Música e artes de África animam Évora

Festival começa esta sexta-feira no Palácio de Cadaval e no Templo Romano e decorre até 25 de Agosto em vários outros lugares do Alentejo.

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Malick Sidibé nos Encontros de Fotografia de Coimbra, em 2004 Sérgio Azenha

Após meia dúzia de anos virado para as culturas do Oriente e para o imaginário da música sacra e clássica ocidental, o Palácio de Cadaval, em Évora, olha agora para África. E a cerimónia Bwaba, com as “máscaras da lua” do Burkina Faso, com que esta sexta-feira, pelas 22h00, abre no Templo Romano da cidade o programa do festival Évora África, marcará o sentido dessa viragem.

“Era a altura de abrirmos o nosso espaço a novas culturas e a novas dinâmicas”, explicou ao PÚBLICO Alexandra de Cadaval, directora do novo festival, que promete animar aquela cidade e o Alentejo ao longo dos próximos três meses com um extenso programa especialmente centrado na música e nas artes plásticas.

“Vamos ter 17 artistas representados na exposição Africa Passions e centena e meia de músicos a realizar 30 concertos”, acrescenta a responsável pelo programa, que terá como palco principal o palácio daquela família centenária, no centro histórico de Évora. E se as artes plásticas, a fotografia e a música constituem o núcleo central da programação, ao longo das semanas que decorrem de agora até 25 de Agosto haverá também dança, performances, animação com DJ, conferências e acções educativas.

Uma experiência de sete anos vivida em Moçambique em acções de carácter humanitário e cultural justifica a reivindicação da “verdadeira paixão por África e pelas suas diferentes formas de cultura e de expressão artística” sobre a qual Alexandra de Cadaval edificou o novo festival.

“Há todo um património que está a desaparecer cada vez mais, e cuja salvaguarda convoca o nosso esforço”, diz a directora do Évora África, que se propõe cumprir o seu papel neste esforço que se “exige à Europa” de atenção a “uma cultura extensíssima que, no fundo, é a raiz da nossa própria civilização”, acrescenta.

É assim que o festival vai trazer ao Alentejo uma “festa da cultura africana” nos seus aspectos menos difundidos. Na música, por exemplo, se entre a centena e meia de intérpretes há nomes conhecidos de festivais de música urbana e world music, como a Orquestra Ballaké Sissoko ou o DJ Ibaaku, que já passaram por outros palcos portugueses, Alexandra de Cadaval promete “um festival fora do contexto tradicional da world music e da fusão”, ressalvando, no entanto, nada ter “contra esses géneros musicais”. Mas realça a preocupação em mostrar em Portugal “a autenticidade das práticas ancestrais da música e do canto”, que ela própria foi conhecendo no decorrer da sua vivência junto de tribos do Continente Negro.

Para o programa musical do Évora África, a directora socorreu-se do apoio do musicólogo francês Alain Weber, um estudioso da música africana e consultor artístico da Cité de la Musique, em Paris, com quem, de resto, tinha já trabalhado no anterior festival dedicado ao Oriente.

Num texto integrado no programa do festival, Weber chama a atenção para “a influência fundamental que a África teve, e ainda tem, quer na Europa” quer noutros cantos do mundo. “Como se exorcizasse o período trágico da escravatura, África transcendeu literalmente, tanto na sua forma modal como ritmicamente, a maioria da música popular actual, do gospel ao jazz, do blues ao rock, da soul ao rap, do funk ao hip-hop”, acrescenta o musicólogo.

As raízes destes géneros vão passar pelo festival eborense num cartaz de trinta concertos em cujos intérpretes Alexandra de Cadaval destaca o DJ Ibaaku, do Senegal, um artista e multi-instrumentista prolífico que é também autor e compositor. E também a Orquestra Ballaké Sissoko, que regressa a Portugal, desta vez com uma formação em estreia europeia composta por 12 tocadores de kora, instrumento tradicional da África Ocidental.

Nas artes plásticas e fotografia, o festival acolhe na colectiva Africa Passions, uma selecção de arte contemporânea que reúne trabalhos de 17 artistas, comissariada pelo francês André Magnin (com Philippe Boutté).

“África tem uma originalidade que nasce das suas diferenças. A criatividade e a força artística do continente vêm da liberdade que os seus artistas concederam a si mesmos”, escreve Magnin sobre esta escolha onde o nome mais sonante é o do maliano Malick Sibidé (1936-2016), cuja obra já foi mostrada entre nós em lugares como os Encontros de Fotografia de Coimbra (2004), o Doc Lisboa (2010) ou os Encontros da Imagem de Braga (2016).

Tendo conhecido André Magnin na Fundação Cartier, em Paris, onde o curador apresentou as exposições Beauté Congo (2015-16) e Mali Twist (2017-18), Alexandra de Cadaval desafiou-o a trazer agora a Évora um port-folio de 15 das fotografias de Mallick mostradas nesta última exposição concluída no passado mês de Fevereiro.

Mas a directora do festival destaca também, em Africa Passions, o trabalho de Romuald Hazoumè, do Benin, que exporá as suas obras na igreja privada de São João Evangelista, no Palácio de Cadaval; e ainda a presença de Esther Mahlanghu, uma artista sul-africana de 83 anos que pinta com pincéis feitos de penas de galinha, e esteve cinco semanas em Évora a fazer um mural para o festival. “É uma senhora fantástica, que tem corrido o mundo, e que sendo 100 por cento defensora da cultura ancestral da sua terra, se afirmou também como uma grande artista contemporânea”, diz a responsável por Évora Africa.

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