José Campos, o solitário fotógrafo de arquitectura

Com 30 anos, José já rivaliza com os grandes fotógrafos de arquitectura de todo o mundo. O segredo (do sucesso e do país)? Ter "garra" — "As pessoas não podem ficar encostadas a pensar que o país há-de pagar as contas."

Casa Fonte da Luz (Barbosa & Guimarães) José Campos
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Casa Fonte da Luz (Barbosa & Guimarães) José Campos
Paulo Pimenta
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Paulo Pimenta

Foi difícil apanhá-lo para esta entrevista. Um fotógrafo de arquitectura é, como o próprio diz, um "fotógrafo do mundo", por isso todas as semanas dele "são de doidos", "sempre a viajar". Descansar só nos aeroportos, entre aviões. E pensar que José Campos só começou a fotografar edifícios por acaso, motivado por alguma loucura de jovem estudante. Tal como ele, também as suas fotografias (vê a galeria) correm o universo. Foi ele que imortalizou a MIMA, eleita esta semana "Edifício do Ano 2011" pelo ArchDaily. Em Abril, será a estrela de um mini-documentário feito pela emissora alemã Deutsche Welle, que o vai acompanhar durante dois dias.

És um arquitecto que fotografa ou um fotógrafo que gosta de arquitectura?

Sinto-me um fotógrafo de arquitectura. Sei que tenho sempre por base a formação em arquitectura, mas não me sinto um arquitecto que fotografa. Já percebi, até pelos mais velhos, que é uma profissão muito solitária. Ser fotógrafo de arquitectura é ser independente e trabalhar quase sozinho. É uma dedicação contínua.

Que papel é que a tua formação em arquitectura tem?

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Casa em Vila Real (+linha-linha arquitectos) José Campos

Acho que é bastante importante. Tenho mais sensibilidade para perceber o projecto. Normalmente, antes de fotografar, tento perceber, através das plantas, como é que o edificío é, como está construído. Depois ando lá sem máquina, para perceber quais são os ângulos mais interessantes.

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Caja Badajoz (Estudio Lamela Arquitectos) José Campos

Quando é que percebeste que o teu futuro passava pela arquitectura?

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Ser fotógrafo de arquitectura é ser independente e trabalhar quase sozinho, diz Campos Paulo Pimenta

Quando estava no curso de arquitectura, a dada altura, tínhamos um projecto para aprofundar e não havia fotografias. Eu decidi ir fotografá-lo. Era um plano urbanístico em Lille (França) do Rem Koolhaas. O pessoal achou que eu era doido. Daqui surgiu a fotografia de arquitectura. Não temos só de sair da universidade e fazer projectos. Há muitas mais saídas e eu vi a fotografia como uma das saídas.

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Fundação Champalimaud (Charles Correa) José Campos

Como consegues uma boa fotografia de um edifício?

Procuro controlar bem a luz porque sem luz não conseguimos fazer a fotografia. Na arquitectura é importante perceber a profundidade, o contraste entre o claro e o escuro, os cheios e os vazios e, principalmente, os enquadramentos, que acho que é o mais importante. As boas fotografias são as que provocam emoções, sensações.

Fotografas muito?

Acho que faço o número de fotografias que é preciso. Eu faço muita fotografia sem máquina porque com o digital é fácil começar a disparar e nunca mais acabar. Fotografo muito sem a máquina, muito com o cérebro.

Só trabalhas em Portugal?

Eu acho que um fotógrafo de arquitectura é um fotógrafo do mundo. A arquitectura não é só portuguesa, há em todo o lado e, neste momento, se calhar, estão a aparecer mais projectos fora do que em Portugal. Em Portugal continuam a aparecer, apesar da crise. Como há pouco trabalho, as empresas estão a apostar em mostrar bem o que fazem.

A crise afectou o teu trabalho?

Não. Se calhar até tem ajudado. Neste momento estou mesmo com muito trabalho. Só consigo descansar quando vou fotografar, naqueles tempos espaços de viagem em que vou para os aeroportos e ando de avião.

Que projectos tens para breve?

Um dos meus grandes projectos é uma viagem à Índia para fazer uma monografia para o arquitecto Charles Correa. Entretanto vou para Hamburgo porque tenho um edifício para fotografar do arquitecto Jürgen Mayer. E tenho imensos projectos em Portugal para fazer. Não estou a explorar tanto lá fora porque tenho muita coisa para fazer em Portugal.

Qual foi o edifício que mais prazer te deu a fotografar?

Gostei muito de fotografar a Fundação Champalimaud. A casa MIMA também foi um projecto que me deu muito gozo, embora seja uma escala completamente diferente.

Em Portugal, fala-se de uma crise na arquitectura. Como vês o panorama actual?

Eu acho que as coisas não são assim tão más como dizem. O panorama geral não é bom, claro, mas também há casos de sucesso, não é só miséria na arquitectura. Claro que estamos em crise e os jovens têm muita dificuldade em arranjar trabalho, mas eu acho que se nós quisermos conseguimos sempre arranjar um caminho. Nem todos os arquitectos podem fazer projecto.

Foi esse o teu caso?

Foi uma opção. Percebi logo que não queria fazer projecto. Uma pessoa não pode é ficar em casa. Têm de ter atitude e mandarem-se para a frente. Quantos casos de sucesso é que conheces? São pessoas que trabalham muito e que se aplicam, que prescidem de muita coisa e que se dedicam ao trabalho até ganhar estabilidade.

Falas de experiência própria?

Muito. Acho que as pessoas têm de ter garra, agarrar os seus projectos e acreditar que são capazes. Qualquer pessoa pode conseguir vingar, tem é de ter empenho. Onde é que estão aqueles lutadores e descobridores de mares? Temos de tentar arranjar um novo rumo para o país e sermos mais anarquistas, pensarmos em nós e nos outros. As pessoas não podem ficar encostadas a pensar que o país há-de pagar as contas. Eu detesto subsidiodependentes, pessoas capazes e que não se esforçam.

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