Eutanásia: eu voto não

Pode um deputado, quando chamado a votar, cingir-se apenas à sua consciência quando lhe é dada a liberdade de voto? A resposta, para mim, é não.

A Assembleia da Republica vota esta terça-feira, na generalidade, a possibilidade de permitir a eutanásia em Portugal. Se há matéria que convoca a consciência individual o exemplo paradigmático é a morte a pedido. A consciência individual de cada um de nós é formada pelo quadro axiológico em que no forjamos, pela experiência vivida e pelas convicções religiosas e políticas daí decorrentes: são os princípios e os valores consubstanciados e emanados da vida vivida que moldam as nossas opções. Os deputados não fogem à regra. Mas pode um deputado, quando chamado a votar, cingir-se apenas à sua consciência quando lhe é dada a liberdade de voto? A resposta, para mim, é não. Não porque não tendo mandato do eleitor, não tem mandato para decidir diferente do que existe; não, porque tem a obrigação de procurar interpretar o sentimento maioritário dos seus eleitores que depositaram nele a sua representação; e não, porque tem a obrigação de percecionar o sentimento generalizado do partido que o apoiou e indicou. Ora, tendo eu em mim a responsabilidade depositada de representação dos portugueses, direi “não”.

Acredito que as dúvidas que assaltam quem tem a decisão nas mãos serão certamente maiores do que a daqueles que podem formar a sua convicção sem o poder de representação ou decisão. E esse peso acresce naqueles que agora têm que decidir. Por isso, outra questão se levanta com propriedade: pode uma matéria como a eutanásia ser decidida sem maior discussão na sociedade e sem que a decisão recaia sobre o povo soberano? Também creio que não. Foi, por isso, que no último Congresso Nacional do PSD defendi que o meu partido deveria estar do lado daqueles que entendem que o debate deve ser aprofundado, que o debate deve ser prolongado e o mais possível esclarecedor, que o debate se devia fazer com aqueles que nunca foram chamados a pronunciar-se. Foi, por isso, que propus que deveria realizar-se um referendo nacional sobre a eutanásia.

Saber se um País deve ter consagrada a morte a pedido é muito mais que uma política, é um modo de construção de sociedade. Que a esquerda, sem mais, aceite legislar contra os vários pareceres conhecidos, contra a opinião daqueles que representam as ordens profissionais a quem a lei imporá matar a pedido, é leviano, irresponsável e cruel, mas não me espanta. Até por que é propositado: há um modelo de sociedade em construção, sub-repticiamente, lentamente, nas costas da vontade (expressa) dos portugueses, a fazer o seu caminho. No entanto, o que já não aceito é que o PSD se demita da discussão e da oposição a este caminho sem ouvir os portugueses. É por isso que digo que a legitimidade jurídica de decisão tem cada um dos deputados que hoje votarão; a legitimidade política, in casu, está nos portugueses. Repito, votarei “não” à eutanásia por não sentir legitimidade política inteira para fazer de outra forma.

Mas também votarei “não” porque na complexa discussão entre a morte e a vida, estarei sempre do lado da vida. Pode um Estado decidir impor por lei a possibilidade de alguém pôr termo à vida de outrem, ainda que a pedido? Não creio. Pode o sofrimento de quem pede a morte toldar o seu discernimento decisório? Acho que sim. O arrependimento (não o religioso antes o do ser ciente) ficará, assim, inexoravelmente impossibilitado dentro de uma decisão irreversível. Um Estado que desiste dos seus, confessando-se impotente, administrando a morte, é um Estado que vacila na promoção maior do bem que é a vida. Um Estado que legitima o suicídio assistido não promove a liberdade: antes a desbarata: como pode a liberdade pedir a alguém para decidir se quer morrer ou ainda ter quem mate a pedido? 

Também votarei “não” porque os projetos em apreço – que desafio o eleitor a compulsar – são ligeiros nas formulações abrindo a porta à chamada “rampa deslizante”.

As dúvidas são tantas, que a par das certezas, moldam em mim uma resposta negativa à eutanásia. Respeito quem pensa de outra forma. A consciência de cada um, como disse, manda. Mas não posso deixar de lamentar – e isso custa a respeitar – que um País como o nosso não seja capaz de aprofundar a discussão, mas sobretudo de deixar o povo pronunciar-se. Fica, por fim, uma última pergunta: se os partidos concorrentes nas últimas eleições legislativas tivessem plasmado a eutanásia como política a adotar, o resultado eleitoral era mesmo? Não sei a resposta, mas sei que não foi por esquecimento que não o fizeram…

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