Ministro da Ciência subscreveu manifesto de cientistas que pedem estabilidade

Investigadores denunciaram o “excesso de burocratização” e financiamento instável que, concluíram, “originam grande incerteza, desgaste e frustração”. Manuel Heitor subscreveu o documento.

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O ministro da Ciência, Manuel Heitor António Cotrim/LUSA

Menos burocracia, financiamento mais regular e transparente, e uma política de contratação coordenada que valorize os investigadores. Estas são as principais exigências apresentadas ao Governo e à Assembleia da República por representantes da comunidade científica em Portugal num manifesto publicado online nesta terça-feira. “A situação actual está a impedir os investigadores de planearem a sua actividade, levando uns a saírem de Portugal e castrando o potencial dos que ficam, diminuindo assim de forma irreversível a nossa competitividade”, lê-se no documento que ao final do dia já somava mais duas mil assinaturas. O professor universitário e ministro da Ciência, Manuel Heitor, diz que está totalmente de acordo com o manifesto e, por isso, subscreveu-o.

“O desafio é de todos. Claro que precisamos de mais financiamento, mais regularidade e precisamos também de uma responsabilização crescente de todos os cientistas”, diz Manuel Heitor ao PÚBLICO, justificando a subscrição do manifesto. E esclarece que, tal como os cerca de dois mil investigadores que assinam o manifesto, não está contente com a actual situação da investigação científica em Portugal. “Encontrei o Estado numa situação muito frágil, uma máquina pública frágil, com muita burocracia. Estamos longe de resolver isto. Não há nenhum ministro com uma varinha de condão que mude a situação de um momento para outro. Por isso, ter uma participação activa dos cientistas nestas questões é muito importante.”

Desta forma, Manuel Heitor transforma o que poderia ser interpretado como uma crítica à actual política científica do Governo numa declaração de apoio aos mesmos objectivos que preconiza, colocando-se do mesmo lado dos investigadores e deixando mesmo um elogio ao que chama “activismo científico”. “Não vejo nenhuma diferença entre o manifesto e a política científica em curso. Estou totalmente de acordo com todos aqueles pontos”, sublinha. O manifesto, conclui, “é muito oportuno e é uma força importante para o debate destas questões”. É, por isso, muito bem-vindo.

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O investigador António Costa Pinto NUNO FERREIRA SANTOS

No que se refere, por exemplo, ao combate à burocracia que coloca inúmeros obstáculos aos cientistas, Manuel Heitor queixa-se também que “o Estado está envolvido numa teia de procedimentos sempre que usa fundos comunitários, e a ciência está particularmente dependente de fundos comunitários”. O único ponto mais sensível, admite, surge quando os cientistas consideram fundamental existir um “financiamento consistente e transparente”, com pelo menos um concurso anual de projectos para todas as áreas científicas. Isso implicaria um aumento contínuo da despesa pública em investigação científica, refere Manuel Heitor. “Eu próprio me debati, fora e dentro do Governo, pela maior regularidade dos concursos, mas isso depende sobretudo da disponibilidade financeira. Não nos podemos esquecer que para haver concursos todos os anos o orçamento tem de estar sempre a aumentar. O que fizemos neste programa de Governo foi sobretudo privilegiar a regularidade no emprego científico e nas bolsas de doutoramento.”

Quanto aos problemas “burocráticos” surgidos no concurso Estímulo ao Emprego Científico, o ministro aproveita para anunciar que a FCT decidiu esta segunda-feira, afinal, admitir todas as candidaturas que tinham sido excluídas por falta de documentação relativa ao reconhecimento do grau de doutoramento em Portugal. Finalmente, sobre a necessidade de voltar a um regime de excepção do Código de Contratos Públicos para as actividades de investigação científica, que existiu entre 2009 e 2012, o ministro diz estar “totalmente de acordo”.

“Não estamos a pedir mais dinheiro”

No manifesto, os cientistas pedem um “simplex” para a ciência que elimine os obstáculos burocráticos e facilite as plataformas e regulamentos. António Costa Pinto, investigador que preside ao conselho de escola do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e um dos proponentes do manifesto, explica ao PÚBLICO que por vezes o simples processo de comprar um reagente ou adquirir livros “bloqueia ou adia a realização destes projectos, não só nacionais, mas também internacionais”. Tanto nos concursos como nas contratações, “a irregularidade abunda”, argumenta.

Os cientistas pedem ainda uma “política de contratação regular e coordenada, baseada no mérito e respeitando investigadores e instituições”. Esta contratação regular é necessária para “valorizar os seus melhores cientistas e atrair os melhores do estrangeiro, incluindo portugueses que foram para o estrangeiro”.

“Nós nunca sabemos o que vem a seguir”, constata Adelino Canário, director do Centro de Ciências do Mar na Universidade do Algarve. Partindo do princípio de que há um consenso nacional sobre a importância da ciência para o desenvolvimento económico que “vai da ponta esquerda à ponta direita do espectro político”, falta perceber que neste país pequeno “quaisquer complicações só nos trazem desvantagens” na competição que existe nesta área. “Não somos mais inteligentes do que o resto do mundo, mas podemos ser um bocadinho mais espertos na forma como gerimos a nossa ciência”, diz Adelino Canário. “Nem sequer estamos a pedir – embora seja sempre bem-vindo – mais dinheiro, estamos a pedir sobretudo mais organização”, sublinha o investigador.

Mónica Bettencourt Dias, directora do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, também insiste neste ponto. Não se trata de ter mais financiamento mas sim melhor financiamento. No documento, refere a directora do IGC, reclama-se pelos “alicerces da casa da ciência”. “Neste momento estes alicerces, a previsibilidade e regularidade do financiamento e a desburocratização da ciência não têm de maneira nenhuma sido respeitados e, portanto, o que estamos a ver é uma regressão. Estamos muito preocupados. Temos várias pessoas a dizer que assim não vale a pena fazer ciência em Portugal.”

Raquel Seruca, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) da Universidade do Porto, considera que o manifesto é uma “tentativa” para resolver os problemas na área da investigação científica. Na sua opinião, os confusos e demorados concursos recentes da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foram a gota de água num copo cheio. “A plataforma da FCT já não era fácil mas agora parece que ligaram o complicómetro. Neste momento, é quase preciso tirar uma especialidade para lidar com a parte burocrática.” Ainda assim, investigadora aplaude o esforço do ministro que conseguiu “um envelope financeiro maior do que o costume”. E, se Adelino Canário e Mónica Bettencourt Dias mostram ter alguma dificuldade em explicar os motivos que poderão ter levado o ministro e também o presidente da FCT, Paulo Ferrão, a assinar este documento, Raquel Seruca simplifica: “Assinaram e muito bem! Eles percebem, eles são cientistas.”

O manifesto está publicado online e pode ser subscrito por qualquer cidadão. Entre as três dezenas de proponentes de diferentes áreas científicas e diferentes regiões do país, encontram-se nomes como Pedro Magalhães, Elvira Fortunato, Marta Moita, Sobrinho Simões, Cláudio Sunkel, Luís de Sousa, Marina Costa Lobo, Orfeu Bertolami, ou Margarida Amaral. No último parágrafo do documento de seis páginas, os cientistas pedem ao Governo e à Assembleia da República que seja traçado com urgência “um rumo de médio e longo prazo para a ciência em Portugal”.

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