Israel no Tribunal Penal Internacional

Espera-se que o TPI cumpra as funções para que foi criado, de modo a que os crimes que chegarem ao seu conhecimento não fiquem impunes, de modo que a sua repressão seja efectivamente assegurada.

No passado dia 22 de Maio, a Autoridade Palestiniana apresentou queixa contra Israel no Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia (Holanda), pedindo uma investigação e eventual punição dos respectivos responsáveis pela morte de 110 palestinianos e milhares de feridos, aquando dos protestos por ocasião da “Grande Marcha de Regresso”, que durou cerca de seis semanas, ou seja, até 15 de Maio, altura do 70.º aniversário da criação do Estado de Israel. “A Grande Marcha de Regresso” teve como objectivo simbólico o regresso dos 800 refugiados palestinianos à sua Pátria, expulsos dos territórios ocupados pelo exército israelita, em 1948.

O Estatuto de Roma do TPI foi aprovado, para ratificação, a 17 de Julho de 1998. Sete países votaram contra o projecto da sua criação: EUA, China, Iémen, Iraque, Israel, Líbia e Qatar, preferindo uma cultura de impunidade a uma cultura de responsabilização. A criação do TPI foi um grande passo em direcção à universalidade dos Direitos Humanos e ao respeito pelo Direito Internacional. Pena é que o TPI, umas vezes por falta de jurisdição, outras vezes por falta de colaboração das autoridades políticas e do Conselho de Segurança da ONU, não tenha sido tão eficiente quanto se desejava.

Os países que ratificaram o Estatuto de Roma do TPI tornaram-se seus membros, submetendo-se, deste modo, à sua jurisdição. Mas nada impede que aqueles países que não aderiram ao Tratado o façam num momento posterior ou submetam, desde logo, certos casos à jurisdição do TPI, numa base “ad hoc”, ou seja, pela criação de um tribunal “ad hoc” para determinado caso concreto.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) tem como objectivo julgar indivíduos pela prática de crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Nos termos do art. 4.º, n.º 2, do Estatuto, o TPI poderá exercer os seus poderes e funções “no território de qualquer Estado-parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro”. Ora, os factos denunciados ao TPI pelo ministro palestiniano dos Negócios Estrangeiros, Rivad al-Maliki, ocorreram na parte do território palestiniano, o que, por esta razão, confere ao Tribunal competência para exercer as suas funções.

Israel alega que a denúncia apresentada pela Autoridade Palestiniana não tem validade legal, uma vez que a Palestina não é um Estado. Porém, tal alegação não tem fundamento, porquanto a Palestina é membro do TPI desde 2015 e foi nessa qualidade de Estado-parte que efectuou a denúncia da prática de factos que constituem crimes no âmbito da competência do TPI.

Invoca ainda Israel que “têm tribunais que analisam questões relacionadas com as suas acções nos territórios ocupados” (cf. Maria João Guimarães, PÚBLICO de 23.05.18). Acontece que os casos denunciados pela Autoridade Palestiniana não tiveram qualquer investigação por parte das autoridades israelitas e a consequente punição dos autores dos crimes. E o TPI, nestes casos, tem uma jurisdição subsidiária relativamente aos tribunais dos respectivos Estados, ou seja, tem poderes complementares às jurisdições nacionais, uma vez que é dever de cada Estado exercer, em primeira mão, a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais.

O último protesto do povo palestiniano acabou por ser o dia mais sangrento desde a guerra de 2014, em Gaza, onde morreram mais de 2000 palestinianos e que o TPI analisa desde 2015. Na referida queixa estão ainda alegados crimes ligados à existência de colunatos judaicos em território ocupado, considerados ilegais pela comunidade e pelo direito internacional.

O Conselho de Segurança da ONU tem poderes para apresentar o caso palestiniano ao Procurador do Ministério Público junto do TPI. Porém, o papel do Conselho de Segurança no mundo dá ao observador, atento e independente, a imagem daquelas organizações que apenas existem para servirem interesses de pessoas ou grupos. Trata-se de um órgão cujo funcionamento é monopolizado pelos cinco membros permanentes, com o direito de veto.

Como muito bem se diz no editorial da edição do PÚBLICO, de 22.08.16, “sem julgar a Síria, Israel/Palestina e Coreia do Norte, o TPI continuará a ser um tribunal para África”. O desejável seria que a sua existência pudesse contribuir, decididamente, para uma maior responsabilização e mostrar aos ditadores e a outros grandes criminosos que não escaparão à acção da justiça.

O povo palestiniano tem sido vítima de crimes que chocam profundamente a consciência da humanidade e o conflito israelo-palestiniano constitui uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade. Espera-se que o TPI cumpra as funções para que foi criado, de modo a que os crimes que chegarem ao seu conhecimento não fiquem impunes, de modo que a sua repressão seja efectivamente assegurada.

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