Para a OCDE o sucesso faz-se com professores bem avaliados e formados à medida das escolas. Portugal está fora

Relatório da OCDE mostra que Portugal não se encaixa nos parâmetros que os países com mais sucesso educativo adoptaram para com os seus professores tanto no que respeita à avaliação docente como ao tipo de formação que é oferecida durante o exercício da profissão.

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Para a OCDE, a observação do modo como as aulas são dadas deve ser a base da avaliação docente Nuno Ferreira Santos

Existem dois pontos de partida que devem ser assumidos pelos governos quando se trata de escolher as políticas de recrutamento de docentes e de valorização das carreiras, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A saber: a assunção de que “os professores são hoje o recurso mais importante das escolas” e de que cada um deles “pode mudar vidas”, não podendo, por isso, ser encarados como “um mero peão de uma cadeia de montagem”.

Feita a ressalva, que já por si é definidora das apostas que se devem privilegiar na educação, a OCDE foi analisar os inquéritos feitos a professores em 2015, na última edição do PISA (Programme for International Student Assessment), o programa que, de quatro em quatro anos, avalia a literacia dos alunos de 15 anos em matemática, ciências e leitura. Os resultados desta análise foram divulgados nesta segunda-feira através do relatório Effective Teacher Policies, no qual são coligidos dados de 72 países e economias.

Primeira constatação: apesar da variedade de modelos de selecção e de avaliação de professores e das diferenças nas estruturas da carreira docente e valorizações salariais, existem três pontos comuns nas políticas adoptadas pelos países que têm, em simultâneo, a maior percentagem de estudantes com as médias mais altas nos testes do PISA e a menor proporção dos que não conseguem sequer mostrar competências básicas. Existem 17 países e economias nesta situação, entre os quais figuram a Austrália, Canadá, Estónia, Finlândia, Alemanha, Hong Kong, Japão e Coreia.

E o que têm então estes países de sucesso em comum no que respeita às políticas seguidas para com os professores? Um período obrigatório de estágio prático (a dar aulas) que integra a formação inicial dos docentes ou é desenvolvido à entrada na carreira (em Portugal chama-se período probatório); uma ampla oferta de acções de formação desenvolvida pelas (e nas) próprias escolas tendo em conta as necessidades existentes em cada uma delas; e mecanismos de avaliação dos professores que estão mais orientados para possibilitar “um desenvolvimento profissional contínuo” (permitindo, por exemplo, que as falhas detectadas sejam corrigidas) do que para servir de base à progressão na carreira.

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Se fosse só uma questão de leis, Portugal poderia dar trunfos no que respeita ao primeiro ponto. Não só na legislação portuguesa existem estágios em escolas incluídos na formação inicial, como o Estatuto da Carreira Docente impõe que à entrada na profissão os professores cumpram um ano de período probatório, altura em que são acompanhados por docentes seniores e cuja avaliação se estipula como determinante para o ingresso na carreira. Ou seja, só terão um lugar definitivo os que tiverem pelo menos Bom na sua avaliação final.

Na prática o que se passa? “Nunca tive professor nenhum em período probatório. Não percebo nada disso”, desabafa José Eduardo Lemos, director da Escola Secundária Eça de Queirós, na Póvoa do Varzim, e presidente do Conselho das Escolas, que representa os directores junto do Ministério da Educação.

Já o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, garante que este período probatório “está a ser feito pelas escolas”. No caso concreto do seu agrupamento, o Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, há este ano “duas professoras nesta situação que estão a ser acompanhadas pelas coordenadoras dos respectivos departamentos”.

Nos últimos anos têm sido muitos os professores dispensados pelo próprio Ministério da Educação de cumprirem o período probatório. Isto porque quando finalmente entram na carreira já têm pelo menos cinco anos de experiência a dar aulas.

Observação de aulas

Em média, os professores portugueses são também obrigados a frequentar cerca de 50 horas de acções de formação em cada escalão (de quatro anos) onde estejam posicionados. Esta formação é obrigatória para efeitos de progressão na carreira, não estando, geralmente, destinada a suprir as necessidades detectadas pelas escolas. E é sobretudo desenvolvida em acções promovidas por entidades exteriores a estas. Já nos países de topo analisados pela OCDE a formação é feita, por exemplo, em workshops organizados pelos estabelecimentos de ensino e que reflectem as necessidades de mudança que são sentidas por estes. É uma formação feita "à medida" das escolas.

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Quanto à avaliação dos professores, a OCDE refere que nos 17 países mais bem posicionados nos testes PISA a observação do modo como as aulas são dadas, que é assegurada por outros professores, e as entrevistas a docentes são os mecanismos mais comuns. Geralmente, este processo é desenvolvido “tendo como objectivo o desenvolvimento profissional” do docente, sublinha. Já a avaliação que se destina sobretudo a servir de base à progressão na carreira e a valorizações salariais “é realizada apenas em poucos países”, nota a organização.

Portugal é um deles. Frisa a OCDE que por cá “os relatórios de auto-avaliação [dos professores] são a única fonte de informação para as avaliações regulares”. Os professores portugueses são obrigados a entregar estes relatórios anualmente, mas estes só são geralmente classificados de quatro em quatro anos (o que corresponde em média ao tempo de permanência em cada escalão). Já a observação de aulas, que é feita por avaliadores externos às escolas, só é obrigatória em dois dos 10 escalões da carreira docente e também se destina à progressão.

No seu relatório divulgado nesta segunda-feira a OCDE frisa o que já tinha apontado em 2013, num estudo sobre a avaliação docente. Que não há sítio melhor para avaliar a qualidade dos professores do que a sala de aula e que, por isso, “a avaliação docente deva estar firmemente ancorada na observação de aulas”. Então, como agora, Portugal era uma das poucas excepções a este postulado.

Como esta observação das aulas está relacionada em Portugal com a progressão em muitas escolas esta não se realizou durante os últimos sete anos em que as carreiras estiveram congeladas (2011-2017).  

Escolas carenciadas

A OCDE destaca também que nos países onde as escolas têm mais autonomia na contratação de professores se verifica uma melhoria nos resultados dos estudantes. Em Portugal, com a actual tutela, o recrutamento dos professores voltou a ser da exclusiva responsabilidade do Ministério da Educação.

Por outro lado, frisa ainda a OCDE, se é comum encontrar nas escolas carenciadas um maior número de professores por aluno, o mesmo já não se passa no que respeita à experiência e qualificações dos docentes que para ali são deslocados. Portugal é apontado como um dos países onde as escolas favorecidas empregam "significativamente mais professores seniores do que as escolas mais carenciadas”.

Perante este cenário, a OCDE defende que "as condições de trabalho e o salário têm de reflectir as situações em que as tarefas são mais difíceis, porque assim (os directores) terão mais capacidade para atrair os professores mais talentosos para as escolas mais desafiantes”.

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