O lapso do ministro

Sem respostas, vamos continuar a ouvir falar muito do ministro mais discreto que, em poucos dias, se tornou num elo frágil do Governo.

O discreto ministro-adjunto Pedro Siza Vieira tornou-se, de repente, no governante mais polémico. Primeiro, pelo seu papel na sugestão de alteração à lei que permitiu a OPA da EDP. Agora, pelo facto de durante dois meses ter incorrido numa manifesta incompatibilidade, ao acumular as funções de ministro com as de gerente de uma empresa imobiliária familiar.

Para o primeiro-ministro, foi apenas “um lapso” e não há consequências políticas a retirar: “outras entidades”, leia-se Tribunal Constitucional (que fiscaliza incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos), que se pronunciem. "O ministro respondeu com a franqueza de quem não deve e por isso não tem nada a temer”, defendeu António Costa no Parlamento. Infelizmente, nem a franqueza parece tanta, nem o caso parece tão simples assim.

Há questões a que o ministro ainda não respondeu a bem da transparência. Transferiu algum património familiar para a dita empresa no momento da sua constituição? E porque há esta coincidência de a empresa ter sido criada na véspera de tomar posse no Governo? Como é possível que um advogado experiente como Pedro Siza Vieira diga que desconhecia a lei de incompatibilidades? E, agora, que faz o Tribunal Constitucional? Qual a leitura que faz da fiscalização de património dos políticos? Pede também para aceder aos dados de empresas familiares? E afinal ninguém fiscaliza as declarações que obrigatoriamente têm que ser entregues no Palácio Ratton?

O caso atinge em cheio um dos elementos mais próximos do primeiro-ministro. Mas queima bem mais do que o Governo. Por que razão a maior parte dos partidos não falou directamente sobre isto? Não vêem que casos como este minam a imagem de toda a classe política? Numa altura em que o Parlamento constituiu a comissão da transparência e está empenhado em zelar pela qualidade da democracia, o silêncio pesa muito.

O BE, de resto, preocupou-se menos com a ética e mais com a negociação do próximo Orçamento do Estado: quis saber qual o papel de Siza Vieira no volte-face do PS na votação de uma nova taxa sobre as energias renováveis acordada com Catarina Martins no ano passado (e que à última hora caiu por terra). Ao que parece, vamos continuar a ouvir falar muito do ministro mais discreto que, em poucos dias, se tornou num elo frágil do Governo. Porque o seu maior lapso é o da ausência das respostas que faltam.

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