Zuckerberg foi ao Parlamento Europeu para pedir desculpa - e pouco mais

O presidente do Facebook assumiu a responsabilidade pelo "erro" da Cambridge Analytica, que resultou no uso indevido dos dados pessoais de milhões de utilizadores da rede social. Garantiu que estão a ser tomadas medidas para evitar um novo escândalo, mas admitiu que ainda podem ser descobertos outros abusos.

Foto
LUSA/EUROPEAN PARLIAMENT HANDOUT

A dois dias da entrada em vigor da mais ambiciosa legislação europeia para a protecção da privacidade e dos dados pessoais dos utilizadores da Internet, o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg, garantiu que a rede social que dirige está preparada para cumprir integralmente todas as disposições do Regulamento Geral para a Protecção de Dados (ou GDPR, na sigla em inglês) desde a primeira hora. Mas um ano antes das eleições europeias, admitiu que “ainda vai demorar algum tempo” até o Facebook conseguir promover as “mudanças necessárias” para evitar outro escândalo semelhante ao da Cambridge Analytica.

Numa muito antecipada intervenção no Parlamento Europeu, Mark Zuckerberg pediu desculpa por esse “erro” que permitiu a utilização abusiva da informação de milhões de utilizadores da sua rede social, e garantiu o seu “total compromisso” em fazer os investimentos necessários para assegurar a segurança dos clientes da sua empresa. “Manter a segurança das pessoas será sempre mais importante para nós do que maximizar os lucros”, frisou.

A presença de Zuckerberg no Parlamento Europeu foi requisitada no rescaldo do escândalo da entretanto defunta consultora britânica Cambridge Analytica, que utilizou indevidamente informação recolhida dos perfis de mais de 87 milhões de utilizadores da rede social fundada por Zuckerberg — 2,7 milhões dos indivíduos que descobriram que os seus dados foram manipulados sem o seu consentimento são cidadãos europeus. A maioria, cerca de um milhão, residem no Reino Unido; em Portugal, houve 63 mil contas expostas.

O caso trouxe de novo para a ribalta do debate político a questão da manipulação da informação e da interferência por agentes hostis em campanhas políticas, alimentando as dúvidas sobre a integridade dos processos eleitorais. “Em 2016, fomos demasiado lentos a identificar a interferência da Rússia na eleição presidencial dos Estados Unidos. Não estávamos suficientemente preparados para o tipo de operações coordenadas de desinformação que agora sabemos que existem”, reconheceu Zuckerberg.

Mas o presidente do Facebook acabou por ir mais longe, acabando também por reconhecer que a sua empresa não estava preparada para agir mesmo depois de identificado o problema. Só depois do escândalo da Cambridge Analytica ser revelado publicamente é que o Facebook iniciou uma inspecção interna, que segundo Zuckerberg anunciou já levou à eliminação da plataforma de cerca de 200 aplicações que aparentemente violavam as disposições relativas à privacidade dos utilizadores.

“A minha estimativa é que vamos ainda encontrar muitas outras aplicações que vamos ter de bloquear”, declarou, numa audiência que estava prevista decorrer à porta fechada — e só depois de muita pressão acabou por ser transmitida em webstreaming. O interesse foi tal que os servidores do serviço audiovisual da Comissão acabaram por revelar-se incapazes de responder aos acessos e bloquearam.

Quando foi chamado pelo Congresso norte-americano a prestar contas, Zuckerberg não conseguiu impor condições para a sua presença. Mas em Bruxelas, o executivo só teve de lidar com os líderes de cada um dos grupos (as oito famílias políticas e os representantes dos não-filiados) do Parlamento Europeu — a sua audição foi integrada numa chamada conferência de presidentes, que tem um formato pré determinado e um horário preciso para começar e acabar. Cada um dos intervenientes pode fazer uma declaração de três minutos, sem direito a follow-up.

Nas suas audiências no Congresso norte-americano, Zuckerberg “beneficiou” do deficiente conhecimento e pobre domínio das matérias tecnológicas dos senadores e congressistas que o interpelaram para fugir das questões mais delicadas. Em Bruxelas, o seu maior aliado foi o tempo: “Não quero abusar da vossa paciência, até porque já ultrapassamos o horário em mais de 15 minutos”, assinalou Zuckerberg, que assim evitou responder a questões concretas sobre a escala das violações que aconteceram; a possibilidade de compensação dos utilizadores afectados ou ainda a aplicação global dos princípios europeus vertidos no novo regulamento de protecção de dados — que entra em vigor esta sexta-feira, dia 25 de Maio.

“Poderíamos pedir-lhe que nos envie as respostas nos próximos dias”, sugeriu o presidente do Parlamento Europeu e anfitrião do encontro, Antonio Tajani, perante os protestos dos parlamentares que lamentavam as declarações vagas e em bloco dadas pelo fundador do Facebook e exigiram respostas às questões concretas que lhe tinham feito. “Sem problema, faremos chegar essas respostas”, prometeu Zuckerberg, que saiu do edifício tal como entrou, ligeiro, calado, e ignorando as solicitações dos jornalistas.

A situação foi de tal forma caricata — e constrangedora — que Antonio Tajani acabou por ter de se justificar sobre a sua decisão de promover uma reunião fechada e em contra-relógio. Nos minutos que seguiram a audição, ouviram-se mais reclamações sobre o comportamento do presidente do Parlamento do que as evasivas de Zuckerberg. “Ele não é cidadão europeu, não era obrigado a vir”, defendeu-se Tajani, acrescentando que os eurodeputados “não podem pedir demais”.

Além de Bruxelas, o circuito europeu de desculpas de Zuckerberg inclui uma outra paragem em Paris, para um encontro com o Presidente francês, Emmanuel Macron. No entanto, o presidente do Facebook mais uma vez gorou as expectativas dos legisladores britânicos, que reclamam a sua presença numa comissão parlamentar em Londres.

Com as eleições europeias que vão determinar a recomposição do Parlamento e definir a escolha de uma nova Comissão Europeia em mira, uma das principais preocupações dos legisladores nas suas questões sobre as actividades da Cambridge Analytica — que como recordaram está debaixo de investigação pelas autoridades britânicas — teve sobretudo a ver com o recurso aos dados pessoais no contexto de campanhas políticas e eleitorais. “Que garantias nos pode dar de que não vai recolher e vender dados a terceiros?” “A Cambridge Analytica foi um caso isolado, ou é apenas a ponta do icebergue?”, insistiram.

Mas além destas perguntas sobre o armazenamento e processamento da informação dos utilizadores do Facebook, os eurodeputados também interrogaram Zuckerberg sobre o modelo de negócio, o cumprimento das obrigações fiscais ou a posição dominante da sua empresa — “É ou não um monopólio?”.

Mas houve alguns eleitos que preferiram tecer considerações filosóficas sobre a liberdade de expressão : foi o caso dos eurocépticos e anti-europeístas Nigel Farage e Nicolas Bay, que se insurgiram contra o que designaram como a “censura arbitrária” e a “tentação totalitária” de encerrar contas que “exprimem opiniões legítimas”, isto depois de Mark Zuckerberg ter prometido mais meios para eliminar as fake news, mas também o discurso de ódio, o extremismo ou o bullying da sua rede. “Somos o serviço que permite a maior variedade de ideias, mas esse tipo de conteúdos não pode ter lugar na nossa plataforma”, respondeu.

Sugerir correcção
Comentar