O cabaret familiar de Michael Imperioli e John Ventimiglia

Há 20 anos que os dois norte-americanos trabalham com Bruno de Almeida. Voltaram a juntar-se a ele para Cabaret Maxime, um filme entre Lisboa e Nova Iorque.

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Michael Imperioli e John Ventimiglia, membros de uma trupe que Bruno de Almeida descreve como “família” Daniel Rocha

Antes de chegar até Michael Imperioli e John Ventimiglia, protagonistas de Em Fuga (1999), o seu primeiro filme de ficção, Bruno de Almeida fez audições a 250 outros actores. Entre eles, o falecido James Gandolfini (que viria a contracenar com Michael e John em Os Sopranos) ou o recém-oscarizado Sam Rockwell. Ninguém funcionava. Bruno não sabia do que estava à procura, mas não estava a encontrar. Foi então que apareceu Ventimiglia.

Depois da audição, Bruno e John foram almoçar juntos e o realizador falou-lhe da intenção de ter Michael Imperioli no outro papel. Não o conhecia pessoalmente, já o tinha visto em peças, além de terem amigos em comum (era um círculo pequeno, o do cinema independente nova-iorquino). E era o actor para quem o papel tinha sido concebido. Por coincidência, Ventimiglia era amigo de Imperioli desde que se conheceram a estudar representação, no início dos anos 1980. “Eu não disse logo que o conhecia", conta John. "Cheguei a casa, liguei ao Michael e ele disse que se eu fizesse o filme ele também faria. Fomos sair com o Bruno e bebemos umas 12 garrafas de vinho”, conta ao Ípsilon, mais de 20 anos depois, sentado numa mesa do Hotel Tivoli, em Lisboa, ao lado de Imperioli e de Bruno de Almeida. Vieram a Portugal para promover Cabaret Maxime, a nova colaboração entre eles, o realizador e outros membros de uma trupe que Almeida descreve como uma famíli­a (nomes como Nick Sandow, Sharon Angela ou Drena De Niro fazem parte).

Os dois actores escreveram rascunhos do guião, desvenda Ventimiglia. E o próprio escreveu os monólogos da sua personagem. É um processo que envolve muitas experiências, improvisos e espaço para tentar e falhar. Hoje com 54 anos, o actor que foi Artie Bucco em Os Sopranos e tem participado em séries de televisão e filmes de Abel Ferrara, Mary Harron, Rebecca Miller, Steve Buscemi ou James Mangold, faz de Veebie em Cabaret Maxime. É um mestre-de-cerimónias que o Bennie Gazza de Imperioli, o protagonista, dono do clube que dá nome ao filme, descreve em dada altura como aquilo que aconteceria se os lendários cómicos Mae West e W.C. Fields tivessem um filho.

“Eu e o Bruno reescrevemos muitas das minhas cenas”, afirma Imperioli, actor que tem bastante experiência de escrita. Além do seu próprio filme como realizador e argumentista – The Hungry Ghosts, de 2009 –, o actor de 52 anos que apareceu em Tudo Bons Rapazes, de Scorsese, e este ano teve um papel na cancelada sitcom Alex, Inc., assinou episódios de Os Sopranos, ajudou na escrita do guião de Verão Escaldante de Spike Lee, vendeu pilotos para séries de televisão que nunca chegaram a ser feitos e acabou de lançar The Perfume Burned His Eyes, romance passado na Nova Iorque dos anos 1970.

Pelos seus cálculos, é a sétima vez que vem a Lisboa. A primeira foi em 2006, para filmar A Vida Interior de Martin Frost, de Paul Auster. No final da rodagem, convidou o resto dos La Dolce Vita, banda que  tinha começado há meses, para actuar no verdadeiro Cabaret Maxime, cuja história é ficcionada no filme (o colega Ventimiglia também cantou lá). “Foi a primeira vez que cantei em público desde os dez anos."

"Onde mais poderias ter feito isso?”, pergunta Ventimiglia, que veio a Lisboa pela primeira vez em 2001, num Verão a que Almeida chama "louco”, quando vários amigos nova-iorquinos vieram conhecer a cidade. Esse foi o Verão do 11 de Setembro. Nova Iorque nunca mais foi a mesma.

O que é que encontraram aqui? Uma cidade antiga, com história. E o Viking, o bar com striptease no Cais do Sodré – que aparece no filme. “Foi como se estivesse num romance. Nunca pensei ver algo assim”, comenta Ventimiglia. O sítio ainda existe, o público mudou. Tal como a cidade, que mudava mais um bocado de cada vez que voltavam. “Em 2006 o Bairro Alto estava a acontecer, mas ainda era um fenómeno local. Voltei dois anos depois e havia mais turismo. O Bruno dizia que as coisas estavam a mudar”, partilha Imperioli. “O que vi foi uma cultura que estava enraizada na sua própria história e agora o que está a tomar conta é uma cultura enraizada na modernidade. Foi o que aconteceu em Nova Iorque: perdemos o que havia de tão único e que não se conseguia em nenhum outro sítio. As pessoas vêm de fora e vão às mesmas lojas e até aos mesmos restaurantes. Isso começou a acontecer aqui." Em Fuga já mostrava uma cidade em mudança. Louie, a personagem de Ventimiglia, falava da Disneyficação de Times Square. “Ele dizia que queria sujidade. O sujo não é necessariamente nojento, o que é muitas vezes o caso, mas é real, é orgânico, é como é por várias razões”, assevera.

A limpeza de Times Square trouxe “muitos danos colaterais”, segundo Imperioli. “Os preços sobem, os artistas não os podem pagar, os jovens não vêm...” É uma Nova Iorque diferente daquela que conheceu, a ver Lou Reed – com quem conviveu mais tarde e é personagem no romance que acaba de publicar – ou Allen Ginsberg a passar na rua.

“Agora são pessoas que já são estrelas e mudam-se para lá, como a Taylor Swift”, prossegue o actor que há oito anos, cansado da gentrificação, mudou-se para Santa Bárbara, Califórnia. Nos anos 2000, teve um teatro chamado Studio Dante. Era lá que muitos membros desta trupe desenvolviam a sua arte. Há menos sítios desses agora. Imperioli menciona o caso de Zetna Fuentes, que trabalhava no Ear Inn, o bar que todos frequentavam, foi estagiária de Bruno de Almeida e assistente de Nick Sandow, começou a encenar peças no teatro, primeiro a ajudar, depois a meias e a seguir sozinha. Agora é uma prolífica realizadora de televisão (dirigiu episódios de Jessica Jones, série em que Ventimiglia participou). “Passou pela nossa escola”, conclui. Hoje, provavelmente, não teria onde ir.

O outro Bennie Gazza

Em 1998, Imperioli apareceu em Too Tired to Die, filme de Wonsuk Chin com Mira Sorvino e Jeffrey Wright que "ninguém viu". Foi aí que trabalhou com Ben Gazzara, que fez três filmes com John Cassavetes. "Era um grande herói para nós". Desde essa altura que debita tiradas de Gazzara. Profere, a imitar o actor, algumas delas (como "eu não uso sandálias, lembram-me turistas alemães, eles usam-nas com meias brancas"; "eu não uso maquilhagem, tenho um bronzeado", etc.). "Decidimos fazer deste filme quase uma homenagem. É orgânico, brinco muito com essa voz", explicita. (Bruno de Almeida revela que Imperioli lhe pediu várias vezes para não o deixar imitar demasiado Gazzara).

"Não o quero imitar, mas estou definitivamente a pedir o tom e a inflexão dele emprestados", relata o actor, que gaba a amplitude de Gazzara, alguém que não precisava de artifícios para fazer personagens completamente diferentes. Fala-se de Saint Jack (Noites de Singapura), o filme de Peter Bogdanovich em que Gazzara é proxeneta em Singapura. "É isso", responde, adicionando também referências a Cassavetes: "é o A Morte de um Apostador Chinês, é também um bocado o encenador do Noite de Estreia."

Almeida declara que Cassevetes é o seu realizador favorito, nem fazia sentido esconder isso. Não é à toa que trabalha constantemente com os mesmos actores, a mesma família. Cresceram todos, aliás, com esse período. Ventimiglia sublinha que eram tempos em que se valorizava "a ideia de conjuntos e colaborações". "Víamos que os actores tinham ligação a este e aquele actor, percebíamos por que estavam juntos", atesta. E é o mesmo que se passa no trabalho que faz com Imperioli e Almeida.

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