A nossa voz: debater e combater o petróleo no Algarve

Sim, eu sei que isto se assemelha a “o horror, o drama, a tragédia”. Mas a prospecção é só o início. E depois da prospecção, o adeus? Havendo petróleo, ninguém pára os interesses políticos e industriais. O povo tem voz pela sua terra?

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Geran de Klerk/Unsplash

Em Setembro de 2015, novos contratos para a exploração petrolífera da costa algarvia e alentejana foram assinados pelo antigo Governo português sem qualquer aviso prévio nem estudo de impacto ambiental. Sendo as consequências ambientais associadas do conhecimento público é compreensível que as empresas de exploração petrolífera peçam a dispensa de tal estudo. Mas a sua indispensabilidade é inegável sabendo a importância da pesca e do turismo como meios de subsistência para as regiões que serão certamente afectadas pela exploração petrolífera.

Tendo o potencial de energia renovável de Portugal sido demonstrado em 2016 quando, durante quatro dias seguidos, a energia eléctrica usada pelos portugueses proveio na íntegra do sol, do vento e da água, e considerando o contínuo investimento dos governos anteriores na produção de energia limpa, não faz sentido que o actual permita a exploração de uma fonte tão poluente.

É tão absurdo como a ausência de debates políticos e públicos sobre as possíveis vantagens económicas e os impactos ambientais da exploração petrolífera antes da tomada de decisão por parte dos governos. É também ininteligível a ausência de um referendo para a aprovação da prospecção petrolífera antes da nossa terra ter sido dividida e distribuída por consórcios detidos maioritariamente por empresas estrangeiras. Eu pergunto-me como e quanto irão baixar os preços dos combustíveis e se a sua compra e venda continuará a ser internacional. Se tivesse havido um debate, teríamos uma estimativa.

O Movimento Algarve Livre de Petróleo (MALP) e a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) têm feito um enorme esforço por esta causa: a PALP organizou uma campanha de crowdfunding para despesas judiciais e o Môce dum Cabreste ajudou à festa; por seu lado, a MALP tem feito inúmeros protestos que não ganham a atenção mediática que precisam. As autarquias, as associações e a população estão juntas nesta luta.

A pressão destes movimentos foi, possivelmente, uma das motivações para, no final de 2016, o Governo rescindir os contratos de exploração petrolífera em terra (onshore), justificando-se com incumprimentos contratuais. Restam assim dois acordos activos nas águas profundas das bacias do Alentejo e de Peniche: o primeiro caducaria em 2017 e o segundo pode iniciar-se já em 2018. Ambos os contratos "sobreviventes" incluem a empresa Galp, que detém 30% dos dois consórcios. Não obstante a vigência de uma providência cautelar interposta pela PALP, o Governo aprovou o prolongamento de um ano do período inicial de prospecção e pesquisa de petróleo ao contrato expirado em 2017 e contestado pela primeira.

No entanto, a 25 de Fevereiro último, a PALP suspendeu a providência cautelar contra a exploração de petróleo na Bacia do Alentejo, argumentando que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) iniciou um processo de decisão de sujeição a uma Avaliação de Impacto Ambiental. Resumindo, o Governo acordou com a PALP a suspensão de três meses das actividades de pesquisa de hidrocarbonetos a 40 quilómetros da costa de Aljezur e um hipotético estudo de impacto ambiental. O consórcio da italiana Eni (70%) e da Galp (30%) planeia o primeiro furo já em Maio de 2018.

Portanto, temos apenas três meses até ao início das actividades petrolíferas. O mais recente protesto organizado pelo MALP foi cancelado por falta de pessoas e recursos. As autarquias e populações algarvias e alentejanas, assim com as associações MALP, Zero, Futuro Limpo e PALP, precisam de ajuda. Se esta causa vos toca também, peço-vos que promovam a discussão e que façam ouvir a vossa voz. Porque parece que ninguém está — ou quer — ouvir.

Artigo actualizado às 17h08 de 5 de Março de 2018

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