Uma nova carreira universitária

Seria um retrocesso dificilmente reversível se se materializasse a ideia de uma Universidade cindida entre quem ensina e quem investiga.

É missão primeira das universidades assegurar um ensino de elevado nível aos seus estudantes. A qualidade do ensino que ministram depende, em grande medida, da qualidade da investigação que nelas se faz. Uma Universidade de Investigação só poderá prosperar se quem ensina for quem investiga. É esta a razão por que o Estatuto da Carreira Docente Universitária consagra a obrigação de o docente investigar. Menos auspiciosamente, o estatuto da carreira de investigação permite que os investigadores optem por não lecionar, mesmo que realizem a sua atividade numa universidade.

Seria um retrocesso dificilmente reversível para a Universidade se se materializasse a ideia de uma Universidade cindida entre quem ensina e quem investiga. Será este o resultado da integração, na carreira de investigação, de muitas centenas de bolseiros, no âmbito da aplicação do Decreto-Lei 57/2016.

Venho, por isso, propor a criação de uma carreira universitária única: uma carreira de professores que investigam, ou de investigadores que ensinam. Não proponho que se reveja a carreira de investigação, o que nenhum dos últimos três governos conseguiu fazer, e que não dispõe por isso de um mecanismo de avaliação de desempenho adequado, relegando os investigadores a uma injusta estagnação na carreira. Proponho sim, que em substituição de ambas – a carreira docente tal como a conhecemos, e a carreira de investigação –, seja criada uma única carreira nas universidades, com as mesmas regras de recrutamento e as mesmas exigências funcionais para os docentes investigadores.

As universidades portuguesas precisam de cativar os mais competentes e promissores, numa renovação de pessoal a longo prazo, financeiramente sustentável. As políticas de investigação de sucessivos governos, e os constrangimentos legais e financeiros, criaram situações de precariedade laboral intoleráveis. Nas últimas duas décadas, assistimos a uma contínua descida do número de professores, e ao consequente envelhecimento do corpo docente. Na Universidade de Lisboa, a idade média dos docentes é hoje superior a 50 anos, rondando os 55 anos na sua Escola mais envelhecida. Nestes 20 anos, em que perdemos cerca de 1000 trabalhadores, não houve praticamente recrutamento de novos professores e investigadores na universidade portuguesa, e poucos foram os concursos realizados para professores catedráticos e associados. A crise financeira retraiu o recrutamento e reduziu o orçamento das universidades em um terço do valor de há uma década antes.

É esta a origem da precariedade no sistema universitário. Muitos dos mais promissores jovens doutorados saíram do país, tendo os que ficaram encontrado em sucessivas bolsas de pós-doutoramento, pagas por fundos estruturais da União Europeia, a única saída que os governos souberam facultar-lhes.

Na Universidade de Lisboa, por termos convicção que este é o maior problema que a Universidade Portuguesa enfrenta, e porque pudemos contar com os recursos financeiros libertados pelo processo de fusão, foi possível contrariar, desde 2016, esta trajetória. Mas o que se fez ainda é pouco. O número de professores nas nossas principais universidades continua muito abaixo de qualquer padrão internacional de referência. Impõe-se, além disso, acabar com a baixíssima percentagem de professores associados e catedráticos, voltando a ter uma pirâmide funcional adequada.

Há uma implicação evidente nas questões que acabo de referir. O modo de contrariar o envelhecimento docente reside na contratação dos mais jovens, cuja situação de precariedade, para além de injusta, em nada contribui para o desenvolvimento da universidade.

A iniciativa mais relevante do Governo nesta matéria foi a aprovação do já referido Decreto-Lei 57/2016, que contém um novo regime de emprego científico. Neste novo regime, a FCT financiará, na totalidade, a contratação de bolseiros como investigadores a termo certo, até ao máximo de seis anos. Mas, caso as universidades decidam abrir concurso para a carreira docente, a FCT só suportará 50% dos encargos salariais. É incompreensível que, numa iniciativa que visa combater a precariedade, o Estado financie integralmente a contratação a termo certo de investigadores, até ao máximo de seis anos, mas apenas 50% do vencimento se a contratação for para a carreira docente, que asseguraria um contrato sem termo e o fim real da precariedade.

Nos próximos dez anos, aposentar-se-ão na Universidade de Lisboa mais de 700 professores, cerca de 25% dos seus recursos humanos, incluindo alguns dos mais qualificados. Em algumas áreas, o envelhecimento docente afetará a oferta formativa e a capacidade de investigação. É dificilmente compreensível que, no quadro legal aprovado, a Universidade se veja compelida a recrutar 400 investigadores que, de acordo com a lei, só darão aulas se decidirem fazê-lo, e mesmo neste caso, não ultrapassando quatro horas por semana.

É chegado o momento de integrar numa carreira única os docentes e investigadores universitários, que há muito não veem valorizado o seu trabalho nas instituições de ensino superior. De criar condições para que os melhores sejam promovidos, após avaliação da qualidade da sua docência e investigação. Uma carreira onde o recrutamento se faça após o doutoramento, por concurso público internacional. Que estabeleça as mesmas horas de serviço docente para todos, e em que a todos seja requerido que investiguem e ensinem. Uma carreira com regras de avaliação de desempenho que possibilitem a progressão dos melhores. Que finalmente crie um procedimento, até hoje inexistente, que permita a promoção a professor catedrático e associado dos docentes que integrem os melhores 5% na avaliação de desempenho em cada categoria.

Desta forma, seria possível a adoção de um sistema dual de progressão e de recrutamento por concurso público internacional, que asseguraria a pirâmide hierárquica necessária ao bom funcionamento das universidades. As universidades precisam de assegurar a progressão na carreira dos seus melhores docentes, que registam por vezes décadas de dedicação ao serviço das instituições, e dispõem hoje de regulamentos e processos de avaliação que permitiriam, com alterações menores, regular essa progressão, sem incorrer no risco de descontrolo da massa salarial.

É assim nas melhores universidades do mundo, e é isso o que devemos ambicionar para a universidade portuguesa, não por emulação acrítica, mas por ser este o modo certo de proceder.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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