Quimioterapia nos corredores e o SNS nas ruas da amargura

Crianças que não têm lugar nas salas e são obrigadas a receber os seus tratamentos nos corredores? Esta situação indigna tem de nos obrigar, necessariamente, a reflectir sobre o que se passa no SNS

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Fernando Veludo/nFactos

É Abril, mês querido para nós, portugueses. E continuamos a receber notícias que mostram o quanto nos desviamos dos objectivos da nossa revolução. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é uma conquista de Abril, uma conquista de todos os portugueses, um serviço em que todos podemos contar, confiar e recorrer. O que me chateia neste momento é ver que há mais quem se preocupe em subsidiar o privado e os seus grandes lucros, do que que quem proteja e defenda o serviço público. Os resultados estão à vista. Crianças que fazem quimioterapia nos corredores dos hospitais? Como assim? Crianças que não têm lugar nas salas e são obrigadas a receber os seus tratamentos nos corredores? Num Serviço de Saúde quase da idade da nossa democracia? Sim, pelos vistos é isto que anda a acontecer no nosso Portugal.

Esta situação indigna tem de nos obrigar, necessariamente, a reflectir sobre o que se passa no SNS, o que se passa nos serviços, com as instalações, com os profissionais. Em 40 anos não conseguimos fazer com que os nossos hospitais tenham a qualidade que merecemos? E não estou a falar dos profissionais de saúde pois estes fazem muito com pouco, dão muito do que têm para o pouco que recebem. São eles que ainda nos fazem acreditar num SNS mais humano, digno, democrático e, fundamentalmente, funcional.

Temos assistido nas últimas décadas ao desmantelamento de diversas unidades de saúde, ao desinvestimento crónico nos hospitais, à diminuição de pessoal e, consequentemente, a uma diminuição desastrosa da solidez do SNS. Podíamos estar aqui a falar nas cativações de Centeno, mas será que chega para justificar o que passa? Podemos falar em 40 anos de desprezo por muitos profissionais que dedicaram a sua vida aos hospitais portugueses por parte de quem tinha a obrigação de os apoiar, podemos aqui falar nas políticas de cortes cegos de Passos Coelho, mas também de Durão, de Guterres, enfim. O que me importa dizer é que, apesar de todos estes cortes, cativações, despedimentos, falta de condições materiais, temos ainda quem lute diariamente para que o SNS continue a ser uma realidade: médicos, enfermeiros, técnicos de terapêutica e diagnóstico, técnicos de saúde, auxiliares de saúde, administrativos e todos aqueles que acreditam num serviço gratuito, de qualidade, democrático, de todos e para todos.

Se o problema é dinheiro que se arranje dinheiro, pois prefiro saber que o destino dos meus impostos é o SNS e não um banco qualquer. Podemos ter opiniões muito distintas em relação a muitos aspectos, mas parece-me consensual que os portugueses preferem um investimento a sério no SNS do que mais uma injecção de capital no Novo Banco; preferem que se contratem mais médicos, técnicos e enfermeiros do que se canalizem mais uns milhões para a banca ou para a União Europeia.

Se o governo fosse menos Centeno e mais SNS não estaríamos certamente a falar nisto. É preciso fazer mais e fazer melhor pois um dos pilares mais básicos de uma sociedade é a saúde de qualidade acessível a todos, e não só a quem tem possibilidades de recorrer ao privado. Quando reparamos que grande parte do capital nos hospitais privados é derivado de capital público percebemos também que alguma coisa não esta bem. Com isto, sou muito mais SNS do que Centeno.

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