Dos restos em pó da ardósia criou-se um novo material sustentável

Há uma "quantidade enorme" de matéria-prima que está a ser desperdiçada pela Lousas de Valongo. A empresa que explora ardósia percebeu isso e juntou-se à Fibrenamics para criar um produto moldável. De lousa, só tem uma parte — e em pó

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Nelson Garrido

Não renasceu das cinzas, mas do pó. Mais exactamente das partículas deixadas após a rectificação da ardósia e da secagem das lamas que, até agora, constituíam parte dos “muitos” resíduos minerais da empresa Lousas de Valongo, no Porto — que deposita, nas minas antigas, pouco menos de nove toneladas de pó por dia. Mas onde uns viam desperdício, a Fibrenamics viu uma “quantidade enorme de matéria-prima” que estava a ser descartada e deu-lhe um novo uso com a Slatetec, a tecnologia desenvolvida com o objectivo de “valorizar os resíduos produzidos na extracção e no tratamento da ardósia”, explica Raul Fangueiro, coordenador da plataforma interdisciplinar da Universidade do Minho.

Dois anos depois, já se pode tocar no resultado do projecto: são placas leves, com cerca de quatro milímetros de espessura, que podem “ser trabalhadas e usadas para diversos fins”. Num primeiro momento, as placas deverão ser utilizadas no revestimento de fachadas de edifícios, devido à alta durabilidade do material. Poderão também revestir pisos e paredes ou ganhar novas formas em elementos decorativos ou peças de mobiliário.

Isto porque o produto pode adquirir várias texturas superficiais, através do uso de poeiras com diferentes granulometrias e, ao contrário da ardósia natural extraída em Valongo, que tem uma cor entre o cinzento-azulada e o cinzento-escuro, impossível de ser alterada, “ganha valor acrescentado” ao poder ser produzido em diferentes cores, consoante os corantes adicionados à massa constituída pelo pó e por um ligante que lhe dá forma. O material também é moldável e, por isso, é possível “produzir elementos tridimensionais sem qualquer problema”, como lavatórios, exemplifica Raul Fangueiro. “Estas aplicações com a ardósia são impossíveis, porque ela parte, devido à sua composição natural, quase em forma de lascas”, diz Fernando Cunha, o engenheiro responsável pela Slatetec.

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Da esquerda para a direita, Fernando Cunha, Fibrenamics, Rui Teotónio Pereira e Raul Fangueiro Nelson Garrido

A estas valências junta-se a “capacidade antimicrobiana”, ou seja, o material “impede” que se desenvolvam “microorganismos na sua superfície”, assegura o engenheiro. Esta característica torna a rocha metamórfica “num produto muito mais versátil”, abrindo-lhe a porta a mais mercados “como o do mobiliário técnico para hospitais, laboratórios ou clínicas”, onde antes não conseguia entrar, devido às grandes porosidades que propiciam “as condições ideais para o desenvolvimento de microorganismos”.

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O material pode ter diferentes formas e diferentes texturas Nelson Garrido

A Slatetec (slate é a palavra inglesa para ardósia, enquanto tec é uma abreviatura de tecnologia) pode ainda imitar — “e imita bem de mais”, ressalva o administrador da empresa parceira do projecto — o aspecto da própria ardósia. “Quisemos desenvolver um material que não substituísse, mas que fosse complementar à ardósia natural”, comenta Fernando Cunha.

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Nelson Garrido

O projecto está “completamente desenvolvido a nível tecnológico” e prepara-se para entrar numa segunda fase, que vai abarcar a produção de protótipos numa pequena unidade industrial piloto que deverá estar a funcionar em Setembro e onde deverão ser criados mais dois postos de trabalho na empresa de lousas centenária que emprega 40 pessoas. O objectivo é apresentar o produto que está pensado desde o início para exportação em mercados já conhecidos da empresa, como o norte da Europa, ou os Estados Unidos, Canadá e Japão, países que pensam “estarem abertos a este tipo de materiais”, enumera Rui Teotónio Pereira. No total, para esta fase, está previsto um investimento de 500 mil euros, suportado também por uma candidatura ao Portugal 2020.

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Ao contrário da ardósia a Slatetec é facilmente moldável Nelson Garrido

Este não é o primeiro projecto de reaproveitamento de desperdícios inertes que a empresa tenta implementar. “Não é uma preocupação nova para nós, porque achamos que é um dever do explorador aproveitar totalmente o recurso natural que está a explorar”, acredita, acrescentando que, por ali, se aproveita cerca de 45% das 50 toneladas de ardósia diárias que extraem. Com este projecto, a “economia linear que até então a empresa vivia” fecha-se num círculo sustentável e “grande parte do desperdício que é gerado ao longo do processo é reintroduzido como nova matéria de um novo processo”. 

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A pedreira de onde é extraída a ardósia de cor cinzento-azulada Nelson Garrido
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