Despejos na Madragoa: “O turista agora sou eu que moro aqui há 51 anos”

Numa visita a este bairro histórico, o PCP insiste que é urgente transformar património municipal devoluto em casas que possam ser arrendadas a preços acessíveis.

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Ilda Pacheco, habitante do Bairro da Madragoa desde os dois anos de idade. Rita Rodrigues
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Rita Rodrigues
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O vereador João Ferreira na casa de um morador do Bairro da Madragoa. Rita Rodrigues
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Faixa de protesto contra os despejos Rita Rodrigues
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Membros do PCP em visita ao Bairro. Rita Rodrigues
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O vereador Carlos Moura em conversa com um morador Rita Rodrigues

Não há bairro histórico de Lisboa em que os moradores não tenham histórias para contar sobre o aumento das rendas ou as ameaças de despejo. A Madragoa, na freguesia da Estrela, é mais um caso. Nesta quarta-feira, foi a vez de os vereadores comunistas irem ouvir estas histórias e insistir que o património municipal seja reabilitado para entrar no mercado a preços acessíveis.

“Agora se calhar estou sujeita a ir para a rua, ainda não recebi nenhuma carta mas o mais certo é isso.” Ilda Pacheco veio morar para o Bairro da Madragoa, para casa de uma irmã, com dois anos. Algum tempo depois casou-se, já lá vão mais de 60 anos, e mudou-se para o prédio em que mora agora. Ali teve três filhos, um dos quais vive com ela, e viu o marido falecer.

“Quando para cá vim morar, pagava 17€. Depois de o meu marido morrer e a casa passar para meu nome, aumentaram-me a renda para 224€. A minha reforma é quase para a renda, o meu filho também já se reformou, porque teve um enfarte, ganha 300€ e ajuda com 20€”, diz Ilda, enquanto olha com tristeza para o casal estrangeiro que passa e entra pelas portas do hostel ao fundo da rua. Apesar do aumento da renda, o senhorio não realizou quaisquer obras, mesmo faltando parte do telhado e a chuva entrar pela chaminé.

Ilda recorda os tempos em que, nas festas dos santos populares, a sua rua se enchia de mesas e de vizinhos que partilhavam as refeições e em que havia música até de manhã. Hoje, no início das festividades dos santos populares, confessa que não ouviu sequer o ensaio das marchas a passar.

“Já quase não está cá ninguém... mas eu não saio daqui. Se me arranjarem uma casa aqui, eu saio, mas para outro lado não vou”, repete Ilda.

Na casa à sua frente está afixada uma placa onde se lê “Património Municipal”. O prédio abandonado é um dos que contribuem para o pacote de cerca de 4000 fogos que pertencem à câmara , diz o vereador do PCP da Câmara de Lisboa, João Ferreira, que visitou a Madragoa com Carlos Moura, também vereador comunista.

Um dos objectivos do PCP é recuperar este património disperso pela cidade e torná-lo parte integrante do PACA, o Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis, uma proposta deste partido que foi aprovada pela câmara em Fevereiro . Prevê que “seja criada uma bolsa onde este património seja integrado depois de devidamente reabilitado e que seja arrendado a custos acessíveis, definidos em função não do mercado mas do rendimento efectivo da família”, explica João Ferreira.

Ao contrário do Programa Renda Acessível (PRA), dirigido a famílias cujos rendimentos não lhes permitem ter acesso às casas existentes no mercado e que entrou em vigor no início deste ano, o PACA estende-se a toda a cidade. João Ferreira afirma que “existe património municipal disperso por todas as 24 freguesias da cidade”.  

A primeira fase do PACA está prevista para a zona de Entrecampos, em Lisboa. A segunda fase só será concretizada “em Outubro, altura em que a câmara deverá apresentar um inventário do património disperso pronto a ser reabilitado para que as obras comecem”, remata o vereador Carlos Moura. Para já, ainda não há uma solução a curto prazo para a população que está a semanas ou dias de ser despejada.

No número 124 da Rua Vicente Borga mora Luís Tavares há 51 anos. Mas já teve de trocar de casa por causa da chegada de novos investidores. Em Outubro do ano passado, a sua mãe recebeu uma carta que lhe dizia que teria de abandonar a casa na qual vivia há 60 anos em troca de uma indemnização de 35 mil euros, um ínfima parte, diz, do que esta inquilina ali gastou ao longo dos anos para tornar a casa habitável, incluindo a construção de casa de banho. A alternativa era mudar-se para o Bairro de São Bento, para longe do filho que lhe dava de comer e a visitava todos os dias.

Luís ainda foi a tribunal para tentar que a mãe não perdesse a casa, mas o processo prolongou-se durante meses e acabou por ter de a acolher. “Mudar de casa foi a morte dela”, conta Luís, com lágrimas nos olhos.

Na rua é comum verem-se cartazes escritos em inglês onde se pode ler: “Por favor, não estacione em frente à minha porta.” Isto leva Luís a dizer: “Turista sou eu que moro aqui há 51 anos.”

Actualmente, 76 famílias perdem a sua casa todos os dias para estudantes de Erasmus, hostels, turistas, estrangeiros que vieram para ficar e que, acima de tudo, conseguem pagar os preços cá praticados que aumentam de dia para dia, denunciam os vereadores.

Texto editado por Ana Fernandes

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