guadiana.

Em destaque nesta primeira etapa esteve também a subida a Évora-Monte — cenário da convenção que pôs fim à guerra entre liberais e absolutistas — quer pela beleza da paisagem a toda a volta do castelo, quer por ter sido o sítio onde foi mais evidente a existência de muito mais motos do que espaço. Na generalidade dos sítios, a organização conseguiu o milagre de assegurar grande rotatividade, para que a partida de muitos permitisse o estacionamento de tantos.

Não passará, não passou mesmo

Filipe Nascimento, a quem chamam Pim-Pim, é um dos elementos mais conhecidos da caravana. Este jovem de Faro é paraplégico e participou, tal como no ano passado, numa Vespa com side car. O road-book desta 20.ª edição continha mesmo uma indicação que lhe era exclusivamente destinada. A propósito de uma passagem pelo centro histórico de Monforte, chamava assim a atenção para um local mais apertado: “Pim-Pim, o teu side car não passa”.

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Desgraçadamente, o aviso foi escusado. Ainda na serra algarvia, a Vespa de Pim-Pim, que vinha sendo reforçada nos últimos dias, levando mesmo nova embraiagem na véspera da partida, entregou a alma ao Criador, com um pistão a abrir um buraco no motor! Grande tristeza, Pim-Pim e o seu veículo lá tiveram de voltar de reboque, a meio da manhã, para Faro. Mas ninguém estava preparado para uma desistência e, com o auxílio de amigos, como noutras situações, Pim-Pim foi a casa buscar o jipe e acabou por acompanhar assim a caravana. Até Felgueiras, pois claro.

A seguir a Monforte, e de novo como opção, os participantes foram alertados para a proximidade das ruínas romanas de Torre de Palma. E o LaL foi-se aproximando de Portalegre, a meta desta primeira etapa, trocando gradualmente as rectas e planícies do baixo Alentejo pelas curvas refrescantes da serra da São Mamede, com uma entrada épica em Portalegre, descendo desde o miradouro da Fonte dos Amores, a 628 metros de altitude. E completaram-se em Portalegre os 430 quilómetros da 1.ª etapa.

Para o primeiro dia de Junho estava reservada a segunda etapa deste 20.º Portugal de Lés-a-Lés, que dava direito a um aviso aos participantes. A distância a percorrer não parecia nada do outro mundo, eram 392 quilómetros, mas a etapa era muito longa, em termos de tempo de condução — 12 horas.

Com uma caravana tão grande, a única forma de garantir que ninguém se atropela é fazer os veículos mais lentos começarem a partir à frente, e bem cedo. Foi o que se fez com o grande contingente de “cinquentinhas”, motos com 50 cc de cilindrada, que este ano vieram de Santo Estêvão, no Ribatejo, e que concluíram o LaL em grande estilo. E também com o grupo das vespas de Faro, por exemplo, com o plátano do Rossio de Portalegre, uma das árvores mais conhecidas do país, pela sua dimensão e vetusta idade de 180 anos, a testemunhar as primeiras partidas, do palanque, logo às seis da manhã. Ui!

O primeiro “oásis” com café do dia, no castelo de Amieira do Tejo, oferece a oportunidade de quem quiser — e querem sempre muitos — conversar com o ex-ciclista Cândido Barbosa. “Em 2010 terminei a carreira, em 2011 fiz o LaL pela primeira vez e até agora não falhei nenhum. São os meus três dias, que reservo na agenda. Só se houver um contratempo sério, de saúde ou profissional, é que não virei”, conta o “Foguete de Rebordosa”, que não chegou a vencer a Volta a Portugal, mas que se fartou de vencer etapas.

Esta 2.ª etapa do LaL prosseguiu com um troço em terra batida, com a passagem pela ponte romana de Albarrol, sobre a ribeira de Figueiró, e — heresia no LaL, que não pisa auto-estradas nem sequer IP — um pouco de IP2, a caminho da barragem do Fratel, sobre o Tejo, para logo a seguir percorrer a barragem de Pracana, sobre o rio Ocreza.

Com a entrada no Pinhal Interior revela-se a tragédia dos fogos do ano passado. Este concelho de Mação foi um dos mais afectados mas foi também um daqueles que a FMP ajudou a reflorestar, com 120 sobreiros e 280 azinheiras.

Álvaro é uma aldeia que já fica no concelho de Oleiros. As chamas de 2017 andaram mesmo pelas ruas principais, destruindo algumas casas. Mas esta aldeia de xisto, ainda que rebocada a branco, não deixou de ser um postal impressionante, com o seu miradouro estendido sobre a enorme bacia que a barragem do Cabril (pouco adiante, já no IC8, junto a Pedrógão Grande) encheu por aqui. Álvaro tem uma estrada a descer até à água, numa curva larga cheia de recantos magníficos, e é daqueles sítios do LaL onde, logo à chegada, prometemos voltar.

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No “oásis” montado no jardim do centro da Pampilhosa da Serra, Rita Martins, de 39 anos, aguarda na fila para o almoço com o namorado. Não é pendura, conduz a sua própria moto. “A organização disse-me que haverá dez ou doze mulheres a conduzir, realmente é pena não haver mais”, comenta esta gerente de uma unidade hoteleira de Cascais, que faz moto-ralis. Ela e o namorado têm capacetes pintados à mão por Nuno Draws, um artista neste campo, que mostram o logótipo do Lés-a-Lés, mapas, uma bússola e coisas deles.

A barragem de Santa Luzia é outro daqueles lugares de beleza perturbante. Fantástica a descida até àquele ponto que leva o road-book a interpelar-nos: “Sentes-te minorca?” É claro que sim. Estamos aos pés do paredão de 76 metros que retém o rio Unhais, numa garganta utilizada pelos praticantes de escalada.

Esta segunda etapa apresentou aos participantes Fajão, outra aldeia de xisto-presépio, digna de postal, tal como a mais conhecida Piódão, e antes de acabar aos pés da Senhora dos Remédios, em Lamego, fê-los passar por Mangualde — com a sua praia artificial que muitos visitaram debaixo de chuva intensa, o Parque Botânico Arbutus do Demo em Vila Nova de Paiva, uma reconversão dos antigos viveiros da Junta Autónoma de Estradas. Por falar em botânica, o road-book convidava, com muita pertinência, a reparar como as zonas ardidas percorridas eram quase exclusivamente de eucalipto e pinhal e como os locais de floresta autóctone estavam preservados.

A chegada a Lamego, outra cidade cujo presidente da câmara, Ângelo Moura, é motard, e totalista do LaL, não aconteceu sem que se tivesse feito um belo troço ao longo do mítico rio Paiva, que muitos viram com uma bela luz já de fim de tarde, num dia em que, não estando frio, também não parecia sequer de Primavera.

Também não havia de ser o frio a intimidar o brasileiro Fábio de Carvalho, de 58 anos, cujos emblemas cosidos no blusão formam um autêntico atlas, com destaque para as viagens a locais de temperaturas bem baixas. Mas fez mesmo isso tudo que está no blusão?

“Fiz, graças a Deus. Há dois anos fui até Ushuaia, no extremo sul da América do Sul. É bárbaro, muito bacana, atravessa toda a Patagónia! No ano passado saí de São Paulo e fui a Prudhoe Bay, no norte do Alasca e de lá fomos até Miami. Foram 38 mil quilómetros, uma viagem de sonho”, diz. “Eu já viajei pela Europa e pela América, mas esse LaL, para mim, está sendo fabuloso, espectacular! Porque é um clima de passeio, conhece-se Portugal pelo interior. Eu adoro Portugal, estou a viver agora no Porto, as pessoas recebem bem, as aldeias são lindas, a comida é óptima, o grupo é bom, a organização… Estou fascinado! Pretendo, se Deus quiser, passar a fazer todos os anos. Já estou avisando meus amigos no Brasil que gostam de andar de moto: ‘para o ano vimos todos’”.

Fábio de Carvalho fala assim já no dia da terceira e derradeira etapa, no alto do Marão, numa manhã cheia de sol que transformou a chuva da véspera na memória adocicada de “uma coisa de 15 minutos, que até teve graça!”

Para chegar aqui, a caravana já andou a namorar o Douro e as cerejeiras de Penajóia, “onde nasce a primeira cereja da Europa”, e de Resende, onde a câmara ofereceu aos participantes no LaL uma caixa com cerejas deliciosas. Há motos estacionadas por todo o lado e um guarda em stress, que descarrega num conterrâneo reformado, que também tenta estacionar a sua. “Não pode ser aí, Zé! Parece que queres entrar na farmácia com a mota!” E o conterrâneo, que tenta encaixar a mota naquela parte do passeio não por comodidade mas por não vislumbrar alternativa, atira ao amigo que ele bem podia… ir fazer outra coisa.

O Norte magnético

Na caravana do LaL há figuras públicas — políticos, desportistas, actores — convidados pela ligação ao mototurismo, do qual se tornaram embaixadores. Mas nenhum é tão popular como o actor Vítor Norte, que atrai todo o tipo de gente a pedir a foto, o autógrafo, a conversa. Se o LaL precisasse de bússola, tinha aqui o seu Norte magnético. Não é esta situação especial que o impede de fazer o LaL com prazer, há sete anos consecutivos: “Dá para fazer nas calmas, tenho uma equipa extraordinária. As pessoas conhecem-me, mas é sempre um prazer ser reconhecido. Eu gosto das pessoas, faço o possível por ser agradável.”

Vítor Norte só faz mototurismo no Lal. “Guardo-me para aqui, mas no dia-a-dia o meu transporte é a mota. Aliás, quando às vezes vou buscar o carro ele não tem bateria. No LaL encontro centenas de amigos, e é sempre uma alegria. Jantamos juntos e paramos no caminho. Portugal é muito bonito e vamos a sítios que as pessoas que normalmente não saem das estradas nacionais não conhecem.”

Já a enfiar o capacete para deixar Resende, e começar a primeira das seis subidas e descidas a serras do dia, o holandês Max Hoekzama, de 53 anos, diz que costuma fazer passeios pelos Países Baixos com dois ou três amigos, mas que por lá há muitas concentrações, mas “não eventos de mototurismo abertos a todos e com esta dimensão”. Diz que está a adorar o LaL, e que só lamenta que, “para alguns, pareça ser uma corrida”. Mas este cozinheiro de profissão, num estabelecimento prisional, ressalva que, “num grupo tão grande, encontra-se necessariamente de tudo, incluindo quem ande com velocidade a mais”.

Na subida ao Marão, o road-book chama a atenção para a quantidade de carvalhos e bidoeiros partidos pelo peso do sincelo (gelo acumulado nos ramos), como se um gigante se tivesse deitado sobre eles.

Depois do Alvão, almoço volante em terrenos da Casa da Tojeira, uma unidade de turismo rural que também produz vinho verde em Cabeceiras de Basto, e subida a mais uma serra, agora a do Barroso, com paisagens para lavar a alma, pelo meio de prados muito verdes, carvalhais, aldeias belíssimas (como Vilarinho Seco) e formações rochosas curiosas, como o Nariz do Mundo, que dá o nome ao conhecido restaurante, ou os Cornos das Alturas [do Barroso].

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A barragem do Alto Rabagão ou de Pisões, com a pitoresca península que deixou a aldeia de Vilarinho dos Negrões no meio da água, são outras paisagens que obrigam os motards a encostar, para fotografar ou, pura e simplesmente contemplar, que chegados aqui já perceberam que há sensações que gadget algum poderá registar.

Ainda vem por aí a loucura da subida ao Castelo de Montalegre, onde o Moto Clube Os Conquistadores montou uma superprodução inspirada nas famosas sextas-feiras 13 e nas bruxas do Padre Fontes, com gente com a cabeça debaixo do braço a receber os motociclistas, homens a serem cozinhados em caldeirões, vampiros e diabos à solta.

Já se vê gente cansada, a esticar-se na relva do interior e exterior do castelo, mas ainda vêm aí mais vales, rios, pontes, barragens e depois da serra do Larouco é o momento de subir à da Cabreira, para ver (quem chegou a horas e encontrou bois dispostos a isso) chegas de bois em Vieira do Minho, e atravessar o curioso vale do rio Ferro, entre Fafe e Felgueiras.

Já passa bem da hora de jantar, ninguém repara muito em horas, e Ernesto Brochado continua no palanque, em Felgueiras, numa maratona de seis horas, a saudar os participantes que concluíram o 20.º LaL. Filipe Nascimento ficou sem moto, mas é chamado a passar pelo pórtico também, porque a sua persistência e as relações de camaradagem que se estabelecem à sua volta são também uma das imagens de marca do evento.

O espanhol Virgilio Wanden-Berghen, mais conhecido por Lin, é um dos fundadores da famosa concentração dos Pinguins, de Valhadolid, que, em resultado de uma cisão de motoclubes, deu origem ao actual La Leyenda Contínua, em Cantalejo, Segóvia.

Compreensivelmente, é a colaboração geral e boa relação entre os motoclubes portugueses que mais o impressiona no LaL. “Há pouco tempo que estes passeios com mais de um dia apareceram em Espanha. O Punta a Punta vai para o terceiro ano, mas é só para uma marca; a Rota dos Penitentes tem dez anos, mas é para fazer 1600 quilómetros em três dias, nos Pirenéus. Não há a parte turística. Está bem fazer quilómetros, mas também há que ver, há que comer, e apreciar a paisagem”, defende.

E isso é praticamente tudo o que se pode avançar, para já, sobre a edição do Portugal de Lés-a-Lés de 2019. Há-de partir de Felgueiras, com passeio de abertura pelo vale do rio Ferro, e há-de acabar noutra ponta do país, ou depois de ter passado por lá.

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