Conselho de Ética questiona necessidade de legislar sobre cannabis para fins terapêuticos

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida deu parecer desfavorável aos projectos do PAN e BE por causa do autocultivo, possibilidade abandonada no texto alternativo que irá a votação.

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Laszlo Balogh

Se a legislação portuguesa já permite a comercialização de medicamentos contendo cannabis e o consequente acesso dos doentes aos mesmos, o que justifica a criação de uma nova lei só para estes produtos? É esta a questão que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deixa implícita no parecer que emitiu sobre os projectos de lei do BE e do PAN que visavam regular a utilização da cannabis para fins medicinais, ao dizer que “é questionável a necessidade de legislação adicional nesta matéria”.

O parecer, votado por unanimidade pelos 16 conselheiros, é desfavorável por causa do autocultivo, possibilidade que foi abandonada no texto alternativo que resultou da união dos dois projectos. Esta era para os conselheiros a questão mais critica por considerarem que não estava salvaguardada a segurança por ser difícil a fiscalização da plantação e o acompanhamento dos doentes.

“A grande novidade dos projectos era o autocultivo, que não é aceitável. Deixando de haver essa possibilidade – e muito bem –, o restante é deixar funcionar o sistema regulamentar dos medicamentos que existe em Portugal e na Europa”, disse ao PÚBLICO Carlos Maurício Barbosa, um dos conselheiros relatores do parecer. O antigo bastonário dos farmacêuticos explicou que a posição do conselho “é que todos os medicamentos devem entrar no mercado nacional pelo mesmo processo que é através das agências reguladoras”. Ou seja, através da aprovação do Infarmed e da Agência Europeia do Medicamento.

Já está disponível um medicamento 

O documento, publicado na segunda-feira no site do CNECV, vem acompanhado por um relatório que serve de enquadramento ao parecer. Nele, os dois conselheiros relatores – Carlos Maurício Barbosa e Maria do Céu Machado, presidente do Infarmed – recordam que está disponível em Portugal um medicamento à base de cannabis indicado para doentes com esclerose múltipla e que na Europa decorrem vários ensaios de novos medicamentos para outras doenças.

Sobre o facto de o parecer analisar dois projectos que já não existem, Carlos Maurício Barbosa explicou que o conselho se pronunciou sobre os projectos enviados. “Não sei se os deputados nos vão enviar o novo texto para o conselho se pronunciar. O novo texto é um novo projecto de lei e o conselho deve pronunciar-se sobre ele.”

A versão que será apresentada em plenário – tudo indica que será debatida e votada no dia 15 – sofreu ainda outras alterações com a introdução de propostas apresentadas pelo PCP e PSD. Nomeadamente um reforço do papel do Infarmed, a quem compete aprovar as indicações terapêuticas consideradas apropriadas, dar a autorização de introdução no mercado destes medicamentos, preparações e substâncias e regular e supervisionar todas as actividades relacionadas com o uso de cannabis, desde o cultivo à distribuição nas farmácias.

Estas garantias, salientou Carlos Maurício Barbosa, “já fazem parte do quadro legal vigente”. “Existe um quadro legal em Portugal e na Europa para a introdução de medicamentos, qualquer que seja a substância que tiver, que deve ser seguido sempre. Não faz muito sentido que se produza legislação adicional quando já existe legislação”, reforça o antigo bastonário, acrescentando que as competências previstas para o Infarmed são redundantes com o que já existe.

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