Arquitectura por engenheiros? Sim, mas a questão não existe!

A proposta de lei que permite a engenheiros assinarem projectos de arquitectura deverá ser ser votada a 16 de Março em plenário, na Assembleia da República. Tema divide profissionais das duas áreas. O engenheiro Bento Machado Aires está a favor e explica porquê

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Para analisar esta questão com seriedade é necessário perceber o que está em causa nesta revisão legislativa, relativa às competências profissionais dos engenheiros civis. Só depois desta percepção, será possível admitir comentários e posições sobre a matéria em causa.

O que está em causa é uma violação de uma directiva comunitária de forma gravosa pelo Estado português, que desde 2009 não exerceu o direito de fazer cumprir a directiva comunitária 2005/36/CE. Esta procurava legislar o livre exercício profissional de profissões reguladas em toda a União Europeia, sem prejuízo de eventuais direitos adquiridos para os engenheiros civis que tivessem iniciado os seus cursos até ao ano lectivo 1988/1989 nos seguintes estabelecimentos:  Instituto Superior Técnico, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e Universidade do Minho.

O Estado português incorreu nesta violação da legislação comunitária por duas vezes em quase dez anos, nomeadamente na revogação da Lei 73/73 com a Lei n.º 31/2009 e com a alteração desta em 2015. E esta é a verdadeira questão! Não vão os milhares de engenheiros civis fazer arquitectura em massa como se está a fazer crer, não vão os arquitectos ficar sem trabalho ou inibidos de trabalhar com os engenheiros civis.

Na realidade, pretende-se que um conjunto de engenheiros civis exerçam o seu direito de subscrever projectos de arquitectura porque os seus cursos o previam e por isso foram reconhecidos.

Defender o contrário é viver com o mesmo sentimento de uma ave que viveu sempre numa gaiola e que vê as aves em liberdade a voar e pensa que têm uma doença. Trata-se de inquinar o poder legislativo com argumentos falaciosos, em que não se reconhece a legitimidade passada, a adequabilidade dos planos de estudos em causa e a grandeza das instituições de ensino superior.

Trata-se para esses engenheiros civis de fazer honrar o compromisso assumido pelo Estado aquando da escolha da formatura que levou ao exercício da sua profissão: era-lhe permitida a actividade em causa e, mais tarde, lapidou-se o exercício pleno da profissão a que tinha direito.

Defender o contrário é instar o Estado português a cometer ilegalidades e penalizações e a ser responsabilizado pela perda de competências profissionais que um conjunto de engenheiros civis tem por direito e conhecimento. A engenharia civil e a arquitectura são ciências grandes demais para fazerem de questões de direito o seu dia-a-dia. Esta questão nunca devia ter existido porque na realidade não existe.

Se a engenharia civil um dia quiser, podendo fazê-lo legitimamente, poderá esclarecer na opinião pública que uma competente direcção e fiscalização de obra, ou uma revisão de projecto de arquitectura, apenas poderá ser garantida por um engenheiro civil. Julgo, porém, que não precisará de o fazer porque, havendo mercado, as empresas de construção civil e os próprios clientes sabem fazer esta escolha — esta, sim, é uma questão de competências profissionais.

Antes de terminar, faço uma declaração de interesses, de não estar abrangido pela directiva 2005/36/CE, de não querer subscrever projectos de arquitectura, mas, neste caso concreto, jamais aceitarei que engenheiros civis legalmente habilitados a subscrever projectos de arquitectura, a quem os donos de obra reconheçam competências para o fazer, não o possam fazer por influências de corporativas.

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