"As expectativas para a cimeira eram demasiado elevadas"

Tanto Kim como Trump chegam a Singapura com vitórias pelo caminho, diz a analista do Stimson Center, Jenny Town. Mas o líder norte-coreano chega mais fortalecido "apenas por a cimeira estar a acontecer".

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Há possibilidade de o encontro entre Kim e Trump acabar por se reduzir a uma simples coreografia televisiva?
É claro que é uma possibilidade. Quando isto começou, as expectativas sobre o que poderia ser alcançado na cimeira eram demasiado elevadas. Pensou-se que seria fácil, que teríamos este encontro, fechávamos um acordo e os problemas ficavam resolvidos. Mas não é certamente esse o caso. As mensagens vindas da Casa Branca nos últimos dias são muito mais realistas e reduziram bastante as expectativas. Penso que estão a tentar elaborar um guião daquilo que as negociações vão incluir para haver um objectivo final consensual e um prazo também consensual. Obviamente que [os dois líderes] também vão querer fazer algum tipo de grande gesto que possa servir para dar início ao processo.

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Jenny Town

Quem chega a Singapura numa posição mais forte?
Ambos conseguiram algumas vitórias no caminho até aqui. E ambos chegam numa posição forte. Mas Kim está mais fortalecido apenas porque a cimeira está a acontecer. Isto era algo que os norte-coreanos queriam há décadas. Ajuda a legitimar a reputação pública, especialmente depois de ter sido declarada vitória no desenvolvimento das suas capacidades nucleares. 

O abandono norte-americano do acordo com o Irão teve impacto negativo na avaliação que a Coreia do Norte faz deste processo?
Certamente reforçou a imagem que a Coreia do Norte já tem acerca das garantias dadas pelos EUA. Já viram como os EUA abandonam acordos bilaterais ou multilaterais, portanto isto é consistente com a experiência que têm com os EUA. Se ficaram chocados, não creio. É por isso que qualquer expectativa que a Coreia do Norte faça concessões rápidas confiando na boa fé dos EUA tem de ser muito baixa. Em vez disso, eles vão tentar sempre avaliar como evolui essa relação e perceber se podem confiar nos EUA.

Trump deve abordar os abusos de direitos humanos durante o encontro com Kim, tal como a ONU pediu?
Penso que, a certa altura, Trump o poderá fazer. Não propriamente em relação às condições das colónias penais ou questões muito concretas, mas mais centrado no aspecto de política externa: os raptos, os detidos, os restos mortais de prisioneiros da Guerra da Coreia, ou reuniões familiares. À medida que nos aproximarmos de uma normalização das relações, penso que estas questões irão surgir mais frequentemente. As mensagens da equipa negocial não indicam que seja provável que isso aconteça nesta cimeira, mas é algo que irá surgir durante o processo negocial futuro. Mesmo para o Congresso concordar com uma normalização de relações, a questão dos direitos humanos irá certamente ser abordada. Não podemos ignorar pura e simplesmente este tema.

Que podem fazer outros países da região, que têm prioridades diferentes, para que os seus objectivos não sejam postos de lado neste processo?
A China e a Rússia estão a tentar fazer com que as suas vozes sejam ouvidas e que os seus interesses sejam tomados em consideração. E acho que o estão a fazer de forma muito sonora, através dos seus encontros com Kim Jong-un. Os chineses consideram que Moon Jae-in tem trabalhado arduamente para manter a China de lado, enquanto os EUA e a Coreia do Sul tentam negociar com a Coreia do Norte. Os russos e os chineses já deixaram bem claro que não vão ser postos de lado e que irão trabalhar com Kim. Se os rumores são verdadeiros e Trump, Kim e Moon se vão juntar para fazer uma declaração para acabar com a Guerra da Coreia, sem consultar a China, então os chineses podem passar a adoptar um papel de perturbadores do processo. Isso não significa que a China não quer paz na Península Coreana, mas há implicações políticas mais vastas de uma declaração de fim da guerra. E há implicações legais também, uma vez que a China também assinou o armistício. Eles irão achar muito insultuoso que se tenham estas conversações de paz sem que sejam consultados.

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