Das (des)vantagens da contratação a termo

Seas alterações acordadas a 30 de maio na Concertação Social parecem ir na direção correta, infelizmente mais uma vez parte-se para a negociação e posterior decisão sem que haja um estudo de avaliação prospetiva destas medidas.

Um dos problemas estruturais do mercado de trabalho português, reconhecido pela generalidade dos parceiros sociais, é a sua segmentação com uma elevada proporção de contratos temporários ou a termo. Este problema é comum às economias do sul da Europa, nomeadamente Itália e Espanha, e tem a sua génese na transição dos regimes ditatoriais, com uma forte presença do Estado na regulação do trabalho, para regimes democráticos semelhantes aos existentes nas demais democracias ocidentais.

Uma das características do corporativismo social e político, de inspiração no fascismo italiano, que marcou profundamente Portugal e Espanha, era a sua capacidade de reprimir, ou pelo menos de cooptar, os movimentos sindicais e trabalhistas, bem como os grupos de interesse e as elites, através de instituições de representação corporativa subordinadas ao poder e autoridade do Estado, de que a Câmara Corporativa instituída pela Constituição de 1933 era um exemplo. Não admira, pois, que a regulação do mercado de trabalho em ambos os países seguisse uma matriz comum, com uma forte proteção do emprego, privilegiando-se a estabilidade, através da intervenção do Estado nos mercados de trabalho e do produto, fixando preços e salários, e protegendo os interesses das empresas instaladas e fiéis ao regime da concorrência interna e externa.

A conquista de direitos laborais e a liberdade sindical e democrática, fruto da instauração da democracia na década de setenta, não era consentânea com uma menor proteção do emprego, nomeadamente em termos de despedimento. Porém, a subida do desemprego, consequência da crise económica provocada pelos choques petrolíferos, obrigou a reformar o mercado de trabalho das economias ibéricas introduzindo elementos de maior flexibilização. Assim, em Portugal, em 1976 passa a ser permitida a celebração de contratos a termo por um prazo mínimo de seis meses e máximo de três anos, tendo Espanha adotado um regime semelhante nas reformas laborais de 1980 e 1984. A coexistência de dois regimes contratuais, a termo e sem termo, com diferenças muito significativas quanto à possibilidade de cessação do contrato por parte da entidade empregadora, deu origem a mercados de trabalho profundamente segmentados e duais, onde uma parte significativa da população empregada, nomeadamente a mais jovem, está em empregos precários de duração limitada.  Não admira, pois, que um número cada vez maior de investigadores se tenha preocupado em analisar as consequências da contratação a termo, seja em termos de volume de emprego, seja em termos salariais ou de carreira.

De forma resumida, as duas hipóteses em confronto são as seguintes: será que a contratação a termo constitui um primeiro passo para uma contratação sem termo futura (“stepping stone”), ao permitir diminuir o desconhecimento dos empregadores sobre as características dos futuros empregados, ou, pelo contrário, a contratação a termo, pela precariedade do vínculo que lhe está associada, desincentiva o investimento do empregador em formação, sendo a sucessiva passagem por contratos a prazo do mesmo trabalhador um sintoma de estagnação na sua carreira, impedindo a sua progressão e realização profissional?

Não é fácil concluir de forma definitiva qual das hipóteses se afigura correta. Vários estudos indicam que a contratação a prazo é uma fase anterior à contratação sem termo, e, como tal, tem um impacto positivo na qualidade do emprego. Mais, dado que os custos de despedimento são menores, as empresas não só correm menores riscos na contratação, como ficam com maior capacidade de adaptação a alterações conjunturais de mercado, podendo com facilidade ajustar a sua força de trabalho às necessidades. Assim, a introdução da possibilidade da contratação a termo reduz o desemprego, nomeadamente de trabalhadores mais jovens, com menor experiência, abrindo-lhes a porta do mercado de trabalho. Outros estudos mostram que a flexibilização da contratação a termo tem poucos efeitos no volume total de emprego, ampliando sim a volatilidade deste, incrementando os despedimentos em fases recessivas e aumentando as contratações em fases de expansão. Esta maior volatilidade incide essencialmente nos trabalhadores com contratos a prazo, impossibilitando assim a acumulação de capital humano e a progressão profissional.

Um estudo recente de economistas da Universidade de Pompeu Fabra, em Barcelona, publicado em maio na prestigiada revista britânica The Economic Journal, retoma este tema avaliando os efeitos de longo prazo da contratação a termo nas carreiras de jovens com baixas qualificações. Para tal, compararam o percurso profissional de jovens que fizeram 16 anos (idade mínima legal para trabalhar) no trimestre anterior e no trimestre posterior à reforma de 1984 que liberalizou a contratação a termo em Espanha. A vantagem do método escolhido pelos investigadores é que consegue comparar dois grupos com características muito semelhantes, submetidos a regimes legais diferentes num curto espaço de tempo, ao longo de quase três décadas, usando para tal os registos da segurança social. Os resultados confirmam o efeito positivo da contratação a termo com os jovens que atingiram a idade legal de trabalhar após a reforma a apresentarem uma maior probabilidade de encontrarem um emprego até aos 19 anos de idade. Porém, esta vantagem não foi “grátis” – na primeira década de trabalho este grupo de jovens observou perdas salariais de cerca de 9%, comparando com o grupo mais velho, sendo esta diferença persistente e situando-se em 7,5% vinte e sete anos depois. Esta perda salarial relativa é consentânea, não só com a hipótese de ter havido um ingresso mais tardio em empregos com contratação sem termo e melhor remunerados, mas também com a hipótese de menor investimento em formação por parte dos empregadores que optaram por este tipo de contratação.

O acordo  alcançado a 30 de maio em sede de Concertação Social, entre Governo, confederações patronais e UGT, introduz alguns limites à contratação a prazo, nomeadamente a redução máxima dos contratos a termo certo de três para dois anos, e facilita a contratação sem termo, ao alargar o período experimental de 90 para 180 dias para a contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração, o que poderá ir no sentido de uma maior conversão de contratos a termo em contratos permanentes. Já a eliminação do banco de horas individual, com a sua substituição por um banco de horas grupal, e a introdução de uma taxa sobre a rotatividade excessiva parecem de implementação prática difícil e não isenta de controvérsia, nomeadamente para pequenas e médias empresas ou para novas empresas, para as quais os riscos e a incerteza de mercado são maiores. Se por um lado estas alterações parecem ir na direção correta, infelizmente mais uma vez parte-se para a negociação e posterior decisão sem que haja um estudo de avaliação prospetiva destas medidas, pelo menos que seja do conhecimento público. Esperemos que a boa prática instituída em Portugal de produção de relatórios periódicos de acompanhamento dos acordos sobre a Retribuição Mínima Mensal Garantida seja também seguida para o caso das alterações legislativas que incidem sobre as questões aqui abordadas.

Cidadania Social — Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais www.cidadaniasocial.pt 

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