O estigma da obesidade pode ser combatido com “mindfulness”

Programa Kg-Free foi desenvolvido na Universidade de Coimbra, no âmbito do doutoramento de Lara Palmeira, e foca-se em promover comportamentos saudáveis e qualidade de vida

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Ben Blennerhassett/Unsplash

Investigadores da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveram e testaram a eficácia de uma intervenção psicológica inovadora, baseada em três componentes essenciais — mindfulness, aceitação e auto compaixão — , para diminuir o impacto do estigma internalizado na obesidade.

Denominado Kg-Free, o programa resulta de quatro anos de investigação de especialistas do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação daquela universidade (FPCEUC). O Kg-Free foi desenvolvido no âmbito do doutoramento de Lara Palmeira, orientado pelos professores José Pinto Gouveia, da FPCEUC e coordenador do CINEICC, e Marina Cunha, do Instituto Superior Miguel Torga, em Coimbra.

Constituído por dez sessões semanais e duas quinzenais em grupo, o novo programa "foca-se em promover comportamentos saudáveis e qualidade de vida" e em "diminuir o impacto do estigma" em relação ao peso com excesso em mulheres e obesidade, explica a UC. A intervenção aposta no mindfulness (treino mental que ensina as pessoas a lidarem com os seus pensamentos e emoções), promovendo uma relação mais consciente com a alimentação, como, por exemplo, dando atenção aos sabores e textura dos alimentos.

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Lara Palmeira

É também promovida uma relação positiva e flexível com a imagem corporal, peso e alimentação, acrescenta a UC, adiantando que "a terceira componente trabalha a relação do 'eu' e da auto-compaixão, isto é, diligencia uma relação interna baseada numa atitude de compreensão, cuidado e suporte" a si mesmo quando se falha ou "as coisas correm mal".

Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o projecto envolveu a participação de centenas de adultos com excesso de peso e obesidade, na sua maioria mulheres, em tratamento para perda de peso no distrito de Coimbra, destacando-se o estudo da intervenção Kg-Free em que participaram 60 mulheres adultas com peso a mais ou obesidade.

Os resultados, afirma Lara Palmeira, citada pela UC, evidenciam que a "intervenção foi eficaz na promoção do bem-estar e da qualidade de vida e na diminuição de comportamentos alimentares perturbados, do estigma internalizado e do auto-criticismo". O programa Kg-Free "permitiu que as participantes desenvolvessem uma atitude mais saudável, flexível e positiva em relação ao seu peso e alimentação, promovendo uma alimentação mais consciente e saudável, bem como o desenvolvimento de uma visão do 'eu' mais positiva e menos crítica/hostil, focada no bem-estar e na persecução de uma vida com significado que vá para além do peso", explicita a investigadora.

As conclusões do estudo alertam para a importância de complementar as tradicionais abordagens de combate à obesidade com uma intervenção psicológica. É necessária "uma abordagem multidisciplinar que se foque não só na perda de peso, mas que promova directamente o bem-estar e qualidade de vida, intervindo na diminuição do estigma e nas estratégias de regulação emocional desadaptativas", sustenta Lara Palmeira.

"Apesar do seu profundo impacto negativo, o estigma em relação ao peso permanece actualmente como uma das formas de estigma mais socialmente aceite, sendo muitas vezes promovido como forma de combate contra a obesidade e que tende a ser internalizado pelas pessoas com excesso de peso e obesidade", acrescenta. "É urgente integrar a abordagem psicológica nos tratamentos, porque a obesidade é uma doença muito heterogénea", acentua ainda a investigadora do CINEICC.

No seu conjunto, os resultados "apresentam importantes implicações para a intervenção psicológica na obesidade, salientando a importância de adequar as intervenções às pessoas com excesso de peso e obesidade e consciencializar os profissionais de saúde para a importância de adoptar uma atitude de tolerância, aceitação e não julgamento para promover a adesão ao tratamento e melhores resultados", conclui Lara Palmeira.

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