A ascensão e queda de Harvey Weinstein, em quatro actos

Detido e formalmente acusado de violação e abuso sexual, este foi em tempos um dos mais poderosos nomes de Hollywood.

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Steve Crisp/Reuters

A saga Harvey Weinstein ajudou a iniciar um debate nacional nos EUA sobre poder e género e monopolizou manchetes durante muitos meses. A perspectiva da sua prisão representa uma espantosa queda de um dos mais poderosos produtores de Hollywood. Segue-se um breve olhar sobre a vida e a volátil carreira de Weinstein.     

Os anos de glória

Em 1979, Bob e Harvey Weinstein fundaram a Miramax, que ajudou a trazer o cinema de autor para o mainstream.

A produtora afirmou-se no final dos anos 80 com três êxitos: Sexo, Mentiras e Vídeo, de Steve Soderbergh, O Meu Pé Esquerdo, de Jim Sheridan, que deu um Óscar a Daniel Day-Lewis, e Cinema Paraíso, de Giuseppe Tornatore, que obteve o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.

A Disney comprou o estúdio em 1993 por um valor situado entre os 60 milhões e os 80 milhões de dólares, dando-lhe uma injecção de capital e o apoio de uma poderosa companhia multinacional. A Miramax continuou na senda do sucesso, financiando Pulp Fiction, o êxito de Quentin Tarantino de 1994, que se revelou um dos filmes mais influentes da década. O filme, feito com um orçamento de 8,5 milhões de dólares, acabou por lucrar mais de 200 milhões de dólares a nível mundial.

Ao longo de um período de 11 anos, de 1992 a 2003, a Miramax Films teve sempre pelo menos um filme seu nomeado para os Óscares todos os anos, ganhando o prémio de Melhor Filme para vários deles, como sejam O Paciente Inglês (1996), A Paixão de Shakespeare (1998) e Chicago (2002). Outros filmes aplaudidos provenientes da Miramax foram O Bom Rebelde (1997) e Regras da Casa (1999) e êxitos como Gritos (1996) e Jackie Brown (1997). 

A Miramax ficou conhecida por “perseguir Óscares com uma persistência – e um orçamento – nunca antes visto na indústria cinematográfica”, escreveu o The Washington Post em 2008.

Mas os irmãos Weinstein também ficaram conhecidos por uma forma impiedosa de abordar os negócios. “A Miramax funcionava na base do medo. Eles intimidam, eles gritam imenso, eles espumam pela boca”, declarou à revista Vanity Fair Stuart Burkin, que entrou para a empresa em 1991.  

Mesmo quando dominava Hollywood, de acordo com o que escreve o The New York Times, já Harvey Weinstein era acusado de assédio sexual continuado. A actriz Ashley Judd disse que quando, em 1997, estava a filmar Kiss the Girls ele a atraiu para o quarto de hotel dele para uma “reunião”, e tentou forçá-la a fazer-lhe uma massagem ou a vê-lo a tomar um duche.

Ao longo da década de 90, escreveu o The New York Times, ele assinou acordos extrajudiciais com várias mulheres, incluindo uma jovem assistente em Nova Iorque em 1990, a actriz Rose MacGowan em 1997 e uma outra assistente em Londres em 1998.

Os anos difíceis

A situação de Weinstein a nível profissional piorou na primeira década do século. A Disney separou-se dos Weinsteins em 2005, após desentendimentos sobre o cada vez maior orçamento dos filmes e o nível de autonomia do estúdio. Nesse mesmo ano Harvey e Bob fundaram uma nova produtora independente, a Weinstein Co., mas parecia que Harvey tinha perdido parte da sua magia.

Entre 2005 e 2009, a Weinstein Co. estreou cerca de 70 filmes, muitos dos quais ninguém quis ver. Os fiascos incluíam o filme Pecado Capital, de 2005, com os actores Clive Owen e Jennifer Aniston, que os críticos ridicularizaram como sendo “um pedaço de lixo polido e muitas vezes ridículo” e “risível”. 

Ao longo desse período, Weinstein também se abalançou a outras áreas, adquirindo parte da marca de roupa Halston, parte da cadeia de televisão por cabo Ovation, e o site social A Small World.

“Quando lá cheguei, em 2008, a atenção já não estava nos filmes”, disse à Vanity Fair David Glasser, presidente da Weinstein Co. “O Harvey estava focado na Internet e na moda e no panorama dos media a nível global.”

Para complicar ainda mais as coisas, em 2008 a NBC Universal processou a Weinstein Co. por esta ter assinado um contrato destinado a levar o reality show Project Runway do canal Bravo para o Lifetime. A Weinstein Co. acabou por resolver o assunto fora dos tribunais, assinando um acordo com a NBC Universal por valores que não foram divulgados. 

O regresso

O ressurgimento profissional de Harvey Weinstein aconteceu por volta de 2011. O Discurso do Rei, com Colin Firth no protagonista, foi nomeado para 12 Óscares, arrecadando a estatueta para o Melhor Filme.

Os críticos desfizeram-se em louvores, apelidando Weinstein como “o regressado”. No ano seguinte, Weinstein arrasou nos Globos de Ouro, com A Dama de Ferro, A Minha Semana com Marilyn e O Artista, que acabaria por vencer na categoria de Melhor Filme nos Óscares. Meryl Streep homenageou-o na cerimónia dos Globos de Ouro, chamando-lhe “Deus”. Como escreveu o blogue Gawker, Weinstein tinha “renascido do túmulo para se banquetear com os ossos dos seus inimigos”. Nesse ano, foi nomeado pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do Mundo. 

A queda

Weinstein basicamente desapareceu da vida pública depois de as reportagens do The New York Times e da New Yorker terem divulgado décadas de acusações de assédio sexual e agressão contra ele. E mais acusações continuaram a surgir.

Weinstein emitiu uma longa declaração em que pedia “uma segunda oportunidade”, e terá dado entrada numa clínica de reabilitação para viciados em sexo no estado do Arizona. Mas isto não teve grande impacto, e a antipatia face à sua pessoa continuou a aumentar. Mais de 40 mulheres acusaram publicamente o produtor de comportamento desapropriado, incluindo Lupita Nyong’o e Gwyneth Paltrow. A nível nacional, a publicação destas acusações ajudou a iniciar um debate acerca de maus comportamentos sexuais no local de trabalho que levou a que pessoas em posições elevadas, na maioria homens, tenham anunciado a sua demissão.

Depois de, em Outubro de 2017, se ter demitido do conselho de administração da Weinstein Co., tudo começou a descambar. Apenas três dos membros da administração não se demitiram, e apesar de o irmão, Bob Weinstein, também dono de parte da empresa, ter inicialmente afastado rumores de uma possível venda, rapidamente surgiram informações que indicavam que a companhia tinha efectivamente  iniciado negociações com vista à sua alienação. Em Fevereiro deste ano, o antigo procurador-geral do estado de Nova Iorque, Eric Schneiderman, processou a empresa em representação dos seus empregados, acusando Weinstein de repetidamente assediar sexualmente, intimidar e diminuir empregadas e de criar um ambiente de trabalho hostil.

Schneiderman foi também encarregado pelo governador Andrew Cuomo de investigar de que forma o procurador de Manhattan, Cyrus Vance Jr., tinha abordado uma queixa de ataque sexual contra Weinstein. Mas uma notícia da New Yorker que detalhava acusações de abuso contra Schneiderman levou, no início deste mês, à sua repentina demissão.

Em Março, a Weinstein Co. apresentou falência, o que libertou os que acusavam Weinstein dos seus acordos de não-divulgação.   

Neste mês, Ashley Judd, uma das mulheres que acusam Weinstein, avançou com um processo contra Weinstein no Supremo Tribunal de Los Angeles, alegando que “ele arruinou uma incrível oportunidade profissional de Ms. Judd” ao denegri-la junto dos produtores da trilogia O Senhor dos Anéis. Isto aconteceu depois de Judd se ter recusado a vê-lo a tomar duche ou a fazer-lhe uma massagem no quarto de hotel dele “no final de 1996 ou início de 1997”, alega-se no processo.

 

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post. Tradução de Eurico Monchique

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