O "Steve desleixado" veio à Europa vestido de "ideólogo Bannon"

Antigo estratega da Administração Trump, ridicularizado pelo Presidente norte-americano, esteve em Itália para apoiar a "revolta populista". E disse que os sites nacionalistas "vão aparecer por todo o lado".

Foto
Bannon participou num debate sobre populismo na República Checa LUSA/MARTIN DIVISEK

Nove meses depois de ter sido expulso da Casa Branca pelo Presidente Trump com direito a ser humilhado no Twitter, como se fosse um daqueles vilões mal comportados que os xerifes atiram pelas portas do saloon num filme de cowboys, Stephen Bannon apareceu este ano, renascido e com mais ambição do que nunca, no coração da Europa.

Nos últimos dois meses, o homem que liderou a campanha eleitoral de Trump na fase final da corrida, e que foi o principal estratega do Presidente Trump até Agosto do ano passado, discursou em França ao lado de Marine Le Pen, apertou a mão a Viktor Orbán na Hungria e debateu as suas ideias nacionalistas em Praga, onde o primeiro-ministro e o Presidente disputam entre si o título de "Donald Trump checo".

Mas foi em Itália, um país mergulhado num caos político que pode abalar ainda mais as fundações da União Europeia, que o ex-responsável pela estratégia da Casa Branca encontrou a audiência ideal para o seu projecto de vida: liderar um movimento internacional nacionalista com o objectivo de "devolver o poder às pessoas numa revolta populista".

Ou seja, dar uma palavra de apoio à formação de um Governo italiano repartido entre os nacionalistas anti-imigração da Liga e os radicais anti-sistema do Movimento 5 Estrelas.

A "infra-estrutura populista"

Esta segunda-feira, enquanto o Presidente italiano nomeava um ex-director do Fundo Monetário Internacional para chefiar um Governo provisório sem apoio num Parlamento controlado pela Liga e pelo 5 Estrelas, o norte-americano Stephen Bannon contava em Roma o seu sonho recorrente: "Não sou italiano. Tenho um único interesse. Este movimento populista é um movimento global. Serve para mostrar ao mundo que os homens e as mulheres comuns podem assumir o controlo das suas vidas", citou a jornalista norte-americana Barbie Latza Nadeau no site de notícias Daily Beast. A ouvi-lo, segundo Nadeau, estavam "uns 50 empresários e duas vezes mais jornalistas".

A ambição de Bannon já tinha ficado clara na sua primeira turné do ano na Europa, em Março, numa conversa com o correspondente do New York Times em Roma, Jason Horowitz: "Tudo o que estou a tentar ser é a infra-estrutura, em termos globais, para o movimento populista global."

Nessa altura, o homem que idealizou o fecho das fronteiras norte-americanas a cidadãos de países de maioria muçulmana explicou de que forma quer ajudar a espalhar pelo resto da Europa as propostas de partidos como a Liga, o Fidesz ou a Frente Nacional.

"Ao longo do próximo ano vão aparecer por todo o lado sites de notícias populistas e nacionalistas, quer sejam criados por mim ou por empresários locais. E isso vai levar este fenómeno para o próximo nível", disse Bannon ao New York Times, explicando que essa ideia tanto pode ser concretizada através de novos sites ou através da compra de títulos estabelecidos, como a Newsweek ou a United Press International.

Imagem mais moderada

Mas as visitas à Europa servem também para reanimar a carreira política de Stephen Bannon depois da zanga com Donald Trump, que culminou com o Presidente a chamar-lhe "Steve desleixado" e "bufo" por causa de declarações polémicas citadas no livro Fogo e Fúria, do jornalista Michael Wolff.

Quando Bannon saiu da Casa Branca, o seu futuro parecia estar limitado às franjas das franjas do movimento populista norte-americano. Como Trump tinha saído vencedor desse duelo, Bannon – o ideólogo do movimento alt-right – teria do seu lado apenas os mais radicais dos radicais que enchem as caixas de comentários do site Breitart News, a que ele presidiu durante quatro anos.

Uma sentença assim tão definitiva não era nada de novo para este antigo banqueiro da Goldman Sachs transformado em inimigo público n.º 1 da globalização. Antes de ter chegado ao topo da política norte-americana, e apesar do apoio dos magnatas da família Mercer e do envolvimento na campanha a favor do "Brexit", Bannon também estava condenado a ficar-se pelas franjas. Faltava-lhe que as suas ideias fossem validadas com uma grande vitória eleitoral, e nessa época a ideia de os Estados Unidos virem a ter um Presidente chamado Donald Trump era pouco mais do que uma piada.

Agora, já sem o apoio financeiro dos Mercer e sem o ombro amigo de Trump, Bannon virou-se para a Europa, onde tenta alcançar três objectivos: consolidar os laços que o ligam a partidos como a Frente Nacional, o Fidesz ou a Liga; convencer os eleitores descontentes com a União Europeia de que o regresso aos nacionalismos é a solução; e aproveitar o tempo de antena nas televisões e nos jornais para se afastar da extrema-direita xenófoba e racista.

Numa dessas entrevistas, ao programa Newsnight da BBC, na semana passada, Bannon chamou "maluquinhos" a David Duke e Richard Spencer, dois conhecidos racistas apoiantes de Donald Trump. Um comentário que levou o director-adjunto da revista The Spectator, Freddy Gray, a acusar a jornalista Emily Maitlis de ter contribuído para o branqueamento da imagem de Bannon, e descrevendo a entrevista como "o mais longo anúncio a favor do nacionalismo económico apresentado aos telespectadores britânicos".

Referindo-se ao facto de Bannon ter chamado "maluquinhos" a Duke e a Spencer, Gray deixou um alerta: "Se calhar, o Newsnight pensava o mesmo sobre Steve Bannon há dois anos. Os tempos estão a mudar."

Sugerir correcção
Ler 30 comentários