Em França, está a nascer uma cidade para dar liberdade a quem sofre de Alzheimer

É a segunda do estilo na Europa e foi inspirada na pioneira, construída nos arredores de Amesterdão. O objectivo é garantir a normalidade e a segurança de quem vive com demência.

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Estas cidades querem servir de alternativa às casas de repouso "comuns" e internamento hospitalar DANIEL ROCHA

Há um projecto inovador a crescer numa pequena cidade do sudoeste de França: uma localidade construída de raiz para albergar quem sofre de demência. É a primeira do estilo em França e a segunda na Europa – o modelo francês foi inspirado num mais antigo, aplicado na Holanda. Em 2019, data prevista da sua conclusão, vai receber cerca de 120 residentes permanentes, que viverão numa cidade em miniatura, construída de forma a preservar a sua liberdade e a garantir a sua segurança.

A cidade perto de Dax, em Landes, tem sete hectares, divididos em quatro zonas, com um supermercado, cabeleireiro, restaurantes, uma livraria e uma pequena quinta – serviços que estarão já preparados para os residentes, que sofrem de Alzheimer. O objectivo é “manter a participação dos residentes na vida social”, explica o neurologista e epidemologista do hospital universitário de Bordéus, Jean-François Dartigues, ao diário francês Le Monde.

Os residentes vão habitar casas partilhadas, desenhadas para reflectir os seus gostos pessoais e acompanhados de cuidadores, que viverão com eles. A ideia é sair da atmosfera de hospital: não há tratamentos medicamentosos, e os cuidadores vão usar roupas e não batas, escreve a BBC. Os pacientes vão estar confinados à cidade para sua própria segurança, mas podem mover-se livremente dentro das instalações, circular pelos jardins e fazer compras em lojas e mercearias.

“Esperamos que os pacientes se sintam menos constrangidos e ansiosos, mais felizes. O mesmo para os trabalhadores médicos”, disse Françoise Diris, presidente da Associação francesa de Alzheimer dos Landes. “As famílias também vão estar mais relaxadas e vão sentir-se menos culpadas”, acrescentou, em declarações ao Le Monde.

Esta ideia foi inspirada numa outra, de origem holandesa, que o ex-ministro francês Henri Emmanuelli quis adaptar à realidade de Landes, onde oito mil pessoas sofrem de doenças neuro-degenerativas. Uma grande parte do orçamento será público. Estima-se que a factura se cifre nos 29 milhões de euros e que, anualmente, se gastem sete milhões em gestão. Às famílias, custará cerca de 66 euros por dia – o mesmo que numa casa de repouso “comum” em França.

Ao contrário do que acontece na Holanda, o modelo francês vai ter uma unidade de investigação, para perceber se este método é mesmo o melhor, comparativamente ao internamento em hospital. Os investigadores vão viver com os residentes, assim como 100 cuidadores. Pontualmente, 120 voluntários vão garantir as actividades de animação e vários cães vão auxiliar o apoio psicológico aos residentes. 

“Queremos ajudá-los a viver com menos sofrimento”

Em Weesp, cidade na Holanda, perto de Amesterdão, esta ideia já não é uma novidade. Há uma instituição, nos mesmos moldes, que funciona desde 1993 e onde vivem pacientes em estágios avançados de demência. “Ajudamos pessoas com demência média ou avançada a sofrer um bocadinho menos nos anos que lhes restam”, disse o gestor Eloy Van Hal ao Business Insider, numa entrevista em 2017.

Neste complexo foram instaladas 23 casas, cada uma delas com seis ou sete residentes e um cuidador que cozinha, ajuda a fazer as compras e vigia os residentes para garantir a sua própria segurança.

O objectivo é que os pacientes se sintam em casa e que continuem a realizar as actividades do dia-a-dia, preservando o sentido de autonomia. Há um bingo, um supermercado e até um bar, para estimular o convívio. Existe ainda uma moeda própria que os pacientes podem usar para as transacções. Cada casa tem um orçamento próprio, que os residentes gerem da forma que quiserem, com a ajuda dos cuidadores.

Inicialmente, esta instituição foi criada como uma casa de repouso tipo hospital, que foi sendo progressivamente alterada até chegar ao modelo actual. As alterações chegaram porque a direcção foi percebendo que havia uma forma mais humana de oferecer cuidados a pessoas que vivem com Alzheimer e outras doenças causadoras de demência.

“Todos os residentes que vivem aqui precisam de tratamentos médicos. Todos eles estão medicados. Todos eles estão num estágio avançado de demência”, disse van Hal ao Business Insider. “Mas acima de tudo são pessoas."

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